Sessão do filme de terror "A Bruxa" na madrugada de Halloween é libertadora
Nunca tive medo de filme de terror. Pelo contrário: o gênero me atrai pelo suspense e possíveis viradas espetaculares. Já visitei os dois hotéis que inspiraram "O Iluminado", de Kubrick. Queria ter certeza de que eram lugares assustadores mesmo, isolados. Só consegui achar tudo lindo, nada aterrorizante.
Dessa vez enfrentei a simbólica primeira sessão de "A Bruxa", de Robert Eggers, na Mostra de Cinema de São Paulo. O filme, considerado o "terror mais assustador do ano", estava prometido para começar às 23h59 da sexta-feira véspera de feriado prolongado. Isso significava passar a madrugada de Halloween sozinha --e em uma sala escura.
Cheguei 30 minutos antes da sessão. Uma fila enorme já se formava do lado de fora da sala. Um aviso: "Sessão 707 - 'A Bruxa' - Esgotado". 23h38 e duas jovens chegam eufóricas ao lado de um monitor: "Não tem jeito mesmo?". Ele deixa claro: "Está esgotado, só se sobrar ingresso de convidados". Uma delas diz que estão em quatro pessoas e saem desapontadas.
Entro na sala e me posiciono na última fileira para observar a reação do público. Os 300 lugares já estão 90% ocupados. Às 23h49 um casal entra de mãos dadas e com um saco de pipoca na mão. "Estou com medo, amor. Não sei por que fui me meter nessa", desabafa a moça. Cinco minutos depois, outro casal se beija na fileira ao lado. Às 23h56, pai, mãe e dois filhos adolescentes se acomodam na minha frente. Por enquanto, tudo tranquilo.
O relógio marca 23h59. As portas ainda estão abertas e a sessão não começa pontualmente. De repente, um "boa noite". À 0h, o produtor brasileiro Rodrigo Teixeira recepciona a plateia. Ele faz questão de lembrar que o filme é um pouco nacional por parte de sua coprodução. "Espero que vocês tenham uma ótima noite de terror", declara. 00h01 e as luzes baixam.
Terror à moda antiga
"A Bruxa" começa à 00h05. A história é sobre uma família seguidora do puritanismo na Nova Inglaterra de 1630 que, por desavenças religiosas, acaba expulsa de sua comunidade. William e Katherine são os pais. Thomasin, Caleb, os gêmeos Jonas e Mercy e o bebê Samuel, os filhos. A família vai morar em um lugar isolado e cercado por seus poucos animais e uma selva misteriosa. A partir daí, fatos estranhos começam a acontecer. A sonoplastia perfeita é a maior responsável pelos momentos de tensão do filme. O sangue é coadjuvante.
Com exceção de uma cena que lembra muito "O Exorcista", a ação fica quase toda reservada para os 15 minutos finais. Com 92 minutos, "A Bruxa" pode ser considerado um filme curto. Mas o enredo cumpre bem sua função de manter o público atento o tempo todo. Notei uma plateia quase imóvel. Os únicos imprevistos durante a sessão foram algumas (baixas) risadas em um momento na qual a história se leva um pouco pela fantasia. Na verdade, o que mais me assustou foi uma mulher toda de branco que passou duas vezes ao meu lado.
No relógio, 1h35 da manhã e o filme encerra. Alguns aplausos. O final, apesar de não tão surpreendente, foi libertador. E me fez refletir sobre o que assusta e o que liberta. Um terror não precisa fazer gritar, e sim causar tensão e reflexão. E foi exatamente assim que o filme de Robert Eggers me afetou. Passados quase 400 anos, ainda existe um temor pelo desconhecido. A bruxa do filme realmente existe. Resta a quem assistir identificá-la de acordo com sua visão.
Premiado em quatro festivais, "A Bruxa" estreia nos Estados Unidos no dia 26 de fevereiro de 2016. No Brasil, ainda não tem data para o circuito comercial, mas estará em mais quatro sessões da 39ª Mostra de São Paulo. O circuito está disponível no site oficial do evento: http://39.mostra.org/br.
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