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Mais humanizada, elite brasileira ganha espaço e sofre no cinema

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

10/11/2014 06h00

Quando se fala em cinema brasileiro, muitos logo se lembram dos longas ambientados em favelas. E é fato que as grandes produtoras ainda se concentram nesses tipo de filme, mas produções nacionais em cartaz atualmente mostram que a elite também pode ser retratada com contradições e de maneira mais humanizada.

Em "Apneia", de Mauricio Eça, que chegou aos cinemas na última quinta (6), Marisol Ribeiro, Thaila Ayala e Marjorie Estiano vivem três amigas ricas e bonitas. As tardes de compras e as baladas das personagens, no entanto, são menos divertidas do que parecem. As moças são solitárias, sem rumo e sem limites.  "Existe a crítica a essa geração e até a essa classe social, mas é um filme que também fala muito da solidão. No fundo, elas só querem ser amadas", defende Eça.

Partindo da observação de amigas para criar o roteiro, Eça ainda tem uma teoria sobre o motivo de a classe alta não ser muito retratada nas telonas --pelo menos não com tantas contradições. "Ainda há a ideia de que as pessoas que fazem parte da elite não têm muito o que dizer."

Cartaz de "Jardim Europa", de Mauro Baptista Vedia - Divulgação - Divulgação
Cartaz de "Jardim Europa", de Mauro Baptista Vedia
Imagem: Divulgação

Mecanismos de poder

À frente de "Jardim Europa", filme que retrata uma família que reside bairro nobre paulistano e que se recusa a perder as mordomias apesar de estar falida, o diretor Mauro Baptista Vedia diz que há hoje um interesse maior em desvendar os mecanismos de poder do que em apenas dar voz aos mais pobres. "O que me interessa mais é analisar essa sociedade que ainda funciona de maneira escravagista. Também me choca a quantidade de gente que é necessária para coisas simples como abrir a porta, servir um prato, dirigir um carro", disse.

Uruguaio, Vedia se naturalizou brasileiro nos anos 1980 e desde então observa pessoas de classe média e alta que muitas vezes vêm de família de operários ou imigrantes, mas que logo entram nessa lógica do "dolce far niente", segundo a qual o trabalho braçal deve ser evitado a todo custo. "Acho que o filme vem justamente em um momento em que se questiona isso. Se eu tivesse feito esse longa há 15 anos, iam achar que eu estava louco."

Vedia ainda ressalta que outra preocupação foi não transformar o rico em vilão, como acontece em novelas, por exemplo. "É mais fácil caricaturar a burguesia do que mostrá-la mais internamente, mas é ruim o rico se ver representado como vilão porque ele não vai se identificar e vai achar aquilo ridículo."

Cena de "Casa Grande", de Fellipe Barbosa - Divulgação - Divulgação
Cena de "Casa Grande", de Fellipe Barbosa
Imagem: Divulgação
Humanizando os personagens

O diretor Fellipe Barbosa é outro que fugiu da vilania ao retratar personagens ricos em "Casa Grande". Mais do que isso, ele diz que contou a história com muito amor, até porque teve de olhar para o próprio umbigo.

No filme, o adolescente Jean (Thales Cavalcanti) se vê no centro de uma crise financeira de uma família carioca, enquanto seu pai, Hugo (Marcello Novaes), faz de tudo para esconder a situação.

Barbosa contou que viveu uma situação parecida quando fazia pós-graduação em Nova York. Um dia seu cartão de crédito foi recusado, momento em que descobriu a crise pela qual a família passava. "Meu pai tentou esconder da gente, e eu não estava presente quando isso aconteceu. Eu queria estar com eles nesse momento. Então esse filme foi também uma maneira de corrigir essa ausência."

Para contar essa história, no entanto, o diretor também usou muito humor . No filme, ele escancara, por exemplo, como pode ser ridículo ver a família cair em um trote de sequestro. "Se eu fosse para o drama, o filme ia ficar meio ridículo, porque não é tão triste assim uma família muito rica perder dinheiro. Tem algo de engraçado nisso."

Classe artística no espelho

Barbosa ainda acredita que há uma tendência para que os cineastas, que em sua maioria fazem parte da elite, se colocarem nas obras. "Meu filme dialoga, por exemplo, com 'O Som ao Redor'. [O diretor] Kleber Mendonça Filho também partiu de um microcosmo particular, a rua dele, para falar da sociedade. O meu foi uma casa."

Para Vedia, apesar da tendência, a classe artística ainda tem dificuldade de se enxergar nessa elite. "Enxergar é a possibilidade de perder os privilégios. A elite não quer revelar esses mecanismos porque ela também faz parte deles." 

Elite brasileira retratada no cinema
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