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De volta aos holofotes, cantor Fábio diz que chorou vendo "Tim Maia"

O cantor Fábio, figura central na história de "Tim Maia" - Reprodução/Facebook
O cantor Fábio, figura central na história de "Tim Maia" Imagem: Reprodução/Facebook

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

05/11/2014 06h00

Desconhecido do grande público, o cantor paraguaio Fábio, 68 anos, foi carregado pelo que ele mesmo descreve como “um grande tsunami”. Graças ao longa “Tim Maia”, que o coloca como narrador e figura central na história do “Síndico”, o autor da distante “Stella”, de 1969, saiu do ostracismo de seu sítio, no interior da Bahia, para uma inesperada rotina de festas, entrevistas e até convites para voltar a cantar.

Autor do livro “Até Parece que Foi Sonho - Meus Trinta Anos de Amizade e Trabalho com Tim Maia”, Fábio foi um dos grandes amigos da vida de Tim, a quem descreve como “irmão”. Conheceram-se em 1966, na boate Cave, em São Paulo, quando ambos, na casa dos 20, viam o sucesso como um lindo sonho delirante. O de Fábio veio antes, ainda no final da década.

Nessa época, chegou a acolher Tim, de mala e cuia (“ele não tinha mala, só umas sacolas e um gravador nas costas"), em seu apartamento no bairro do Botafogo, no Rio de Janeiro. Foi lá, com o violão emprestado em punho, que Tim compôs e mostrou ao amigo a música “Azul da Cor do Mar”. Depois disso, viraram parceiros inseparáveis, de farras e composições.

Em conversa com o UOL, Fábio diz que chegou a ir às lágrimas vendo o filme do diretor Mauro Lima. Não faz crítica alguma à atuação de Cauã Reymond, que o interpreta, ou sobre as escolhas dramatúrgicas que ignoraram figuras importantes, como os parceiros Hyldon e Cassiano.

Com sotaque carioca carregado, fruto de décadas morando no Rio, Fábio quer apenas o devido crédito. Isso porque várias das histórias mostradas no filme já haviam sido esmiuçadas em seu livro, que serviu de fonte para a biografia “Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia”, de Nelson Motta, no qual diretor se baseou para fazer o longa.

"Todos ficam enchendo a bola do Nelsinho [Motta]. Aquela história de Londres, aquela história da cocaína, em que ele chama a polícia porque estava doidão e sozinho. A história de 'Azul da Cor do Mar'. Quando minha namorada abre a porta para recebê-lo: 'Cadê o Fábio?'. Isso tudo está no meu livro. Só quero justiça”, diz Fábio, que autorizou o roteiro previamente, a pedido da produção.

Os inseparáveis Fábio Stella e Tim Maia, no programa de Carlos Imperial, na TV Tupi - Reprodução - Reprodução
Os inseparáveis Fábio Stella e Tim Maia, no programa de Carlos Imperial
Imagem: Reprodução

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

UOL – O que achou do filme?

Fábio – Cara, quando vi o filme, na festa de pré-estreia em São Paulo, a primeira impressão foi de achar tudo muito rápido, muito forte. Aquela coisa. Vi muita droga. Falei: “Caramba, que é isso!”. Fiquei quieto e depois fui assistir de novo, no Downtown, no Rio. Sentei no chão. Não tinha mais lugar para sentar. E, sinceramente, em determinados momentos eu fiquei lá chorando no meio daquela pá de gente.

Muitos reclamam da falta de personagens importantes e de o diretor ter condensado vários amigos na sua figura.

Vi o pessoal reclamando de muita coisa. Que podiam ter contado mais histórias. Que eu poderia ter cantado uma música minha. Que esqueceram de A, B, C, D, do Cassiano e do Hyldon. Tudo bem, esqueceram! Mas eu gostei do que vi, gostei da direção, o cara [o diretor Mauro Lima] é um talento, tem uma linguagem bem americana. Gostei dos atores.

