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"Quero que as pessoas tenham raiva do filme", diz diretor de "Riocorrente"

Roberto Sadovski

Do UOL, em São Paulo

05/06/2014 06h00

"Eu quero que as pessoas tenham raiva quando terminar o filme". Paulo Sacramento não é um diretor de meias palavras. Com seu novo longa, "Riocorrente", o responsável pelo excelente documentário "O Prisioneiro da Grade de Ferro" estreia na ficção sem amarras, com um filme que bebe nas raízes do udigrúdi, o cinema marginal paulistano. "Riocorrente" rompe com as fórmulas tradicionais de narrativa e estética, criando uma experiência que será completa com a bagagem de cada pessoa na plateia. "Não quero o choque pelo choque", continua Sacramento. "Mas não quero indiferença."

Indiferença certamente não é o resultado de uma sessão de "Riocorrente". Em uma narrativa enxuta, o filme acompanha o triângulo amoroso formado por um jornalista (Roberto Audio), um ex-criminoso que tenta se ajustar à vida "legal" (Lee Taylor) e uma mulher misteriosa (Simone Iliescu). Mas essa é a superfície, já que Sacramento pincela a narrativa com símbolos, metáforas e alegorias sobre o determinismo de nossas escolhas, as consequências de nossas ações e natureza do mal.

O diretor Paulo Sacramento em foto de divulgação do filme "Riocorrente" - Divulgação - Divulgação
O diretor Paulo Sacramento em foto de divulgação do filme "Riocorrente"
Imagem: Divulgação

Não é ao acaso que o personagem de Lee Taylor é acompanhado por um menino (Vinicius dos Anjos) chamado no filme de Exu. "Cada elemento representa parte de minha experiência como cineasta, de ideias que eu acumulei", explica o diretor. "Eu amarrei as coisas que são importantes para mim e para a minha formação e o resultado é 'Riocorrente'".

A herança do udigrudi é forte e Sacramento cresce os olhos ao ouvir que em seu trabalho há semelhança estética e narrativa com "Filme Demência", que o diretor Carlos Reichenbach lançou em 1985. "Fico feliz com a comparação, 'Filme Demência' é um dos melhores filmes que eu já vi", empolga-se. "Quando tive aula com o Carlão, a primeira coisa que eu fiz foi pedir um roteiro do filme. E foi o primeiro roteiro que eu li".

Reichenbach, que morreu em 2012, foi um dos principais criadores do cinema marginal e uma das grandes influências na geração de Sacramento. Assim como "Riocorrente", "Filme Demência" também segue a vida de uma pessoa comum envolvida em questionamentos incomuns --o que é amplificado pela narrativa lúdica.

Trailer do filme "Riocorrente"

Da produção à frente das câmeras

Paulo Sacramento não é iniciante no cinema, apesar de fazer agora sua primeira ficção. "O Prisioneiro da Grade de Ferro", que ele lançou em 2003, foi o ponto de partida em uma carreira focada e aplaudida. O filme, um documentário feito ao longo de anos sobre o ineficaz sistema carcerário brasileiro e seu completo fracasso em ressocializar seus detentos, foi premiado em festivais brasileiros e internacionais e mostrou sua sensibilidade em buscar a essência do ser humano mesmo em condições sub-humanas.

Mas foi como montador e produtor que o cineasta deixou sua marca. Editou filmes de Sergio Bianchi ("Cronicamente Inviável" e "Quanto Vale Ou É Por Quilo?"), Laís Bodanzky ("Chega de Saudade") e Anna Muylaert ("É Proibido Fumar"), e produziu Claudio Assis ("Amarelo Manga") e José Eduardo Belmonte ("A Concepção"). Seus dias como produtor, porém, ficaram para trás.

"Decidi deixar de ser produtor para não ter mais gente não gostando de mim", brinca Sacramento. "Parece que o produtor sempre se torna alvo da raiva dos cineastas". A exceção foi José Mojica Marins. Paulo foi o responsável pelo retorno do Zé do Caixão aos cinemas em 2008 com "Encarnação do Demônio". "O Mojica sempre me agradecia pela oportunidade, por voltar a filmar", continua "Foi o único diretor que eu produzi que não quis me fuzilar". Entusiasta do gênero, Sacramento também trabalhou com o diretor Dennison Ramalho em dois de seus curtas: "Amor Só de Mãe" (como produtor) e "Ninjas" (como montador).

O novo momento na carreira, agora unicamente como diretor, tem em "Riocorrente" um começo, mas não uma fórmula. O objetivo, segundo Sacramento, é colocar as histórias e ideias para fora, sem se prender a um gênero ou estética. "O próximo deve ser um filme mais retinho e menos experimental", provoca.

Rodar um filme provocativo, por sinal, não foi tão difícil quanto pode soar. "Na verdade, foi até bem rápido", explica. "Eu amarrei as ideias no roteiro e já sabia onde queria filmar e com quem. Queria atores de teatro, desconhecidos do grande público, e queria rodar no centrão de São Paulo". Em menos de um ano o filme estava na lata.

"Acho que os efeitos digitais foram o mais trabalhoso", enfatiza. "A gente coloca fogo no Rio Tietê, e o que parece fácil no papel dá uma trabalheira enorme para executar." Ele dá uma pausa e conclui, com a certeza de ter exorcizado os demônios de suas idéias: "Mas ficou bom".