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Em documentário, Chico Buarque diz que música atual é a cara do Brasil

Miguel Arcanjo Prado

Colaboração para o UOL, em São Paulo

30/10/2015 16h30

Em certo momento do filme "Chico: Artista Brasileiro", o cantor, compositor e escritor Chico Buarque, 71, declara que a atual música que faz sucesso no Brasil é a que corresponde realmente ao gosto do povo brasileiro. A declaração soa polêmica, mas ele explica que, antes, os gêneros bossa nova e MPB foram gostos musicais impostos pela elite que dominava o País. Em sua visão, hoje, o brasileiro não mais responde a imposições culturais de uma minoria rica. Por isso, a música nas paradas de sucesso atualmente é tão distante daquela feita por ele e seus colegas nos festivais da década de 1960. Chico prefere não ser saudosista e olha para frente, dialogando com o presente e o futuro.

O filme "Chico: Artista Brasileiro", que será exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo nos dias 31 de outubro e 3 de novembro e lançado comercialmente em 26 de novembro, esquadrinha a vida e a obra de um dos maiores expoentes da nossa música. O documentário é dirigido por Miguel Faria Jr., que já fez filme sobre Vinicius de Moraes e é o amigo com quem Chico costuma caminhar pelas areias do Leblon. Ele mescla falas do Chico atual com imagens de arquivos e números musicais inéditos de convidados interpretando as canções do compositor, sob direção musical de Luiz Cláudio Ramos --gente como Milton Nascimento, Carminho, Adriana Calcanhotto, Mart'nália, Laila Garin, Péricles e Ney Matogrosso, entre outros.

No longa, Chico lembra os antepassados aristocratas e a infância na companhia do pai intelectual, o historiador Sergio Buarque de Holanda (1902-1982). Também surge o irmão alemão, que descobriu ter depois de adulto em uma conversa com o poeta Manuel Bandeira (1886-1968) e Vinicius de Moraes (1913-1980) e que virou tema de seu livro mais recente, intitulado "O Irmão Alemão".

Chico foi atrás de seu passado e de seu irmão desconhecido, Sergio Günther, que surge no filme em imagens raras do arquivo da televisão da Alemanha Oriental, na qual foi apresentador, jornalista e cantor. Muito parecido com o pai biológico, o jovem, que morreu aos 50 anos em 1981 de câncer no pulmão, aparece cantando e assobiando, como faz o próprio Chico em cenas do documentário.

Chico afirma no filme que entende mais de literatura do que de música. Diz que livros são realmente sua especialidade. Conta que desde pequeno mergulhou na vasta biblioteca de seu pai, lendo clássicos da literatura mundial. Apenas quando entrou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo), incentivado pelos colegas, passou a ler literatura nacional.

Sobre o sucesso como cantor, Chico diz que pensou que seria coisa passageira, por conta do sucesso de "A Banda", música que o lançou como estrela internacional em 1966. Ele chegou a abordar o sucesso meteórico no espetáculo "Roda Viva", montado por Zé Celso com seu Teatro Oficina em 1968, encenação ousada que foi duramente reprimida pelo regime militar, com atores agredidos, inclusive Marília Pêra, que lê em off trechos do livro "O Irmão Alemão" no documentário. Com o tempo, Chico conta que percebeu que precisaria se tornar um artista profissional.

O filme ainda lembra o casamento de três décadas com a atriz Marieta Severo —que não dá depoimento—, de quem ele diz sentir falta, sobretudo para apresentar uma nova composição, lembrando da intimidade artística que o casal conquistou. E declara que Marieta foi a pessoa mais importante no período mais difícil de sua vida, quando, perseguido pela ditadura, precisou ir para o exílio na Itália — onde conta ter ficado traumatizado em fazer shows, com plateias que desconheciam sua música e só queriam ouvi-lo cantar "A Banda". O filme conta com depoimento saudoso de Hugo Carvana (1937-2014), lembrando o dia em que Chico conheceu Marieta no Teatro Opinião e se apaixonou à primeira vista por ela.

Ao falar de sua vida na sala de casa —com vista espetacular para o mar do Leblon e Ipanema e o morro Dois Irmãos—, Chico parece tranquilo, bem-humorado, contando suas histórias de forma despretensiosa. Imagens raras, entrevistas e apresentações antigas do artista ajudam a conduzir o documentário, que traz depoimentos de pessoas de seu convívio, como a irmã Miúcha —que lamenta que seu pai não pôde conhecer o Chico escritor—, ou de artistas parceiros, como Maria Bethânia —esta conta que Mãe Menininha não acreditava que pudesse ser homem o compositor de "Olho nos Olhos".

O documentário prioriza a fala de Chico, tão rara, já que o artista é avesso à imprensa. Ele tenta se revelar um homem simples, que consegue encarar o próprio sucesso por uma ótica despretensiosa e bem-humorada. O Chico que o documentário revela não se vê como mito ou gênio —apesar de isso ser reforçado por sua obra, cantada pelos convidados, e em depoimentos de terceiros—, mas se apresenta como um operário da arte, um homem que fez da canção seu material de trabalho e, mais tarde, a literatura.

Sobre o período de canções políticas na década de 1970, quando foi duramente censurado pelo regime militar, conta que fez muitas músicas por revanchismo ou raiva, mas que não gosta de fazer canções assim, movidas por este tipo de sentimento. Diz que elas se perdem com o tempo, apesar de a crítica louvar este período de forte produtividade do compositor.

Sobre envelhecer, Chico conta que prefere não fazer planos muito longos. Sabe que o tempo é escasso. Por isso, afirma que vai vivendo o presente, sem nostalgia do passado. Isso é evidente quando faz música na sala de sua casa na companhia de três dos sete netos, sua conexão real com o presente e o futuro.