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Godzilla é coadjuvante do próprio filme em seu segundo longa ocidental

Guilherme Solari

Do UOL, em São Paulo

14/05/2014 06h00

Godzilla não é chamado de Rei dos Monstros à toa. Plateias ocidentais devem lembrar mais do personagem pelo "fator trash" de um homem com uma óbvia roupa de borracha destruindo uma maquete de Tóquio - efeito que pode ser mais convincente do que parece - ou pela péssima adaptação norte-americana de 1998. Mas Godzilla é um veteraníssimo do cinema que já fez de tudo: de representar de forma muito sombria o pesadelo da bomba atômica, por um povo que o sentiu na carne, a pai de família, que ensina o filhão a soltar seu característico "bafo nuclear", e a protagonista de filme trash mesmo, em que dá pulinhos de alegria, voa e até conversa com outros monstros.

O filme "Godzilla" de 2014 é nada menos que o trigésimo longa do lagartão e chega no ano em que ele comemora 60 anos. O monstro estava há cerca de uma década longe das telas, após o apocalíptico "Godzilla Final Wars", de 2004. De muitas formas, o novo filme parece um pedido de desculpas de Hollywood ao personagem, que está muito mais fiel às suas características na série, com sua quase invulnerabilidade e o tal do "bafo nuclear". Ele volta a ser mais que um lagarto anabolizado, mas uma força vingativa da natureza que faz a humanidade se sentir como formiguinhas.

Mesmo assim, Godzilla parece um coadjuvante de seu próprio filme. Os seres humanos têm muito mais espaço com dramas familiares com os quais, francamente, quem se importa? E até os monstros antagonistas - que parecem ser os primos pobres da criatura de "Cloverfield" - ganham muito mais espaço e tempo de tela do que sua majestade o Rei dos Monstros. Se no lugar de Godzilla fosse colocado qualquer outro kaiju - os monstros gigantes japoneses - não iria fazer muita diferença.

Mais "filme de desastre" do que "filme de monstro"

Em grande parte, "Godzilla" deve muito mais a filmes de desastres, como "2012" e "O Dia Depois de Amanhã", do que aos de monstros gigantes. Na maior parcela do filme, vemos gente correndo e o tenente Ford Brody (Aaron Taylor-Johnson) tentando encontrar sua família em meio à confusão em vez de monstrões se enfrentando propriamente. Em diversas vezes, quando a coisa esquenta e os bichos parecem que vão se pegar, a cena corta para algo como Brody olhando tristonho para uma foto do filho. Dessa forma, o filme de Guilermo de Toro de 2013 "Círculo de Fogo" tem mais jeito de um filme de Godzilla do que o  "Godzilla" que acaba de ser lançado. Só no final os kaijus enfim se enfrentam de verdade na telona, e aqui a ação e os efeitos não desapontam.

Para o cinema ocidental, que trata os gráficos de computador como verdadeiro fetiche, é absurda a ideia de colocar um sujeito dentro de uma roupa de kaiju em um grande filme, mas a tradição foi mantida pelo estúdio japonês Toho até os filmes mais recentes de Godzilla nos anos 2000. Porém, é preciso dar o braço a torcer para os efeitos de computador do novo "Godzilla", que ajudam a dar uma sensação de escala impressionante às criaturas. A quantidade de fumaça levantada por arranha-céus caídos também traz um ar bem realista e até lembra as imagens de 11 de setembro. O desastre de 2011 de Fukushima é outra catástrofe bem lembrada no longa, mantendo a mensagem do perigo da energia - e do arsenal - nucelar.

O elenco tem seus altos e baixos. O ator de "Breaking Bad" Bryan Cranston, num prólogo estendido que mais parece um filme à parte, surpreende com um crescendo intrigante de suspense. Já o japonês Ken Watanabe é subaproveitado no papel de um cientista que, por algum motivo, passa quase o filme inteiro de olhos arregalados, fitando o nada.

E esse é um dos maiores problemas do longa. "Godzilla" é um inegável espetáculo visual, mas com personagens genéricos ameaçados por monstros genéricos e Godzilla no segundo plano. É verdade que Hollywood chegou bem mais perto com este filme, em comparação ao Godzilla estilo "Jurassic Park" de 1998. Mas esse ainda não é o filme que o Rei dos Monstros merecia no seu 60° aniversário.