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Para Clery Cunha, Cavalcanti "estava na vanguarda e caiu no gosto popular"

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

01/10/2014 16h51

Outro expoente do cinema feito na Boca do Lixo, como ficou conhecido o polo cinematográfico de São Paulo localizado no bairro da Luz, centro da capital, o diretor Clery Cunha falou ao UOL sobre a importância de seu amigo, o cineasta Francisco Cavalcanti, morto na madrugada desta quarta-feira (1º de outubro), aos 72 anos, devido a complicações de um câncer no intestino.

“Eu conheci o Chico quando eu era funcionário da TV Excelsior, no jornalismo. Ele estava tentando o meio televisivo, mas foi no cinema, principalmente na rua do Triunfo, que ele se encontrou”, conta Cunha, concluindo que “Chico Cavalcanti foi uma das figuras mais importantes na época da explosão de produções da indústria paulista do cinema”.

Responsável por clássicos da Boca do Lixo como “Os Desclassificados” (1972), “Joelma: 23º Andar” (1980) e “O Rei da Boca” (1982), Clery Cunha destaca que Cavalcanti foi pioneiro na Boca do Lixo ao se aventurar no gênero policial.  “Se enumerarmos, o Chico foi o primeiro. Mas também tinha o David Cardoso, eu, os produtores que fizeram um grande salto no gênero policial. Claro que, na época, já estava acentuada a problemática da pornochanchada, com aquela conotação erótica, uma imposição das distribuidoras, mas isso não impediu o esforço dele no cinema”, conta o cineasta, lembrando que o erotismo era uma exigência das empresas para que os filmes nacionais chegassem  às salas, entre as décadas de 70 e 80. 

"Buscava o máximo dentro do mínimo"

Cunha ainda destaca que o colega produziu uma grande quantidade de filmes, apesar de contar com baixo orçamento. “Ele produziu quase 40 filmes. Eram fitas populares. Tinham como objetivo buscar o máximo dentro do mínimo”, diz o cineasta, para quem Cavalcanti pode ser considerado um herói do cinema nacional.

“O cinema sempre foi uma indústria, não há maneira de não se ter custo, mas, na época, havia uma participação maior do bolo. Havia as distribuidoras que antecipavam dinheiro, até o momento em que o [presidente Fernando] Collor acabou com a obrigatoriedade [que as empresas tinham de distribuir filmes nacionais]. Antes disso, o público prestigiava mesmo. Entre nós, todo o mundo cooperava. Foi um ‘boom’ incrível: 148 filmes. Hoje, a retomada não chega a isso.”

De acordo com Cunha, Francisco Cavalcanti, que também trabalhava como ator na maioria de suas produções, merece ainda ser lembrado pelo caráter popular de seus filmes, que quase sempre conseguiam boa bilheteria  –de acordo com a Agência Nacional de Cinema (Ancine), “Ivone, a Rainha do Pecado” (1984), levou às salas mais de 1,6 milhão de espectadores.

“O Chico estava na vanguarda. Ele caiu no gosto popular, das classes B, C e D, e tinha essa vantagem nos personagens que encarnava. Antes de ir para o cinema, ele trabalhava como palhaço”, lembra Cunha, que dirigiu junto com o amigo “Horas Fatais” (1987), uma espécie de adaptação brasileira de “Desejo de Matar”, clássico americano do gênero policial estrelado por Charles Bronson e lançado em 1974.

clery cunha - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Clery Cunha (à esq.) posa com Francisco Cavalcanti
Imagem: Reprodução/Facebook

“Em ‘Horais Fatais’, ele tentou de todas as formas brincar com os personagens. Ele encarnava um tipo Charles Bronson, com bigode, quebrava a tensão. Nos Estados Unidos, Charles Bronson estava famoso. Foi na mesma época que o cinema já estava sendo invadido pelo sexo explícito, uma coisa louca, e foi o filme que concorreu ao FestRio em 1970. Foi muito aplaudido, era um dos últimos filmes sérios realizado em São Paulo, em 79”, conta Cunha, citando o antigo festival de cinema realizado no Rio de Janeiro.

“Ele marcou a indústria do cinema em São Paulo, vai deixar uma lacuna muito grande. Foi meu amigo particular. E hoje é um dia muito chato”, finaliza o cineasta.