Com cenas de tortura, filme sobre Amarildo terá estreia no Festival do Rio
O desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, visto pela última vez ao ser detido por policiais na comunidade da Rocinha, no Rio, virou tema do documentário “O Estopim”, que terá estreia no Festival do Rio, realizado entre os dias 24 de setembro e 8 de outubro. Dirigido por Rodrigo Mac Niven, o filme mistura encenação com atores e depoimentos reais e foca na discussão da conduta policial dentro das favelas.
“O caso Amarildo foi o estopim não apenas para a mobilização de outras comunidades, mas principalmente para expor as fragilidades de um projeto de segurança pública militarizado. Essa história precisava ser retratada”, explicou o diretor do filme, que escolheu o ator Brunno Rodrigues para o papel de Amarildo.
Sem receber cachê, os 40 profissionais envolvidos participaram da produção de forma colaborativa. Brunno foi convidado por meio do Facebook para o longa e topou logo de cara por considerar que seu “rosto estaria estampado em um projeto de amplitude sócio-cultural”.
Ao lado de Rodrigo, Brunno realizou processos de pesquisa aprofundados sobre o caso por cerca de dois meses e conheceu a vida de Amarildo com a ajuda do melhor amigo do ajudante de pedreiro, Carlos Eduardo Barbosa, o Duda. “Tive que emagrecer 10 kg. Não para ser idêntico a Amarildo, mas para não criar uma distância do que ele era. Por meio de sua vida na Rocinha e da ajuda da família, conheci como ele era enquanto ser humano”, disse o ator, que conta ainda que a mulher e os filhos de Amarildo aprovaram o documentário.
De acordo com a produtora do filme, Mariana Genescá, mesmo reunindo declarações do delegado que acompanhou o caso de Amarildo e de familiares do desaparecido, o longa-metragem não tem como objetivo fazer uma investigação sobre o sumiço do ajudante de pedreiro.
“O filme busca uma discussão mais ampla do que investigar. Hoje temos uma população negra, favelada, que tem medo e não fica imune dentro do lugar que mora, com o abuso de violência e de terror. No domingo, teve uma pessoa que tomou um tiro de um policial e ficou em coma. Portanto, a ocupação da polícia na favela não é uma solução”, defendeu Mariana, que ressalta que o longa é independente e não contou com financiamento ou patrocínio.
“Sofro com ameaças e vivo com medo”
Duda foi um dos principais responsáveis para que o filme e também as investigações sobre o caso fossem realizadas. Líder comunitário, o microempresário já havia denunciado ao Ministério Público do Rio os abuso policial na comunidade antes do desaparecimento de Amarildo.
Segundo ele, sua coragem de enfrentar o caso chamou a atenção do diretor para que o filme fosse realizado. “Nós nos conhecemos na delegacia da Gávea [bairro do Rio]. O Rodrigo já estava acompanhando o caso na mídia. A partir daí, abrimos um leque de pesquisa, trocamos informações e vimos que não é um problema individual da Rocinha. É em todo o Brasil e em comunidades carentes, pacificadas”, explicou ele.
Duda conta que ”tem a consciência de que abordar o caso Amarildo é complicado”. Segundo ele, é “m assunto que coloca a vida dele e dos envolvidos em risco. “Contamos fatos reais mexendo com gente grande do governo. Eu vinha sofrendo ameaças e hoje vivo com medo. Ando na rua olhando para tudo quanto é lado. Minha vida foi invadida”, disse ele, que acredita que “o filme pode criar coragem nas pessoas para denunciar os maus-tratos vindos da polícia”.
“O cidadão tem que acordar, saber que nós contribuímos e temos que exercer os nossos direitos para que não haja mais ‘Amarildos’”, disse o líder comunitário.
Cenas de tortura
Ao interpretar Amarildo, Brunno conta que uma das cenas mais marcantes que fez foi a de tortura. “Esse foi o momento onde, de fato, a vida dele foi levada”, lamentou o ator. No entanto, ele classifica como mais emocionante uma cena em que o ajudante pedreiro fica sozinho no mar para pescar. “Naquela solidão, sentindo a brisa do mar, eu comecei a parar para refletir que foram os momentos anteriores à morte de Amarildo. Fiquei comovido”, contou ele, que afirma que “a barbárie poderia ter acontecido com qualquer um de nós”.
Segundo a conclusão do inquérito da Polícia Civil, Amarildo morreu –em 12 de julho de 2013– depois de passar por uma sessão de tortura. O major Edson Santos, responsável pela Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha no dia do desaparecimento, e outros nove policiais militares foram indiciados pela morte do pedreiro.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.