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"Estilo Goonies" chega ao cinema brasileiro com "O Segredo dos Diamantes"

Pablo Miyazawa

D UOL, em São Paulo

28/10/2014 13h11

O filme “O Segredo dos Diamantes” (veja o trailer acima) é, provavelmente, o mais perto que o cinema brasileiro já chegou de uma aventura infanto-juvenil ao estilo “Os Goonies” (1985). O movimento foi intencional, já que, de acordo com o diretor Helvécio Ratton, esse gênero tem pouquíssima tradição na produção nacional.

“Cresci vendo filmes de aventura, ação, western, terror e suspense. E, quando me tornei diretor, pensava: 'Eu gostaria de fazer os filmes que eu cresci vendo'”, contou o diretor ao UOL. “Percebi que no Brasil parecia proibido fazer terror, suspense, aventura. Ou você fazia comédia, ou filme autoral. Não havia uma gama de filmes em aberto, o que é uma loucura. Os argentinos lidam mais livremente com esses vários gêneros, e a gente aqui tem uma dificuldade enorme.”

Chamar o filme de “Goonies brasileiro”, porém, é desmerecer as ousadias de “O Segredo dos Diamantes”. Com estreia prevista para 18 de dezembro, o longa-metragem do mineiro Ratton (de “Menino Maluquinho” e “Amor e Cia.”) se desenvolve tranquilamente em um ritmo bem brasileiro, apesar da óbvia inspiração hollywoodiana e da temática aventureira. As cenas de ação existem, mas não são vertiginosas, e dá-se mais peso aos diálogos e às interações entre os atores mirins do que a recursos de montagem e efeitos especiais.

O que não significa que “O Segredo dos Diamantes” deixe de fazer sua parte no quesito técnico. Uma das ferramentas de divulgação do filme é um game para download inspirado na temática do enredo (leia mais abaixo). E também é notável a utilização complexa e eficiente de recursos digitais, algo raramente visto em produções nacionais para o público jovem. “Adoro brincar com isso”, Ratton comenta, sobre os truques visuais discretamente inseridos em várias cenas.

Esse é um dos motivos, segundo ele, pelos quais o cinema nacional experimenta uma tradição limitada em filmes de ação. “Antes você não tinha uma tecnologia à disposição, e hoje você tem. Os meios estão ai”, diz o diretor, minutos após a primeira exibição pública de “O Segredo...” para um grupo de 80 estudantes de 12 a 14 anos, em uma sessão da 38ª Mostra de Cinema de São Paulo.

“É bacana quando seus efeitos se integram de forma orgânica na narrativa, porque isso amplia seus recursos”, afirma. “E para se lidar com aventura, você tem que ter essa possibilidade. Não se pode ficar tão ligado à realidade.”

Problemas de gente grande

Porém, o que não falta a “O Segredo dos Diamantes” é uma brutal dose de realidade, pelo menos nos primeiros 15 minutos da trama. Em uma visita à cidade da avó no interior de Minas Gerais, o adolescente Angelo (Matheus Abreu) se envolve em uma busca por diamantes escondidos desde o século 18. Revelar mais detalhes diminuiria o impacto da trama, mas basta dizer que o garoto tem uma motivação de vida ou morte familiar para procurar um tesouro que nem sabe se existe mesmo.

Angelo tem o apoio de Júlia (Rachel Pimentel) e Carlinhos (Alberto Gouvea), que abraçam a causa do amigo da cidade grande e o ajudam a decifrar enigmas e a despistar os adultos interessados no mesmo objetivo. Há perseguições, tiroteios, explorações de cavernas, lutas à beira de precipícios e tudo a que uma narrativa "teen" tem direito. Mas surpreende a dose de drama de cunho realista enfrentada pelo protagonista ao longo da história, ainda mais em um filme cuja classificação indicativa é dez anos.

