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Mesmo com a revitalização do cinema de rua, shoppings ainda são preferência

Patrícia Colombo

Do UOL, em São Paulo

08/08/2014 16h28Atualizada em 08/08/2014 19h08

Com a reinauguração do Cine Belas Artes no final de julho, São Paulo tem hoje seis cinemas de rua --até 1960, eram 161 ao todo, segundo o Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados). Outros quase 40 cinemas em atuação na cidade estão onde a maior parte dos paulistanos adora passear: os shopping centers. Passados mais de 30 anos desde essa migração, a preferência do público em frequentar um ou outro esbarra em dois critérios principais: comodidade e segurança.

Nas ruas, onde antes havia uma sala de cinema, hoje são lojas, estacionamentos ou igrejas. "Não é que só queremos estar nos shoppings”, explica ao UOL Eduardo Acuña, presidente da rede Cinépolis no Brasil. "Trata-se de uma decisão que atende o mercado brasileiro. Hoje o shopping faz uma boa sinergia com o cinema porque tem estacionamento, segurança e outros serviços. Sempre fizemos questão de estudar oportunidades, inclusive em ruas, mas outros fatores pesam. Em lugares como o Brasil ou o México [país sede da rede], a questão da segurança é muito importante e o preço dos terrenos é muito alto."

A rede UCI, por exemplo, presente nos shoppings Anália Franco, Jardim Sul e Santana Parque, já recebeu desde o início do ano mais de 1,1 milhão de espectadores. Em 2013, a rede Cinépolis teve mais de 2 milhões de ingressos vendidos em 15 cinemas no estado de São Paulo, que somam 113 salas; e a rede Cinemark, outra gigante no mercado, levou 43 milhões de pessoas às suas 540 salas espalhadas pelo Brasil.

Serviço sofisticado e universo de Hollywood

Hospedada em shoppings como o JK Iguatemi, no Itaim Bibi, e Mais Largo 13, em Santo Amaro, a rede Cinépolis lida com públicos distintos, disponibilizando ofertas com preços variados, compatíveis tanto com as classes A e B do primeiro, quanto C do segundo. A projeção e som são os mesmos em todos os cinemas da rede, de acordo com Acuña.

Contudo, se no Largo 13, onde se encontra o Cinépolis desde 2010, há oito salas --entre normais e 3D-- com valores de ingressos entre R$ 13 e R$ 23, no JK Iguatemi a rede oferece salas VIP, VIP 3D, Imax, Imax 3D, 4DX e 4DX 3D, com entradas a preços salgados de R$ 34 a R$ 73. No cinema do shopping do Itaim há serviço de garçom na sala até pouco depois do início do filme e cardápio com opções de massas, comida japonesa, cervejas artesanais e cartela de vinhos. Em ambiente requintado, o refrigerante é deixado de lado. "O combo de espumante com pipoca é o nosso mais vendido", afirma o presidente da rede. 

Quanto aos filmes projetados, tanto o Cinépolis quanto o UCI e o Cinemark investem em blockbusters hollywoodianos a pedido dos frequentadores. "Estamos sempre na busca de levar aos nossos clientes o que eles mais gostam de assistir. Através de análises da nossa equipe de programação, conseguimos entender e traçar o perfil de cada praça", diz Monica Portella, diretora de marketing da UCI no Brasil. A definição do tempo no circuito é decidida através de parceria com as distribuidoras dos filmes e com base no número de público que o filme recebe.

"Quando vou ao cinema, tanto com amigos quanto com o meu filho, é sempre em shopping. São os filmes que gosto e aqui tenho a comodidade do estacionamento, a segurança, praça de alimentação", diz Andreia Higa, 40, prestes a entrar em uma sessão infantil com o filho Nicolas, de quatro anos, no Cinemark do Santa Cruz.

Na realidade atual, há casos até que surpreendem a nova geração de jovens. Quando questionado se frequentava salas de cinema de rua, Luan Ferreira, 17, rebate: "Não sabia nem que existia". Acompanhado do amigo Guilherme Freitas, 14, também no Cinemark do Santa Cruz, onde geralmente existe uma grande quantidade de frequentadores adolescentes, ele havia acabado de comprar o ingresso para assistir a "Transformers: A Era da Extinção".

Acuña conta que o Cinépolis já tentou investir em longas-metragens de arte na programação, mas que tais obras tiveram retorno insignificante em termos de público. "Por meio de pesquisas e avaliações, percebemos que os espectadores do Largo 13, por exemplo, tem predileção por blockbusters dublados. Nem filme vencedor de Oscar costuma ter público lá", comenta. "Já no JK Iguatemi, as pessoas seguem fãs do mainstream também, porém legendados. Colocamos até algumas opções mais sofisticadas, mas dentro do universo das obras de Hollywood. Filmes franceses, russos e iranianos, não [risos]".

Na rua, no cinema
Para os fãs de produções francesas, russas, iranianas e tantas outras que fogem da estética dos blockbusters, a saída são os cinemas de rua que colocam em cartaz obras de grandes diretores internacionais e abrigam festivais independentes e outros eventos. Entres os locais queridos, além do Belas Artes, estão o Cinesesc, Espaço Itaú e Reserva Cultural.

