"Malévola" atualiza fábula de princesa indefesa em filme de mulheres fortes
“Malévola”, que estreia nesta quinta (29), não é só um filme sobre a vilã de uma das animações mais populares da Disney. O longa estrelado por Angelina Jolie e dirigido pelo estreante Robert Stromberg (designer de produção de "Oz: Mágico e Poderoso", "Alice no País das Maravilhas" e "Avatar"), é, acima de tudo, um filme sobre mulheres poderosas, muito distantes da donzela em perigo que dava nome a “A Bela Adormecida” (1959) --e que, apesar de nomear o filme, mal falava e aparecia em apenas 18 dos 75 minutos da produção.
A primeira dessas mulheres poderosas é a própria Malévola, a quem somos apresentados durante a juventude, ainda livre da amargura que marcaria a vilã. Ela é uma das fadas mais poderosas do reino dos Moors, povoado por criaturas fantásticas, que vive em conflito com o reino vizinho, dos humanos. Em meio a essas rivalidades, Malévola conhece Stefan, um menino humano, com quem inicia uma amizade que evolui para o amor.
Mas Malévola não é apenas uma fadinha boba e apaixonada. Enquanto Stefan se afasta para ir atrás de poder, ela segue protegendo seu povo de um rei tolo que quer conquistar Moors e dizimar os seres mágicos que vivem ali. É neste conflito que a fada vivencia sua maior mágoa: a traição de Stefan (Sharlto Copley), que tira dela suas magníficas asas em nome da ambição de se tornar rei, criando a semente da amargura que acaba transbordando em vingança no dia do batizado de sua filha, a princesa Aurora.
Se até aqui a história da fada má é inédita no universo Disney, a partir do batizado o filme se distancia ainda mais de "A Bela Adormecida", colocando mais uma vez o controle nas mãos da personagem título: quando a vilã aparece para acabar com a festa e condenar a princesa a um sono eterno, não é o presente da terceira fada que dá um fio de esperança à garota, mas sim a própria Malévola: ao ver Stefan suplicar e se humilhar, ela acrescentar um “adendo” à maldição, dizendo que Aurora somente acordará após o primeiro beijo de amor verdadeiro, sentimento que a vilã não acredita existir.
A cena do batizado também é o melhor exemplo do fascínio que Angelina Jolie traz para o papel. Seja antes ou depois da maldade, ela encarna com naturalidade o grande poder de Malévola, mostrando uma mulher imponente e decidida, de beleza singular, que coloca todos a seus pés com poucas palavras ou apenas gestos grandiosos, um ser único que sobressai entre seres insossos e comuns --assim como a Angelina da vida real, que acumula os títulos de embaixadora da ONU, diva do cinema, mãe de seis filhos e mulher de Brad Pitt.
O que vemos a partir do batizado também reforça a ideia de que Malévola e Aurora são senhoras de suas vidas. Em vez de pular diretamente para o 16º aniversário da princesa, quando a maldição deve se concretizar, o filme concentra-se em mostrar como é construída a relação das duas personagens.
Malévola se aproxima inicialmente para vigiar sua vítima, divertindo-se à custa da garotinha e das três fadas escaladas para cuidar dela --um fracasso como babás, colocando a princesa sempre em risco de não chegar aos 16 anos. A menina sente a presença dessa entidade das sombras, e tenta por vezes se aproximar dela e de seu reino encantado, amolecendo o coração da vilã --o que é muito bem exemplificado com a participação da filha de Angelina e Pitt, Vivienne, então com 4 anos, como a pequena Aurora, em uma cena tocante entre mãe e filha.
Aurora
Se Malévola enfrenta reis e soldados para proteger seu reino fantástico, a jovem Aurora (Elle Fanning) também é uma garota de iniciativa, que toma suas próprias decisões e sela seu próprio destino, sem ser apenas um joguete de outras forças, como a personagem do filme original.
Ela não fica a espera de um príncipe encantado ou de ordens do pai que nem sabe existir, mas decide por conta própria que quer morar com Malévola em seu reino encantado. Quando as coisas não saem como Aurora espera e ela descobre sua verdadeira história, ela não só confronta a fada má, mas também parte a cavalo para o castelo de seu pai que, sem saber, acaba selando a maldição ao trancar a filha em um quarto enquanto prepara sua vingança final contra Malévola.
É claro que nesse meio tempo Aurora também conhece o príncipe Phillip (Brenton Thwaites), mas, apesar de surgir um encantamento entre os jovens, ele não será tão essencial para a salvação da princesa quanto se pode esperar. Afinal, esse é um filme para meninas de hoje, que não se iludem com a espera pelo “príncipe encantado” e o “amor verdadeiro”.
Sendo assim, o desfecho da história --mais relacionado a lealdade e amizade do que a amor romântico-- não poderia deixar de estar nas mãos das personagens femininas, que também tomam dos heróis masculinos a responsabilidade de selar a paz entre os reinos inimigos.
Tudo isso pode parecer uma grande subversão do conto de fadas da Bela Adormecida, mas a roteirista Linda Woolverton (“O Rei Leão”, “Alice no País das Maravilhas”) usa um recurso “esperto”, ao fazer referência à origem oral dos contos de fadas para justificar que esta é uma versão diferente, narrada por uma pessoa diferente: a própria Aurora, mais uma vez mostrando-se dona de sua história.
De fato, essas mudanças não parecem tão absurdas se considerarmos as muitas versões da história da Bela Adormecida, cujo tema principal aparece na tradição oral de diversos países europeus, e que teve alterações profundas desde seu primeiro registro, em um romance anônimo composto por volta de 1330 na França (em que uma princesa grega adormecida é acordada depois de ser estuprada, e não por um beijo), até a versão publicada pelos irmãos Grimm em 1812, que serviu como fonte principal para a animação “A Bela Adormecida”.
No entanto, é bom não esperar muitas ousadias ou um final sombrio, já que este ainda é um filme Disney, e, como reza a tradição do estúdio, é feito para que pais e filhos saiam alegres do cinema, depois de ver seus personagens favoritos serem “felizes para sempre”.
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