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Viúva de Cássia Eller pediu que filme abordasse drogas e casos, diz diretor

Natalia Engler

Do UOL, no Rio

07/10/2014 11h33

Uma Cássia Eller tímida e insegura, mas muito amada por amigos e pessoas próximas. É essa a imagem da cantora mostrada no documentário "Cássia", de Paulo Henrique Fontenelle, que teve a sua primeira exibição na noite desta segunda (6), no Festival do Rio.

Com um material de arquivo muito rico, que recupera desde as primeiras apresentações da cantora, quando ainda morava em Brasília, até filmes caseiros mostrando a vida familiar, o documentário é marcado pela emoção, presente na fala de cada um dos que conviveram com ela --em especial sua ex-companheira, Maria Eugênia, e os músicos Zélia Duncan e Nando Reis.

O filme de Fontenelle também não se furta a abordar questões mais delicadas, como as drogas, as relações extraconjugais, o sensacionalismo em torno de uma suposta overdose que teria causado a morte de Cássia (o que foi desmentido depois por laudos), e a disputa pela guarda de Chicão, filho da cantora, que ela sempre expressou que queria que fosse criado por Eugênia.

"Ela [Eugênia] sentiu confiança na gente e falou que a única coisa que queria era que o filme fosse honesto e mostrasse todos os lados da Cássia mesmo, a face das drogas, dos casos, de tudo", contou o diretor ao UOL, logo após a exibição, que teve a presença de Maria Eugênia, Chicão, da mãe e da irmã e de Cássia, de Zélia Duncan e de outros músicos que trabalharam com a cantora. Leia a entrevista a seguir.

UOL - De onde veio a vontade de retratar a Cássia Eller?
Paulo Henrique Fontenelle - A Cássia era uma pessoa que fez parte da vida de tanta gente, da minha também. Eu passei a minha adolescência ouvindo Cássia Eller. E até hoje toca música da Cássia na rádio todo dia. As pessoas cantam até hoje. Foi uma pessoa que mudou a vida de tanta gente, mas nunca conheceram quem foi realmente a Cássia Eller. Conhecia no palco, conhecia as músicas, mas não conhecia a alma dela. E eu fiquei impressionado de ver que nunca foi feito nada em relação a ela, teve só um livro, mas não teve nenhum filme, nenhum documentário, nenhum programa de televisão, não teve nada. E eu senti a vontade de contar quem foi essa pessoa que influenciou tanta gente, mas que pouca gente conhece.

O documentário tem material de arquivo muito rico. Como você teve acesso a isso?
Foi um trabalho de pesquisa bem intenso, demorou cerca de quatro anos. A gente recolheu de todos os amigos dela, muita gente que tinha gravado na época, amigos que filmaram shows, amigos que fizeram fotos. Então, a gente foi percorrendo todas as televisões, todos os amigos que pudessem trazer esse painel mais completo dela.

Aparentemente, a Maria Eugênia e toda a família da Cássia foram muito receptivos. Como foi a aproximação e a relação com eles?
Quando eu tive a ideia, a primeira coisa que eu fiz foi mandar um e-mail para a Eugênia, para conversar com ela. Demorou um pouco para ela responder, mas, de repente, respondeu. Chegou um e-mail que dizia: "A princípio, não tenho vontade porque muita gente já nos procurou, mas a gente queria que fosse uma coisa feita com respeito. Mas, como o Chicão viu 'Loki' [filme anterior de Paulo, sobre a vida do ex-mutante Arnaldo Baptista] e adorou, então a gente queria conversar com você". E no nosso primeiro encontro nos entendemos muito bem, ela sentiu confiança na gente e falou que a única coisa que queria era que o filme fosse honesto e mostrasse todos os lados da Cássia mesmo, a face das drogas, dos casos, de tudo. Para que as pessoas tivessem noção de quem foi a Cássia Eller de verdade. Ela deu total liberdade para a gente poder fazer o que quisesse.

É um filme que tem muita emoção, nas entrevistas de arquivo dela e principalmente dos amigos e pessoas próximas. Foi difícil manter um distanciamento? Você e a equipe se emocionaram junto?
Foi um trabalho intenso, de muita emoção. Primeiro, mexendo em material de arquivo dela, o que foi uma coisa muito emocionante. Eu peguei várias imagens dela mesmo filmando e falando, conversando, rindo. E eu praticamente conversava com ela toda noite ouvindo aquele material. Depois, entrevistar todas as pessoas que conviveram com ela foi sempre emocionante. A gente foi cada dia se envolvendo mais com a história, e, no final, a cada entrevista que acabava, a equipe inteira chorava.

Nesse processo todo, qual foi a maior surpresa que você teve?
Primeiro, a simplicidade dela, a ingenuidade e o fato de ela viver apenas para a arte. Uma pessoa que estava pouco se lixando para o sucesso. Ela preferia até tocar para dez pessoas do que para 100 mil. Então, era uma pessoa que tinha a música e a arte dela em primeiro lugar. Que é um artista de verdade. Não poderia fazer outra coisa a não ser cantar. E esse carinho que todo o mundo tem por ela. A gente não conseguiu entrevistar ninguém que pudesse falar mal dela. Até as pisadas de bola dela, as pessoas veem como um causo, uma coisa divertida. Até o empresário, que era enganado por ela o tempo todo, de quem ela fugia. Era sempre emocionante descobrir cada faceta dela. Foi uma jornada muito emocionante, que mudou a minha vida e a de todo o mundo que trabalhou nesse filme.

Depois de passar esses quatro anos mergulhado no universo de Cássia Eller, o que você acha que fez dela uma figura tão marcante?
Eu acho que principalmente a liberdade que ela tinha e a sinceridade. Acho que ela não fazia nada que fosse marketing. Tudo que ela queria fazer era sincero, tanto nas relações quanto na música, na amizade. Eu acho que a sinceridade é algo que inspira, que todo o mundo deveria seguir.