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"O Samba" mostra o Carnaval como ainda não se havia mostrado, diz Martinho

Natalia Engler

Do UOL, em São Paulo

24/09/2015 06h00

Samba no Brasil já virou quase um clichê, mas o ritmo continua a encantar muitos gringos. Foi o que aconteceu com o cineasta francês Georges Gachot, que colocou seu olhar de estrangeiro sobre a música, o Carnaval e um de seus representantes –Martinho da Vila– no documentário "O Samba", que estreia nesta quinta (24).

"A grande vantagem do filme é essa", pondera Martinho sobre a falta de intimidade de Gachot com esse universo. "Porque ele colocou coisas que são de dentro do samba. Abre o filme com uma alegoria coberta de plástico, enquanto a gente mostraria logo uma alegoria bonita. O grande barato pra ele eram as pessoas empurrando, o trabalho que dá pra botar alegria na avenida. Ele foi por aí e mostrou a escola de samba como ainda não se havia mostrado", acredita.

Um dos aspectos novos que "O Samba" revela, na opinião do artista, é a função educacional. "Tem esse nome escola de samba e funciona como escola. Isso não passa pela cabeça das pessoas. Tem meninos aprendendo a tocar, tem criança batucando, tem meninas ensaiando pra sair na bateria. Essa coisa do ensino foi muito bom pro filme", conta Martinho.

Mas o músico não tinha a intenção de se tornar personagem dessa história. "Isso aconteceu, sabe? Quando ele me falou que queria fazer um filme sobre o samba, eu até não estava muito disposto, mas ele pediu para mostrar os caminhos, ajudar. Aí eu mandei ele à Vila Isabel e depois ele me pediu: 'posso ir aonde você for?'. E começou a andar atrás de mim. Foram dois anos de 'perseguição'", conta, rindo.

Para o diretor, não era possível separar a Vila Isabel de um de seus representantes mais ilustres. "A escola da Vila Isabel e o Martinho são a mesma coisa. Ele cresceu dentro dessa escola. É uma história muito rica. Mas primeiro encontrei o Martinho, e depois ele me levou na Vila Isabel. Antes de fazer esse filme, eu já tinha passado muitas vezes na frente da quadra e gostei muito daquele lugar. Pensava que um dia entraria ali. Entrei em 2011, quase oito anos depois de ter chegado pela primeira vez no Brasil", contou Gachot ao UOL durante o Festival do Rio 2014.

Sua história com o país começou em 1998, ao ver um show de Maria Bethânia no Festival de Montreux que "mudou" sua vida e depois renderia dois documentários --"Maria Bethânia - Música é Perfume" (2005), e "Rio Sonata" (2010), sobre Nana Caymmi.

Para Martinho, no entanto, o novo documentário não é sobre ele próprio. "Acabou que é um filme sobre o samba, sobre a Vila Isabel, sobre o Martinho. Pode se ver de várias maneiras".

Faço primeiro música. Se o assunto que eu estou enfocando tem mazela, aí eu coloco, mas não panfletariamente, que também não é isso. Elas [as mazelas] estão sempre nas entrelinhas, não como uma coisa muito direta. Uma forma mais eficiente de conseguir as coisas é conquistar o adversário. Quando vê, a pessoa já está com a gente. É uma outra tática para atingir os objetivos.
Martinho da Vila, sobre a mistura entre mazelas e alegria que o samba carrega

Realmente, o documentário alterna momentos nos bastidores da quadra da Vila Isabel, na comunidade da escola, depoimentos de artistas como Ney Matogrosso, e conversas mais reservadas com o sambista em diversos locais, inclusive em seu sítio, momentos em que ele demonstra uma certa timidez diante da câmera.

E a câmera incomodou em algum momento? " Muitas vezes", diz, rindo. "Porque ele filmava tudo. Ter uma câmera te seguindo o tempo inteiro é meio complicado, né? Então, às vezes eu perguntava se dava pra ele parar. Não era pra esconder nada, não. É que incomoda, sabe? Cansa. Mas depois eu fui me acostumando. Em todo lugar que eu ia, ele ia", conta.

Mas por quê, então, aceitar a "perseguição"? "Porque, logo nos primeiros contatos, a gente foi pegando uma empatia, ficamos amigos. Aí pronto, ficou um trabalho entre amigos. Então, foi fácil".

Mazelas e alegria

Em um dos momentos de maior intimidade de Martinho com a câmera, ele lembra que os fundadores do samba eram negros e pobres, e falavam disso em sua música.: E filosofa: "O samba é uma música brasileira que fala sobre as mazelas com um toque de alegria".

Continua assim? "No samba ainda rola bastante, mas a música brasileira de modo geral está muito oba-oba ou muito sofrimento, não está misturando muito", acredita ele, citando como exemplo a sofrência.

Para Martinho, essa mistura de tristeza é uma característica da cultura brasileira. "O samba é assim. O sambista sempre falou do seu desemprego, do seu barracão, da sua família, do trabalho, essas coisas. Mas não é uma coisa pra sofrer. É uma coisa pra dançar, pra se divertir, pra mostrar, pra falar da coisa. Aquele sofrimento existe, mas não é pra ficar sofrendo naquela hora", acredita. "Em outras línguas, o artista canta uma canção triste e faz logo uma expressão de tristeza. A gente aqui não, a gente canta normalmente. 'Bandeira branca amor, não posso mais' é uma coisa fúnebre, e a gente canta pra dançar o Carnaval. É uma característica brasileira".

Ainda que fale das tais mazelas em canções como "O Pequeno Burguês", o sambista acredita que a música tem que vir antes da denúncia social, e aposta em uma outra tática para falar dos problemas.

"Faço primeiro música. Se o assunto que eu estou enfocando tem mazela, aí eu coloco, mas não panfletariamente, que também não é isso. Elas [as mazelas] estão sempre nas entrelinhas, no geral, não como uma coisa muito direta. Uma forma mais eficiente de conseguir as coisas é conquistar a pessoa, conquistar o adversário. Então, a gente fala das coisas tristes e vai. Quando vê, a pessoa já está com a gente. É uma outra tática para atingir os objetivos", conclui.