Situado na rua Augusta, o Cinesesc tem bastante frequência de público por investir na exibição de longas que geralmente não entram no circuito comercial, além de realização de mostras temáticas dedicadas a alguns diretores. “Sempre quisemos trazer obras pouco oferecidas em outros cinemas”, comenta o gerente Gilson Packer. “Temos cinéfilos que sempre estão por aqui, mas dependendo da mostra ou projeto, vemos outras pessoas. Quando passamos o "Era uma vez em Tóquio" (1953), do Yasujiro Ozu, a comunidade japonesa veio em peso.”

Semelhante a ele, porém um pouco mais distante da avenida Paulista, está o Cine Olido, na galeria de mesmo nome localizada na avenida São João, no centro de São Paulo. Considerado o primeiro cinema de galeria da cidade, deixou o perfil comercial de seu passado e hoje atua como um centro cultural desde a reabertura pela prefeitura em 2004. Lá acontecem mostras, programas permanentes, lançamentos e pré-estreias que, quando não são gratuitas, têm preço popular. O espaço, por exemplo, realiza a mostra dedicada ao diretor haitiano Raoul Peck até o dia 19 de agosto com ingressos a R$ 1.

No que se refere aos serviços, os cinemas situados na região da Avenida Paulista também contam com opções variadas de restaurantes, lojas, estacionamentos – e quem geralmente opta por esse tipo de passeio, não troca a experiência pela do shopping. “Por aqui tenho todos os mesmos serviços sem me sentir pressionado pelo ambiente de consumo”, comenta Everton Andrade, 30, esperando para assistir a “O Grande Hotel Budapeste”, de Wes Anderson, no Espaço Itaú. “E não sinto medo de violência ou coisa do tipo. Ando tranquilamente, frequento o cinema à noite e à tarde.”

“Há 20 anos, havia mais essa sensação de insegurança e abandono na região, mas houve revitalização”, argumenta Adhemar Oliveira, fundador e diretor de programação do Espaço Itaú. “Em 1993, quando abrimos o cinema, às 18h a Rua Augusta já ficava assustadora, hoje não. O cinema valoriza os espaços que antes estavam em decadência. Atrai comércio, restaurantes, ajuda muito.” A programação sempre foi focada em filmes de arte e na valorização dos longas-metragens brasileiros.

Um pouco mais sofisticada, porém distante das estripulias vip dos cinemas de shopping se encontra o charmoso Reserva Cultural, que segue o mesmo direcionamento do Espaço Itaú em termos de programação de arte, agregando em sua proposta o conceito gastronômico com um bistrô e uma boulangerie com pães artesanais e café em seu espaço. Inaugurado em junho de 2005, no prédio da Fundação Cásper Líbero, é comum ver no local de jovens a idosos amantes de cinema. Os valores de ingressos vão de R$ 10 a R$ 28.

Patrocínio, sim
“Ninguém pergunta a um cinema de shopping quais apoios ele possui porque isso vem do próprio shopping, atrai consumidor. No caso do cinema de rua, não só não existe esse recurso, como você tem que fazer sua própria segurança e marketing”, diz Adhemar, sobre a importância de auxílio financeiro de empresas no que se refere ao funcionamento de cinemas de rua. “Nossos filmes nem sempre terão retorno de público compatível com a despesa. Isso sem contar que a locação dentro do shopping é praticamente garantida porque ninguém vai tirar o cinema de lá. Um imóvel na rua, no entanto, pode servir para outras atividades, então existe a competição.”

Em março de 2011 o Belas Artes encerrou suas atividades após a perda de patrocínio do banco HSBC e aumento do valor do aluguel do imóvel. O retorno à ativa neste ano se deu com o apoio de R$ 1,8 milhão da Caixa Econômica Federal. O hoje intitulado Caixa Belas Artes não foi o primeiro nem o último a depender de verba externa, já que é sabida a dificuldade de não só manter um cinema de rua em funcionamento como mantê-lo com programação que foge dos filmes comerciais.

Em nível de comparação, o próprio Playarte Marabá, que desde a reforma de 2009 funciona exibindo blockbusters, hoje se encontra em busca de parceiros para auxílio financeiro embora argumente ter bom público. “Conseguimos reverter uma operação que era deficitária em um novo complexo que caminha bem e que é rentável”, afirma Otelo Coltro, vice-presidente da PlayArte. “Mas estamos conversando com empresas para tentar um acordo de patrocínio de naming right também. O Marabá é um cinema com localização importante, na Ipiranga com a São João, e é um projeto comercialmente viável. Umas das possibilidades para nós seria até uma redução nos valores de ingresso, que estão entre R$ 10 e R$ 20.”

Hoje com cinco salas, o Marabá foi fundado em 1945 com uma única sala de 1600 lugares. Em 1995 a Playarte assumiu a gestão e durante vários anos operou com o cinema em seu formato original, tendo baixo rendimento. Em 2007 ele foi fechado para uma reforma contando com o envolvimento dos renomados arquitetos Ruy Ohtake e Samuel Kruchin. Como cinema é tombado tanto em sua fachada quanto em sua atividade, a Playarte precisou da aprovação da prefeitura para a restauração. Em 2009 ele foi reaberto.