Cara, fiquei emocionado. Se eu for falar algo contra, serei um mau caráter. Talvez, se ele tivesse me consultado antes, eu poderia ter dado altas dicas para ele. Mas eu morava lá na fazenda, no sudoeste da Bahia, sem luz elétrica, ninguém sabia que eu existia.

Como a produção entrou em contato com você?

Estava na fazenda, há uns dois anos, e eles mandaram o roteiro, para eu autorizar. Não sei como me encontraram lá. Na verdade, o filme é baseado na minha história, no meu livro. Depois que lancei, o Nelson Motta pediu para dar uma olhada e pegar algumas histórias. E acabou pegando várias, por sinal. Mas tudo bem.

A única coisa que me chamou atenção foi isso. Todos ficam enchendo a bola do Nelsinho. Aquela história de Londres, aquela história da cocaína, em que ele chama a polícia porque estava doidão e sozinho. A história de “Azul da Cor do Mar”. Quando minha namorada abre a porta para recebê-lo: “Cadê o Fábio?”. Isso tudo está no meu livro. Só quero justiça. Esse filme foi inspirado no livro do Fábio e o do Nelson Motta.

Mas você não pensou em ganhar dinheiro cedendo os direitos do livro?

Cara, quem leu o roteiro, na primeira vez, foi um amigo meu, Beto, empresário de uma confeitaria lá na Bahia. Eu não tinha grana nem para imprimir as páginas. Eram 2.000, cada uma por 20 centavos. Aí ele imprimiu para mim. Pedi para ele ler antes de me entregar e me falar.

Ele disse: “Fábio, autoriza, não cria nenhum problema. Você é o cara, mermão. Você tá narrando o filme. Estão enchendo a sua bola. É uma forma de voltar a ser lembrado. Você não pode ficar aqui nesse fim do mundo. Existe uma história na sua mão, e ficar aqui esquecido não é justo”. Daí eu autorizei, sem receber nenhum tostão.

E a atuação do Cauã Reymond?

Gostei. Achei legal. Ele tem a humildade dos grandes. Há um tempo vim para o Rio fazer um documentário sobre o Carlos Imperial e acabei encontrando o pessoal da produção no mesmo prédio. Aí me falaram que o Cauã queria me conhecer. Fui no set de filmagem, e ele estava lá se maquiando. Quando me viu, falou: “Fábio! Pô!”.

Acho que ele achava que ia encontrar um velhinho, sei lá. Ele levantou da cadeira e me abraçou. Aí ele veio e me fez a seguinte pergunta: “Fábio, você amava a Suzy [personagem inspirada na namorada real de Fábio]?”. E a menina do filme estava ali do lado dele. Falei: “Amava”. “Mas, vem cá, você pegava as outras também, né?”. “Quer verdade ou quer mentira? Pegava!” (risos).

Há alguma história que você gostaria de ter visto no filme?

Tem uma, que estava lembrando hoje. Depois de uma festa em que cantamos juntos, fomos comemorar lá no Chico´s Bar, na Lagoa. Fui com minha namorada na época e ela tinha uma amiga chamada Laís, uma menina da “high society” do Rio, que foi junto. E ele se encantou com a Laís. Ela ficou excitada, começou a dar uma bolinha para ele. E, nisso, o Tim bebendo uma garrafa de uísque, cada vez mais “alto”.

Lá pelas tantas, fui embora com minha namorada, e o Tim resolveu ficar lá com a Laís. Daí, às 6h da manhã, me liga o dono do Chico´s Bar, o espanhol: “Vem aqui buscar seu amigo, pô!”. “Mas o que aconteceu?”, perguntei. “Ele está aqui dormindo com a namorada debaixo da mesa! Pelo amor de Deus, não estamos conseguindo fechar” (risos).


No seu livro, você diz que nunca teve uma briga com Tim. É verdade?

