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Heroína de saga "teen", Woodley se destaca de sua geração por ativismo

Eduardo Graça

Do UOL, em Los Angeles (EUA)

18/03/2015 06h05

Shailene Woodley entra na suíte do hotel e, antes de conversar com a imprensa, por conta do lançamento, nesta quinta-feira (19) no Brasil, do segundo tomo da franquia de ação adolescente “Insurgente”, acena, animada, para o cão de uma jornalista, orelhas ao alto, cabeça baixa, instalado confortavelmente na porta que dá para os jardins. “Ele parece um coiotezinho! Que graça! Oi!”. A voz é segura, o sorriso aberto, a atitude de quem ao mesmo tempo acha graça no circo de Hollywood e se reconhece protagonista de ponta na indústria cultural mais rica do planeta.

Aos 23 anos, a bela californiana se prepara para encarnar, nos próximos meses, aquele que será seu papel mais sofisticado em uma década e meia de carreira artística, que já rendeu uma indicação ao Globo de Ouro ("Os Descendentes") e foi iniciada quando ela tinha oito anos em uma ponta em um obscuro telefilme. Woodley viverá Lindsay Mills, a namorada de Edward Snowden, no filme intitulado com o nome do ex-agente americano, famoso por ter revelado segredos de interesse do governo americano, visto ora como um traidor, ora como herói nacional interessado no direito à informação da população. A direção é de Oliver Stone e Snowden é encarnado por Joseph Gordon-Levitt. A estreia está prevista para o Natal deste ano.

"Não posso dar muitos detalhes, por motivos óbvios, mas posso dizer que estou vibrando por fazer parte de um filme sobre algo absolutamente conectado ao aqui e agora. É muito raro se produzir um filme sobre um personagem cujo fim, cujo destino, não sabemos exatamente qual será. Neste momento, a história de Edward Snowden ainda está acontecendo. Quão mais interessante um papel pode ser do que o de Lindsay Mills para mim agora?", diz.

Não deixa de ser curioso a atriz migrar de Beatrice "Tris" Prior para Lindsay Mills. Sua Tris --personagem mais sofisticado da trilogia best-seller centrada na Chicago de um futuro distópico imaginado pela escritora Verônica Roth, de 26 anos-- luta, afinal, contra o governo déspota de uma minoria que se acredita destinada a governar a população local, sem espaço para contestações. Os três livros --“Divergente”, “Insurgente”, “Convergente”--, além de uma coleção de contos, todos lançados entre 2011 e 2014, totalizaram mais de 10 milhões de exemplares vendidos nos EUA, quase 30 milhões mundo afora.

"Em 'Insurgente' a transformação da Tris se dá por completo: ela deixa de ser uma pacata cidadã para se tornar um soldado. De certa forma, algo parecido com o que aconteceu comigo, que saí do que se convenciona dizer uma ‘infância normal’ para esta realidade em que outras pessoas publicam textos sobre o que você faz, mas também sobre sua vida", compara a atriz.

"Este é o ponto de encontro mais óbvio entre eu e Tris, mas é difícil eu articular melhor esta linha de raciocínio, por dois motivos: o primeiro, porque todo mundo, afinal de contas, passa por transformações significativas nesta fase da vida. O segundo, por eu estar falando de mim mesma no tempo presente", diz.

Shailene

  • Imeh Akpanudosen/Getty Images for Deadline

    Tudo está na nossa cara, como as mudanças climáticas ou a gravação em vídeo do ataque ao cidadão Eric Garner, asfixiado por um policial em Nova York. O que a gente precisa é ter vontade de buscar a verdade e dedicar um tiquinho de seu tempo para consumir informação. É simples.

    Shaile Woodley

Ativismo

Filha de dois professores de escolas secundárias, a atriz, cuja vida amorosa é mantida a sete chaves –rumores de que namorou seus colegas de set Theo James (o Tobias "Quatro" da franquia) e Ansel Elgort (seu irmão Caleb na franquia e, também, e mais importante, seu co-protagonista em outro sucesso adolescente, “A Culpa é das Estrelas”, do ano passado) jamais foram comprovados–, não usa redes sociais. Não tem Facebook ou Twitter.

Ela diz que prefere usar o tempo se informando em meios mais ou menos tradicionais, digitais e impressos. Woodley fala com desenvoltura sobre política e se alinha na imensa barricada liberal de Hollywood. Um de seus temas preferidos é o meio-ambiente, mas ela não deixa de tratar de outros assuntos mais capciosos, como a violência da polícia contra negros nos EUA.

