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Gaspar Noé diz que cena polêmica de "Love" está no filme porque "funcionou"

Thiago Stivaletti

Colaboração para o UOL, no Rio

08/09/2015 06h00

Gaspar Noé é o responsável por um dos filmes mais chocantes deste milênio. Quem viu o estupro de nove minutos da personagem de Monica Bellucci em "Irreversível" (2002), rodado sem cortes, não esquece. Certa vez, um espectador ameaçou dar-lhe um soco depois do filme. "Mandei avisar a ele que eu tinha uma faca no meu bolso. Não era verdade", lembra o diretor argentino de 51 anos, radicado há quase 40 na França, em entrevista ao UOL por telefone de Paris.

Não há estupro em "Love", o novo filme de Noé, que teve as sessões mais concorridas no último Festival de Cannes, em maio, e que estreia nesta próxima quinta-feira (10). Apesar do "amor" do título, o que deve levar todo mundo ao cinema são mesmo as cenas de sexo em três dimensões. "Quis filmar o sexo como um ato amoroso, da forma mais íntima possível. É algo de um cinema que desapareceu depois dos anos 70. Hoje em dia, ou vemos o ato amoroso ou o sexo, como duas coisas separadas", filosofa.

Ele abre exceção para um filme recente, que gostou muito: o francês "Azul é a Cor mais Quente" (2013), de Abdellatif Kechiche, com suas duas longas cenas de sexo quase explícito. "É um filme muito potente. O ato sexual é mostrado como na vida real. E não creio que são cenas supérfluas, são fundamentais para compreender a psicologia das personagens."

Cena polêmica

"Love" conta a história de Murphy (Karl Glusman), aspirante a cineasta, hoje casado e com filho. Ele começa a relembrar a turbulenta relação de dois anos que teve com Electra (Aomi Muyock), hoje desaparecida. O filme é um longo flashback da relação dos dois, regada a experiências sexuais de todo tipo.

A cena mais comentada de "Love" em Cannes foi aquela em que Murphy --o rapaz bem dotado que pensa 90% do dia em sexo e 10% no cinema de vanguarda que quer dirigir-- ejacula em close na câmera, com efeito 3D e tudo. "Filmamos essa cena só uma vez, e foi logo no primeiro dia. Primeiro, eu precisava que Karl fizesse isso logo para se concentrar no resto. Segundo, era importante para mostrar alguém com uma vida sexual normal, desdramatizar a história. Só entrou no filme porque funcionou, senão teria tirado. Filmei várias outras coisas que ficaram de fora na montagem".

O longa tem coprodução da produtora brasileira RT Features, o que garantiu no Brasil um lançamento antecipado em relação a outros mercados importantes, como Estados Unidos e Reino Unido, que só verão o filme nos cinemas a partir de novembro.

Para os que não suportam "Irreversível", um aviso: Noé continua defendendo a cena de estupro de nove minutos. "Você só consegue se envolver emocionalmente com aquela violência depois de uns cinco minutos. E era esse o efeito que eu buscava."

Para o futuro, o diretor tem três desejos completamente diferentes --algum deles deve sair do papel no ano que vem: rodar seu primeiro documentário; filmar um longa de ficção na África; ou dirigir uma história sobre a "barbárie religiosa que vem crescendo em todas as partes do mundo". Qualquer que seja o projeto, podemos esperar o infalível toque de polêmica de Gaspar Noé.