Nunca brigamos de verdade. Ele era meu irmão, ao mesmo tempo o meu céu e o meu inferno. Falava coisas boas pra mim, mas também era meu psicólogo. Falava: “Não anda com aquela mulher, ela vai te dar um corno”, “para de jogar bola, vem ensaiar comigo”, “ah, aquela música que você gravou tá por fora, aquela virada não é assim”. Ele falava coisas duras para mim. O que me deixava meio triste. Mas ele tinha toda a razão. Falava que eu estava jogando mais bola do que cantando. Falava que outros cantores já tinham comprado avião, e eu ficava só no “catinguelê”, que só estava comprando um Fiat 147.

A cena em que você discute com o Tim e decide abandoná-lo aconteceu daquela forma?

Aconteceu. Mas a diferença é que eu não tocava com ele, apenas cantei com ele durante um tempo. O Tim sempre foi muito profissional. Se eu não ensaiasse, nem subia no palco. E rolou um barraco ali. Ele estava nervoso, me deu um esporro e eu não gostei. Foi a única vez que me lembro dele sendo mais duro comigo.

E teve uma outra hora também, quando a gente estava voltando de Porto Alegre. A gente foi fazer um show em Pelotas, e eu fui almoçar fora com a equipe. Ele não gostou. Na volta, ele ficou “bebum” no avião. Sentou lá atrás. Eu sentei na frente, com uma mulher. E ele levantava de vez em quando e falava para o avião inteiro. “O Fábio é paraguaio! Traficante de maconha do Paraguai!”.

Em 55 anos, poucas pessoas conseguiram permanecer tanto tempo presentes na vida do Tim Maia. Você foi uma delas. A que atribui isso?

A diferença nossa é que ele sabia da minha família, minha origem. Meu pai foi uma latifundiário no Paraguai, uma pessoa bacana. Ele conhecia minha mãe, dona Blanca. Era uma daquelas famílias paraguaias de certo nível. E o Tim veio da Tijuca, era entregador de marmita. Foi para os EUA, sofreu, levou porrada. Acho que era por isso tudo que a gente se entendia. Ele dizia: “Fábio é filho de dona Blanca”. Ele falava com minha mãe. Quando eu ligava para ela, pegava o telefone da minha mão: “Oi, dona Blanca! É o Tim!” Ele entendia que eu não era um qualquer.

E houve outras coisas. Eu não participava das surubas dele, nunca peguei mulher dele, nunca peguei droga sem falar. Ele odiava quando roubavam as coisas dele. E também nunca peguei dinheiro emprestado. Já aceitei, sim, quando fiquei mal de grana. E ele me ajudou muito naquele momento. Até para pagar táxi.

Como será sua vida, agora, depois de “virar” estrela de cinema?

Cara, acho que desde a semana passada, quando o filme estreou, minha vida virou um verdadeiro “tsunami”. Estou curtindo. Meu irmão, que mora em São Paulo, me disse: “Você vai ter que tentar capitalizar esse momento que apareceu, aos 44 do segundo tempo”.

Bem, estou preparado. Estou “ensaiado” há 40 anos (risos). Agora mesmo apareceu um convite para fazer show no “Cariocando” [bar no bairro do Catete, no Rio]. Fui assistir ao show da minha amiga Lilian, no sábado. E, pô, foi maravilhoso. A gente se encanta. As pessoas chegam e falam assim: “Ah, é ele que é o Fábio!”. Tem uma geração inteira que não me conhece, gente que nem sabe que eu estou vivo.

Há pouco tempo subi no palco com o Babu Santana, ator que vive o Tim adulto no filme, em uma festa no Vidigal. Estava lá com o Renato Piau, que foi guitarrista do Tim Maia. Cantei umas três: “Sossego”, “Do Leme ao Pontal” e aquela que ele fez na minha casa, “Azul da Cor do Mar”. Saí de lá às 5h da manhã. Achei que tinha tomado ácido (risos).