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"Colhendo o que plantou", Festival de Cinema de Gramado tenta mudar de rumo

Felipe Blumen

Do UOL, em São Paulo

01/07/2015 17h22

Entre 7 e 15 de agosto, milhares de diretores, produtores, fãs e envolvidos com o cinema em geral passarão pelo pequeno município de Gramado, a 115 km de Porto Alegre, para conferir um dos mais tradicionais eventos de cinema do Brasil.

Mas aos 43 anos de idade, o Festival de Cinema de Gramado começa uma nova fase em sua vida. Agora, o momento é de consolidação de um projeto iniciado há quatro anos e que tem como objetivo, segundo o jornalista, professor e curador do festival Marcos Santuário, “ganhar cada vez mais o lugar que Gramado merece”.

Em 2011, nos preparativos da 40ª edição do festival gaúcho, Marcos Santuário, Rubens Ewald Filho e José Wilker foram convidados para mudar a cara do evento e dar a ele mais relevância local, nacional e internacional. “Nossa intenção era que os filmes do festival falassem com todas as pessoas que se encantam com o cinema, não que acabassem conversando apenas com uma parcela da crítica e terminassem morrendo em gavetas de cinematecas”, explica o curador.

Hoje, há quase um mês da 43ª edição do festival, o pensamento é de que essa meta foi alcançada. “E os filmes escolhidos neste ano refletem isso muito bem”, diz Santuário. O UOL entrevistou o curador para saber como se deu esse processo e o que isso significa para o cinema nacional e latinoamericano.

Confira a seguir.

UOL - Qual é a ‘cara’ desta edição do Festival de Gramado?

Marcos Santuário – Na América Latina, a cara é a da diversidade. São sete filmes representando sete países – além do Cone Sul temos produções de mercados menos conhecidos, como Costa Rica e Equador. É essa diversidade de narrativas, estéticas e temáticas locais que dará o tom.

No caso da seleção brasileira, conseguimos, quase sem querer, delinear a tematica dos relacionamentos: familiares, afetivos, amorosos, a propria sociedade se relacionando de forma política, relacionamento entre gerações e entre tempos históricos distintos. Essa é a narrativa, relacionamentos humanos, e isso demosntra a preocupação dos cineastas do ultimos tempos, que é se apropriar da linguagem para contar a história humana.

No cruzamento entre os dois, temos diretores mais conhecidos e mais iniciantes, que é o que forma essa narrativa muito contemporânea para fazer as pessoas se enchergarem na tela e recnonhecerem ali o seu cinema. Esse sempre foi nosso objetivo.

Esse objetivo foi alcançado, então?

A produção que vai para o festival tem que falar com as pessoas, não pode conversar só com uma parcela da crítica, morrer em festivais e acabar em gaveta de cinemateca. A cada edição tentamos encontrar algo novo e interessante para ser trabalhado. Nesta, conseguimos colher um pouco do que plantamos nas últimas, que é mostrar que Gramado tomou um novo rumo, de um cinema que se projeta para além da critica, se relacionando com o universo de todos aqueles que vivem e que amam o cinema. Sobretudo no universo latino, que tem dois concorrentes a mais neste ano, percebemos que essa realidade se impõe.

Foi isso que mudou desde 2011, quando você, o Rubens Ewald Filho e o José Wilker assumiram a curadoria?

Acredito que aquilo que começamos vai se consolidando para que Gramado ganhe cada vez mais o lugar que sempre teve no imaginário do cinema brasileiro e do cinema latinoamericano. Os realizadores voltaram a acreditar no cenario de Gramado como um palco importante para expor suas obras. E se não ouver bons filmes não existe espetaculo.

As escolhas deste ano foram mais difíceis do que nos anos anteriores?

Deu mais trabalho pela quantidade. Porque entre ver 100 filmes e ver 200, dobra o tempo gasto. Tanto eu, como o Rubens e a Eva [Piwowarski, diretora argentina que substituiu José Wilker na curadoria] fazemos questão de ver todos. Cada um faz sua seleção e depois as debatemos para chegar a uma final. Quanto mais filmes, mas trabalho, mas também maior a possíbilidade de encotnramos coisas boas.

Entrevista Marcos Santuário

  • Gramado tomou um novo rumo, de um cinema que se projeta para além da critica, se relacionando com o universo de todos aqueles que vivem e que amam o cinema.

    Marcos Santuário, curador do Festival de Cinema de Gramado

E como funciona o critério do ineditismo? Porque temos nesta edição alguns filmes já conhecidos de parte do público, como “Que horas ela volta?”, ao lado de outros inéditos…

A ansiedade de ver um filme que nunca foi exibido é a marca de varios festivais – que inclusive exigem que os filmes concorrentes sejam inéditos. Nós pensamos que, se todo mundo fizer isso, o filme vai passar uma vez só. E aí a pessoa vai ter que escolher, no mundo todo, um único festival e perder a oportunidade de estar em mais de um. É claro que o ineditismo é importante e nós damos carinho a ele. Ele ainda é critério de desempate, mas não exigimos que o filme seja inédito. Senão nós privamos o público de ver produções como a Anna Muylaert, que ainda não foi vista no Brasil. Mas trazerfilmes mais reconhecidos também é uma chancela, por que eles já tiveram uma apreciação positiva. Então tentamos colocar tudo isso na balança.

Essa chancela não pesa indevidamente na decisão do júri que escolhe quem vai ganhar os prêmios em dinheiro?

Sem dúvida isso pesa, mas cabe ao júri observar todos os filmes a partir de um ponto zero, analisar a obra além da premiação. Eu já fui e ainda sou júri de vários festivais e posso dizer que cada júri é um júri. É difícil saber o que se passa naquelas cabeças. Quando eles justificam as escolhas baseados em critérios válidos, com conhecimento e capacidade, nós nos convencemos de que aquele vencedor merece ser premiado. Mas também há júris sem capacidade discursiva que não conseguem avaliar. Nós só vamos saber das justiças ou injustiças depois de assisir aos filmes.

Você tem algum favorito?

Claro que nós curadores devemos dizer que os nosso favoritos são aqueles 15, que são os que julgamos os mais aptos a representar o cinema latinoamericano. Agora passamos a bola para o júri, que terá um trabalho árduo, porque o nosso já está realizado.

Não foi uma escolha sua dentro da organização, mas o que achou da Marília Pêra como a homenageada deste ano?

Sempre discutimos muito sobre quem serão os homenageados de um festival que já homenageou tanta gente, como Gramado, e pensamos em quem ainda falta homenagear. A Marília Pêra receber o Troféu Oscarito é incrível por causa da relação dela com com o cinema e com Gramado [a atriz tem dois Kikitos de Ouro]. Achamos até que demoramos em homenagea-la com o troféu. Foi um consenso entre toda a organização do festival.