"As pessoas precisam se dar conta de que a exploração de gás natural no nosso subsolo para gerar energia é um perigo", afirma ela, referindo-se ao "fracking", prática responsável pela recente revolução energética dos EUA, duramente criticada por ambientalistas. "Acabamos de ter uma vitória no estado de Nova York, que baniu a prática para sempre em seu território. É preciso se conscientizar sobre como usamos nossos recursos mais básicos, como a água, por exemplo", completa.

"Vivo em Los Angeles e acho lindo toda esta conversa sobre yoga, o consumo de produtos orgânicos, os sucos naturais. Tudo é sensacional, mas as pessoas também precisam sair da ação individual: ah, eu faço isso, estou saudável, estou gata e pronto. A única maneira de convencer quem não está interessado nesta revolução é mostrar que não se trata apenas de um projeto individual de bem-estar, mas de uma tomada de posição política para o futuro, para a construção do mundo que queremos deixar para os nossos filhos. Parece óbvio, tudo está na nossa cara, como as mudanças climáticas ou a gravação em vídeo do ataque ao cidadão Eric Garner, asfixiado por um policial em Nova York. O que a gente precisa é ter vontade de buscar a verdade e dedicar um tiquinho de seu tempo para consumir informação. É simples", diz.

Woodley destoa dos atores de sua geração em Hollywood --como Jennifer Lawrence, a quem é frequentemente comparada--, muitas vezes deixando de olhos arregalados os jornalistas especializados na cobertura exclusiva do mundo dos famosos, ao conversar de forma apaixonada sobre temas aparentemente estranhos à atriz que fez muito marmanjo chorar em “A Culpa é das Estrelas”. Uma de suas tiradas mais divertidas é justamente quando compara os típicos fãs dos dois filmes que lhe deram notoriedade.

Trailer de "A Série Divergente - Insurgente"

"Ah, a diferença está na reação dos fãs. Em 'A Culpa' o filme é muito mais centrado no personagem, então em geral as pessoas vêm conversar comigo interessadas em dividir histórias de algum modo similar, de parentes ou amigos que viveram a realidade de uma doença, a princípio, incurável. Com 'Divergente' a primeira pergunta, inevitavelmente é (faz uma voz mais infantil): 'Pelo amor de Deus, me conta como o Theo é na vida real?'", conta, rindo muito.

Exatamente como boa parte das franquias do chamado nicho "jovem adulto" em Hollywood, “Insurgente” não conta com o mesmo diretor do filme que deslanchou o fenômeno. Sai Neil Burger (“O Ilusionista”; “Gente de Sorte”), entra Robert Schwentke (“R.I.P.D. - Agentes do Além”). Schwentke já foi confirmado para a primeira parte da adaptação para o cinema do derradeiro livro, que chegará aos cinemas em 2016. Woodley oferece, à mudança no comando do filme, a primeira resposta-padrão da entrevista, com ares de treinamento de mídia.

"Tão bom quanto seguir um trabalho, na pele de um mesmo personagem, com quem você já conhece, é a troca de energias novas, que renova o processo criativo", diz.

Então tá. “Divergente” fez bonito nas bilheterias no ano passado –a produção de US$ 85 milhões amealhou US$ 288 milhões mundo afora–, mas Burger reclamou publicamente da correria dos produtores para lançar os filmes seguintes em espaço de tempo, a seu ver, apertado, razão principal para abandonar a direção de “Insurgente”.

Quando do anúncio da troca de cadeiras, Woodley afirmou achar tudo "estranho, já que ele havia criado todo um universo e agora passaria o bastão para outra pessoa". Os produtores, no entanto, dizem que não há grandes mudanças estéticas na franquia, agora centrada no conflito entre as facções apresentadas em  “Divergente”, uma guerra aberta com Tris e Theo, uma vez mais, no centro dos acontecimentos.

"Em 'Insurgente', a Jeanine (personagem de Kate Winslet) não quer deixar barato o que aconteceu em 'Divergente'. Ela cria uma situação tão ardilosa que, aparentemente, não é possível a Tris escapar. O tema, politicamente inclusive, me interessa muito. Eu espero que a trilogia faça com que jovens saiam de suas zonas de conforto e reflitam, de forma independente, sobre o mundo que está a sua volta", espera Woodley, fazendo um pedido: "Gente, é preciso pegar o trem da engenharia social e observar tudo o que a mídia, em todas as suas formas, tem a dizer. Há muito mais nesta vida do que o que está escancarado na nossa frente".