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Brasileiro "Que Horas Ela Volta?" ganha prêmio de público em Berlim

Estefani Medeiros

Do UOL, em Berlim (Alemanha)

14/02/2015 10h25Atualizada em 14/02/2015 13h24

Sem filmes concorrendo na competição oficial, o cinema brasileiro participou da 65ª edição do Festival de Berlim nas Mostras Panorama, Generation e Forum, mas isso não quer dizer que a seleção tenha sido desprestigiada. O público do festival esgotou sessões de “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert, para quem deu o prêmio de melhor filme do festival.

“Ausência”, de Chico Teixeira, foi igualmente elogiado, com o público participando ativamente dos debates com o diretor no final da exibição. Ambas as histórias mostram de alguma forma as questões sociais pelas quais o país está passando.

Estrelado por Regina Casé, "Que Horas Ela Volta" conta a história de Val, que deixa uma filha pequena no Nordeste e parte em direção a São Paulo, onde se emprega na casa de uma família e acaba sendo uma "segunda mãe" do filho do casal. Treze anos depois, a sua filha Jessica (Camila Márdila, também premiada no festival por sua performance), vai ao encontro da mãe para prestar vestibular.

Wieland Speck, curador da Panorama, diz que viaja anualmente para o país e neste ano queria mostrar “que o Brasil não é mais aquele lugar onde os mais ricos fazem filmes sobre os mais pobres”. Para ele, a seleção “apresenta um retrato atual das mudanças no cenário brasileiro político e social brasileiro”.

O comentário geral é de que o Brasil exibiu sua seleção mais interessante em 2015. “‘Que Horas Ela Volta?’ prova que uma comédia por ser engraçada e ao mesmo inteligente e sutil”, comentou o jornalista francês Malik Berkati. Em artigo no espanhol “La Vanguardia”, é mencionado que o filme mostra “uma sociedade em processo de mudança com amostras de uma emancipação das classes menos privilegiadas.”

Em entrevista no fim da última exibição de “Ausência”, a estudante alemã Ilwyn Siwsiay, 29, disse que este “é um filme muito autêntico na forma que ele transporta os sentimentos de perda e solidão. O garoto tentando ter amor de qualquer um e sendo rejeitado, foi muito difícil de ver. Mas é um filme muito importante para que as pessoas vejam como crianças crescem em uma atmosfera onde não podem criar uma personalidade saudável.”

Chico contou ao UOL que “Ausência” veio de uma aposta em suas observações em São Paulo. Roteiro que surgiu no Co-Production Market da Berlinale, o longa mostra a solidão adulta dos jovens brasileiros que amadurecem cedo por causa das obrigações e necessidades da família. “Esse filme mostra um garoto que está entrando na vida pela porta dos fundos. Esse filme veio de uma inquietação minha. Não quero falar de favela e tiros. Me interessa falar de gente, do ser humano, da complexidade que é a humanidade. Todo mundo é traído, é abandonado, não é fácil viver”, comentou.

Para a catalã Carlota Monsegui, o longa do carioca “poderia ser o melhor da Berlinale”. Ela escreve que “a presença do Brasil no festival foi fundamental para esta edição. Nas quatro sessões principais, temos títulos muito interessantes, como ‘Beira-Mar’. Mas a grande revelação veio com ‘Ausência’, um filme que mostra uma extrema crueldade humana.” 

“Beira-Mar”, da dupla iniciante Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, foi exibido como parte da mostra Forum, que destacou as dificuldades e abusos que os adolescentes sofrem nos dias de hoje. De Lírio Ferreira, “Sangue Azul” foi exibido também na Panorama. Ao UOL, o grupo de amigos John Ewald, 28, Christian Becker, 29, e Allan Griegs, 25, disse que o filme é bonito, mas não surpreende. “Trouxe meus amigos porque visitei Fernando de Noronha, e gostei muito das cenas no início e da fotografia. Mas depois não entendi, para que tanto sexo?”, questiona Ewald. 

Para Lírio, “‘Sangue Azul’ é uma expedição de ficção científica sobre o cinema, sobre o circo e sobre a impossibilidade do amor. Estamos passando por uma transição muito forte na forma de fazer cinema. Dos últimos cinco anos para cá o cinema tem passado por mudanças tecnológicas muito grandes. A presença do circo é uma metáfora: É um arte  que já ‘capengou’ e que foi se reinventando. E o cinema está vivenciado um processo semelhante, de reinvenção.” 

Walter Salles apresenta “Um Homem de Fenyang” e homenageia Wim Wenders

Outro destaque brasileiro da programação foi Walter Salles, que apresentou seu documentário sobre o cineasta chinês Jia Zhang-ke pela primeira vez na Europa para uma plateia que reunia além de cinéfilos, Karim Aïnouz, que competiu em 2014 com “Praia do Futuro”, e jornalistas chineses que fizeram uma avaliação positiva do filme. Além da exibição, o diretor ainda deu uma aula sobre produzir filmes na estrada e escreveu um dos discursos de homenagem do aclamado diretor alemão Wim Wenders, que recebeu um prêmio honorário por sua trajetória de 25 anos no cinema.

Em coletiva para a imprensa nesta quinta (12), Wenders contou que a escolha do brasileiro veio de seu contato com o país. “Quando Dieter (Kosslick, diretor da Berlinale) me perguntara quem podia fazer um caloroso discurso, fiquei pensando o quanto era difícil escolher alguém. Alguém que pudesse fazer um discurso que não fosse muito intelectual, então veio o nome de Salles na minha mente. Não consigo imaginar alguém mais ideal para fazê-lo.”

Ao UOL, Salles comentou um pouco sobre o que disse no discurso. “Da mesma forma que na literatura escritores são influenciados por outros escritores, no cinema, Wenders é um diretor que influenciou muitos diretores. “Alice na Cidade” e “O Estado das Coisas” influenciaram jovens diretores de atitudes diferentes a virem para o cinema. Por outro lado, ele faz cinema de autor que é extremamente popular, graças a filmes como “Paris Texas”, “Amigo Americano” e “O Céu Sobre Berlim”. De uma certa forma ele é o cineasta completo, ele inspirou jovens realizadores e ampliou a capacidade do cinema ao trazer mais espectadores para ver filmes e amar o cinema. Me sinto muito honrado de participar desse processo. Gostaria de agradecê-lo pela forma generosa que ele sempre se exprimiu. ”