Para Ratton, o atual público jovem é mais “cascudo” e já acostumado a abordar  problemas verdadeiros em obras de ficção. “Os filmes de criança têm hoje um realismo impressionante. Eles lidam muito mais com violência do que os da minha geração. As cenas e imagens a que as crianças estão expostas diariamente, seja pela TV ou pela internet, tudo isso avançou muito isso”, diz o cineasta de 65 anos.

“Faz parte dos clássicos do gênero: na jornada do herói, sempre há um motivo forte para se enfrentar um desafio e um processo de crescimento na superação”, ele continua, explicando a opção por uma problemática mais densa. “Pegue 'Goonies', por exemplo. Eles têm o risco de perder a casa. Isso é recorrente nas historias.”

Ratton atribui o apelo universal de “O Segredo dos Diamantes” a fontes variadas, como livros de Mark Twain (“Huckleberry Finn”, “Tom Sawyer”) e Monteiro Lobato, e a filmes como o já citado “Os Goonies”, “O Enigma da Pirâmide” e “Indiana Jones”. Mas a principal referência de inspiração que ele destaca são os quadrinhos de Tio Patinhas criados pelo artista norte-americano Carl Barks. “Eu fui um viciado, ficava alucinado esperando as revistas. Hoje tenho todas as histórias.”

O game que promove o filme
A ideia de criar um jogo de videogame para divulgar “O Segredo dos Diamantes” surgiu durante o processo de pós-produção. “O pessoal dos efeitos visuais sugeriu: 'Por que a gente não faz um game? O filme tem essa cara'. Daí eles desenvolveram uma proposta usando a arte e os cenários originais”, conta Ratton. “Eu topei e falei: 'Acho que estamos lidando com garotos multiplataforma. Se quero me comunicar com eles, eu tenho que estar falando em plataformas onde eles circulam'.” 

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Imagens do game que divulga o filme "O Segredo dos Diamantes"
Imagem: Divulgação

Mais do que uma ferramenta de promoção, o game de ação em duas dimensões tem apelo viciante e repete o nome e a premissa de “O Segredo dos Diamantes”, colocando o trio Angelo, Júlia e Carlinhos em uma jornada de coleta de diamantes e superação de obstáculos. O aplicativo para tablets e smartphones já está disponível para download gratuito em dispositivos Android, e uma versão para aparelhos Apple também está prevista. Conectando-se ao Facebook, os jogadores podem compartilhar pontuações e concorrer a prêmios todas as sextas-feiras, a partir de 7 de novembro até 23 de janeiro de 2015. O dono do maior placar de cada semana ganhará um prêmio sintonizado com o espírito do filme: um diamante autêntico. 

Saindo do gueto
Além de extrair atuações convincentes da trinca de atores estreantes, Ratton habilmente inseriu um personagem extra invisível, mas crucial ao espírito do filme: Minas Gerais. “O Segredo dos Diamantes” foi produzido na bucólica cidade de Serro, a 230 quilômetros de Belo Horizonte, é estrelado por um elenco mirim nascido no Estado e tem uma música-tema (“Poeiras da Ilusão”) interpretada pelo quarteto mineiro Skank.

“O filme se passa em Minas, mas não é forçar a barra: você consegue abstrair isso”, diz Ratton, nascido na também mineira Divinópolis. “Até cortei coisas que achei excessivas, umas 'mineirices'. A televisão tem uma forma de caricaturar os tipos, e acho que se pesa a mão com o mineiro. E o filme desmente esses estereótipos e lança novos jeitos de olhar, de uma forma natural.”

Sobre a ousadia de produzir um filme de aventura para agradar o público infantil, o diretor comenta: “Espero estar abrindo portas, mas espero que elas estejam mesmo sendo abertas. Não temos a tradição e o costume de ver esses filmes. Isso é algo que você cria fazendo. Cabe aos cineastas romper as amarras e produzir filmes de todos os gêneros. A gente não tem por que ficar confinado em um gueto chamado 'cinema brasileiro'. Não faz sentido.”