Fã brasileiro gasta R$ 80 mil para fazer seu próprio filme do Batman
"Não existe ainda o filme definitivo do Batman." A afirmação é Elvis Delbagno, diretor de "Um Conto de Batman: Na Psicose do Ventríloquo", ao ser questionado sobre por que fazer seu próprio filme amador do Homem-Morcego. O longa, que é um "fan film" (filme amador produzido por fã) terá uma sessão gratuita no Cine Olido, em São Paulo, às 19h do dia 26 de setembro. O diretor planeja disponibilizar o trabalho integralmente na internet no ano que vem.
Delbagno, que começou há quatro anos a fazer o filme como uma brincadeira com colegas de faculdade, acabou gastando, por seus cálculos, cerca de R$ 80 mil na produção. O longa está agora passando por festivais internacionais, como o Scare-A-Con em Nova York, em que Delbagno foi indicado ao prêmio de melhor diretor. "O Batman é um dos personagens de quadrinho que mais tiveram desenhistas e roteiristas. Não existe um filme que aprofunde como nos quadrinhos os traumas dele, acho que nunca vai ter", contou ele ao UOL.
A inspiração para "Um Conto de Batman" veio depois de assistir a outro filme criado por fãs, "Dead End", curta feito por Sandy Collora em 2003, que reúne Batman, o xenomorfo de "Alien" e a criatura de "O Predador". "Foi quando eu percebi que dava para contar uma história mais profunda e focada no desenvolvimento do personagem. E foi isso que eu tentei passar no filme."
O roteiro escrito por Delbagno e Ricardo Syozi envolve Batman descobrindo, em um galpão de Gotham City, a máfia por trás da alteração de medicamentos para doentes mentais. O diretor também afirma que o longa traz elementos que aproximam a história do Homem-Morcego da realidade brasileira. "Os personagens são frustados em sua carreira e vida social e são desmotivamos pela realidade que os cercam. Falam de violência, conflitos urbanos, falta de moradia. Muito deles são desviados para o crime quando os conceitos lógicos de sociedade estão abalados."
Direitos sobre o personagem
A legislação brasileira prevê o direito a paráfrases e paródias, mas a utilização por fãs de um personagem registrado para filmes não-autorizados é um assunto legalmente arenoso. "Quando a gente começou foi bem no impulso, a gente não prestou muita atenção [no aspecto legal]", disse Delbagno. "Depois de um tempo, o projeto tinha se tornado um longa, e começamos a ficar um pouco com medo. Fui atrás de um advogado. Ele falou que a Warner americana libera 'fan films'." Questionada pela reportagem sobre a posição oficial sobre filmes feitos por fãs, a Warner Bros. Pictures do Brasil não se manifestou até a publicação desta reportagem.
O Cavaleiro das Trevas parece ser de fato o personagem favorito dos fãs com ambições cinematográficas. Uma breve busca na internet resulta em diversas listas de filmes Batman produzidos por fãs. Existe até mesmo um diretório online, o batmanfanfilms.com, que reúne nada menos do que 137 filmes não-autorizados do personagem, de paródias trash a curtas caprichados que tentam se aproximar das grandes produções de Hollywood.
No Brasil a cultura de fan films ainda engatinha com algumas iniciativas como "Um Conto de Batman" e sátiras como "A Casa do Jedi", de 2003, supostamente o primeiro "fan film" brasileiro, uma imitação do reality show "A Casa dos Artistas" com os personagens de "Star Wars". Mas iniciativas de fãs ainda existiam antes, como os vídeos "Batman Feira da Fruta", redublagem do seriado clássico do Homem Morcego feita nos anos 1980 por brasileiros, que depois estourou na internet.
"Fan films" ontem e hoje
Atribui-se o primeiro "fan film" a um grupo de cineastas itinerantes que fez "Anderson: Our Gang" em 1926, curta baseado nos personagens de "Os Batutinhas". O artista Andy Warhol, exímio subversor da cultura pop, fez o filme não-autorizado "Batman/Dracula", que provavelmente é o primeiro filme de fã do Homem Morcego. O longa foi projetado apenas em algumas exposições artistas e perdido, com exceção de alguns poucos trechos.
As recriações pelos fãs vão de pequenos clipes e paródias a ambiciosas recriações completas dos filmes. Talvez as mais ambiciosas sejam "Star Wars: A New Hope Uncut" e "Our Robocop Remake", em que trechos dos filmes originais foram divididos entre diversos grupos de fãs, cada um responsável por recriar uma cena. Produções que são o tipo de projeto que só poderia brotar com a internet.
No primeiro, o filme "Star Wars: Uma Nova Esperança" foi dividido em faixas de 15 segundos, que foram distribuídos entre grupos de fãs do mundo inteiro, usando de atuação amadora, animação e até reconstruções com Lego. Tudo foi unido depois em um insano longa-metragem de duas horas, que é ao mesmo tempo sátira e homenagem.
Já "Our Robocop Remake" nasceu como uma resposta à recente refilmagem do filme de 1987 por José Padilha. Com medo do tratamento de Hollywood, os cineastas amadores defenderam a ideia de que, se alguém fosse destruir o clássico de ação dirigido por Paul Verhoeven, seriam os próprios fãs. A recriação cena a cena toma algumas liberdades satíricas, como na sequência em que aparecem dezenas de estupradores num beco para que Robocop atire no meio das pernas de cada um.
Um caso extremo é "Flooding with Love for the Kid", projeto no qual o artista novaiorquino Zachary Oberzan recriou completamente o filme "Rambo: Programado para Matar" dentro de seu apartamento, interpretando todos os personagens e a custo de US$ 95. O filme ainda virou uma peça off-Broadway e recebeu a bênção do autor do livro que gerou o filme, David Morrell.
Apesar do limbo legal, alguns estúdios têm incentivado a produção de vídeos amadores sem fins lucrativos, considerando-os uma iniciativa que parte dos fãs e ajuda a divulgar a marca, em vez de quebra de direito autoral. A Paramount, que possui os direitos de “Jornada nas Estrelas”, chegou a fazer concursos de vídeos de fãs, assim como o "Star Wars Fan Movie Challenge", concurso mantido até 2012 com vídeos de fãs de "Guerra nas Estrelas). Na era da internet, em vez de temer o uso não-autorizado de propriedades intelectuais, às vezes mais vale incentivar essa dedicação de fãs, algo que orçamento de marketing nenhum pode comprar.
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