A partir de violência policial, filme de Brasília debate preconceito racial
Na semana em que um policial militar foi preso pelo assassinato de um ambulante em São Paulo e que Aranha, goleiro do Santos, foi vaiado por uma torcida que já o tinha discriminado, o novo filme de Adirley Queirós, "Branco Sai. Preto Fica", exibido no sábado (20) no Festival de Brasília, não poderia trazer uma discussão mais atual.
O ponto de partida do filme, que mistura documentário e ficção científica, é um episódio que ainda está na memória da maioria dos moradores de Ceilândia, periferia de Brasília. No dia 5 de março de 1986, a polícia invadiu o baile Black do Quarentão, em um centro cultural da comunidade local, e ordenou: "Quem é branco sai. Preto fica!".
O rapper Marquim do Tropa e o jovem Shockito estavam entre os que tiveram que ficar. O primeiro tomou um tiro e, até hoje, tem de se locomover em uma cadeira de rodas. O segundo foi pisoteado pela cavalaria da polícia e perdeu uma perna.
No filme, que se passa nos dias de hoje em um mundo ficcional criado por Adirley, os dois fazem os papéis deles mesmos, vivendo isolados em uma periferia sitiada, onde os negros são proibidos de ir para o centro de Brasília. Por isso têm de falsificar passaportes para ter acesso à capital do país, que é governada por brancos cristãos.
Ao UOL, o diretor comentou como seu filme, que parte de um caso ocorrido em 86, aborda essas questões que continuam atuais. "O filme busca justamente esse debate da questão racial. A questão do Aranha é muito representativa do que é esse preconceito racial no Brasil. Teria que existir uma frente para apoiar o Aranha, porque, quando o caso esfriar, ele vai ser rechaçado e vai ser estereotipado", diz Adirley.
O longa, bastante aplaudido pelo público do Cine Brasília, abre um leque de questões sobre a realidade das periferias no Brasil. Entre elas o próprio distanciamento de quem vive nos bairros pobres de Brasília em relação ao centro da capital. "A ideia do passaporte é meio o que já acontece, porque não existe uma ligação entre Brasília e a periferia. A gente não usufrui da cidade, a gente passa aqui de passeio", disse o diretor, que também cresceu na Ceilândia.
Marquim, que improvisa raps para contar a tragédia, diz que foi difícil falar da própria história. "Todo o mundo gosta de falar dos outros, mas ninguém gosta de se expor." Por fim, ele disse que conseguiu entrar nesse personagem, que tem muito de realidade, mas, na história ficcional do filme, possui um plano violento.
À medida em que o longa se desenvolve, fica mais evidente a importância da ficção, que também serve para exorcizar as dores e angústias do passado. O final reserva uma surpresa para os espectadores, digno de um diretor que cresceu vendo filmes violentos e de ação. "Também queria que fosse um filme de ação, com tiro, com bomba e que eu pudesse falar muito mal do outros." Queirós pensou em finalizar o filme de uma maneira musical, com o forró "Dança do Jumento" --que é hit em Ceilândia--, mas optou por uma conclusão mais arrasadora.
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