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Mais aplaudido em Gramado, curta mostra tensão entre ricos e pobres em SP

Mariane Zendron

Do UOL, em Gramado (RS)

10/08/2015 16h26

Trecho importante na zona sul de São Paulo, a avenida Yervant Kissajikian é um paradoxo visual: de um lado, há casas de madeira e alvenaria; do outro, luxuosos condomínios. Perto dali, moradora do Jardim Consórcio, a jornalista e cineasta Eliane Scardovelli sempre viu com curiosidade aquele breve espaço: representação da desigualdade social da capital paulista --e de boa parte do Brasil--, a via se transformou em tema de "Muro", curta-documentário que participa da competição do Festival de Gramado e que foi o mais aplaudido pelo público até agora na 43ª edição do evento, que vai até o dia 15 de agosto na serra gaúcha.

Formada em jornalismo pela USP (Universidade de São Paulo), Scardovelli já havia usado a avenida como tema de seu trabalho de conclusão de curso, em 2009. Cinco anos depois, matriculada na Academia Internacional de Cinema, ela foi incentivada a fazer um filme político. Daquele muro separando os dois mundos veio ideia do novo projeto.

"Quando fiz o TCC havia uma tensão entre os moradores dos dois lados: o síndico de um dos condomínios reclamava que as crianças da comunidade jogavam pedras na piscina", diz ela, ao UOL. "Quando eu voltei, anos depois, parecia que a coisa havia se acalmado, mas bastaram algumas visitas para perceber que a tensão continuava. Agora havia a ameaça de um despejo". Segundo a jornalista, os moradores da comunidade dizem que os mais ricos querem tirá-los de lá porque não gostam de ver casas pobres das janelas de seus apartamentos. Os síndicos dos condomínios negam ter essa intenção.

Scardovelli, que também é uma das jornalistas do programa "Profissão Repórter", da Globo, precisou usar o improviso que aprendeu no semanal, já que tinha apenas dois dias para gravar todas as cenas, por conta da disponibilidade dos equipamentos. "Depois do primeiro dia de gravações, percebemos que tínhamos um material muito bom nas mãos".

Ao som de "Esquiva na Esgrima", de Criolo, o curta de 16 minutos de duração capta a preocupação da comunidade e mostra uma tentativa de esclarecimento por parte dos síndicos. Em uma das cenas, as crianças da comunidade tentam convencer o síndico de uma casa para que os deixem usar a piscina. Ele tenta explicar que os moradores não concordariam com isso, e cai no choro. Durante o festival, alguns críticos disseram que a cena é emotiva demais e desnecessária. "Claro que as críticas incomodam, mas eu estou convicta das minhas decisões. A raiz do filme é o cara chorando. Aquilo é muito revelador", disse ela.

Sem imaginar que o trabalho de um curso poderia ir além da sala de aula, Scardovelli afirma que pretende seguir carreira no jornalismo e no cinema. Depois de participar de um festival em Portugal e sair sem prêmios, a diretora diz que, agora, só quer que "as pessoas estejam abertas para receber e debater sobre essa história".