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Vera Holtz sobre "Meus Dois Amores": "É fundamental adaptar Guimarães Rosa"

Guilherme Solari

Do UOL, em São Paulo

18/03/2015 06h00

"O filme "Meus Dois Amores", que estreia nesta quinta-feira (19), traz Caio Blat no papel de Manuel, um vaqueiro simples que se vê dividido entre o amor por sua noiva Das Dô (Maria Flor) e a mula Beija-Fulô. A história é uma adaptação livre do conto "Corpo Fechado" de Guimarães Rosa, contido no livro "Sagarana".

Na história do filme, Manuel vende um cavalo ruim para o perigoso matador Targino (Alexandre Borges), que o jura de morte e promete desonrar sua noiva Das Dô. Manuel acaba buscando ajuda com o feiticeiro Toniquinho (Julio Adrião) para "feche seu corpo" e ele possa enfrentar o bandido.

"Eu acho uma coisa fundamental adaptar Guimarães Rosa e expandir o interesse por sua obra", disse ao UOL Vera Holtz, que no filme interpreta Flausina, a mãe de Manuel. "É uma obra delicada, e estamos vivendo uma época de mídia muito voltada para a violência", opinou a atriz, que conclui: "Estamos vivendo num caos, de queda de valores comportamentais. E, se você pega uma geração inspirada na obra do Guimarães, isso vai se eternizando, vão se interessando pelo texto e por um linguajar específico. O Guimarães criou um mundo, e é importante as pessoas conseguirem penetrar nesse mundo".

Fama de difícil

O diretor Luiz Henrique Rios também também falou sobre a importância de enfrentar a "fama de difícil" da obra de Guimarães Rosa. "Existe aquela mítica de que o Guimarães é difícil. Eu não acho, acho um universo absolutamente palatável. Fizeram 'Grande Sertão: Veredas' na televisão e foi um sucesso absurdo", disse Rios ao UOL. "Ele é um escritor rigoroso, mas não quer dizer que ele seja difícil. Uma vez chegando perto, você descobre um mundo. Um mundo super-sonoro, criativo, dual, mágico, místico, muito visceral."

A história do filme difere em diversos pontos do conto original de Guimarães Rosa. A mula Beija-Fulô ganha maior espaço, e o amor de Manuel por ela é mais enfatizado no longa. O vaqueiro chega a dormir abraçado com a mula e a vesti-la com grinalda e lhe dar uma aliança. Para o diretor, isso foi uma forma bem-humorada de mostrar a uma plateia urbana a importância do animal para o homem do campo.

vera holtz

  • Divulgação/TV Globo

    Eu acho que esses personagens mais rurais não têm essa coisa 'frouxa' que o urbano tem. A terra faz dele um homem mais diferente

    Vera Holtz

"Nós escolhemos aumentar o lugar desse romance, mas claro que fugindo da bestialidade, transformando-o em algo cômico e farsesco", contou o diretor. "Eu queria fazer muito um filme que crianças pudessem ver. Então eu dei uma suavizada na estrutura da história e a transformei em uma fábula."

Vera Holtz também ressaltou como a preparação do elenco buscou dar esse ar fabuloso ao filme, criando uma unidade nas interpretações. "Quando você entra num trabalho intenso com um grupo novo, aquilo o coloca fora da sua zona de conforto", disse, sobre a preparação do elenco com a atriz e diretora Fabiana de Mello, que utiliza máscaras balinesas. "Você está acostumado a usar a musculatura do rosto para contar uma história e, de repente, tem uma máscara, então é o gesto que vai contar a história. Através desse trabalho diferente, tirando toda essa equipe da zona de conforto, ganhamos uma unidade."

Níveis de interpretação

Vera Holtz também ressaltou que, apesar de se tratar de uma comédia, o filme possui diferentes níveis de interpretação, como o caso de sua personagem, que enfrenta uma vida difícil ao criar sozinha o filho após ser "tomada" ainda jovem pelo Coronel Peixoto (Lima Duarte).

"Eu acho que esses personagens mais rurais não têm essa coisa 'frouxa' que o urbano tem. A terra faz dele um homem mais diferente", disse a atriz. "Ele tem que ser lido de outra forma, e isso está presente no trabalho. O humor dele é diferente. O afeto dele é diferente. O olhar dele dentro da vida é diferente. Eu tenho esse cuidado quando eu pego um personagem desses. São mais cautelosos, mais desconfiados. Mas também são amorosos, têm um amor muito grande pelos filhos, pela terra."

Para Vera, os diretores estão cada vez mais enfatizando a preparação do ator como chave para a qualidade de filmes, séries e novelas. "São questões com as quais hoje em dia a própria televisão está se preocupando muito. Existe uma ênfase muito grande na preparação de atores na Globo", afirmou. "Em 'O Rebu' tivemos o Chico Accioly, que preparou o texto e a inter-relação. E acho importante como isso ajuda a dar vida aos personagens do filme a ir inspirando diferentes gerações."