Rodrigo Teixeira, o produtor brasileiro parceiro de Martin Scorsese
O escritório no segundo andar da casa, no bairro de Higienópolis, em São Paulo, revela parte da personalidade de Rodrigo Teixeira, um dos principais produtores de cinema do país e pioneiro na atuação brasileira em filmes norte-americanos. Dois deles, "A Bruxa" e "Mistress America", que chegarão em breve ao circuito comercial, lotaram todas as sessões da Mostra de São Paulo deste ano. Recentemente, Teixeira anunciou parceria com um de seus ídolos Martin Scorsese e juntos eles buscam novos talentos para financiar.
Uma parede inteira da sala é tomada por livros, do chão ao teto. Entre eles, há "Desonra", de JM Coetzee; e "Casei Com um Comunista", de Philip Roth. É um espaço pequeno para tantas obras --alguns esperam no chão por um espaço na prateleira. "Eu não li tudo isso", avisa ele, antes mesmo de ser questionado. "Mas eu gasto dinheiro toda semana com livros. Tenho uma relação muito forte com a literatura", disse ao UOL, o carioca criado em São Paulo.
O produtor tenta lidar com a vontade do artista com o que é possível fazer. É alinhar as expectativas e não gerar frustrações, o que exige também muita sensibilidade Rodrigo Teixeira, produtor
Um pitada de direção
A paixão pela literatura vai além de hobby e afeta diretamente no jeito de Teixeira trabalhar. Um de seus primeiros trabalhos como produtor, "Cheiro do Ralo" (2006) é baseado no romance de Lourenço Mutarelli, de quem ele é amigo hoje. Com orçamento de R$ 300 mil, financiado por Teixeira e outros produtores, o filme levou mais de 170 mil espectadores aos cinemas e arrecadou R$ 1,372 milhão, um bom desempenho para um longa de nicho.
Funciona mais ou menos assim: Rodrigo abre um de seus milhares de livros e, deles, pode surgir um argumento para um filme. Depois disso, busca os direitos autorais, e então busca um diretor para ele e, às vezes, até um ator bom para aquele papel. "Com certeza eu penso como roteirista, mas tenho de dificuldade de escrever porque tenho um pouco de dislexia. Troco letras de lugar. Meu cérebro funciona mais rápido que a minha escrita".
Envolver-se na parte artística, explica ele, é um método particular de trabalho, não necessariamente da classe de produtores. Na medida em que o projeto avança, Rodrigo procura a melhor maneira de financiá-lo, e é aí que entra o trabalho de supervisão de um projeto. "O produtor tenta lidar com a vontade do artista com o que é possível fazer. É alinhar as expectativas e não gerar frustrações, o que exige também muita sensibilidade".
Um cinéfilo administrador
Apesar da paixão pela literatura e pelo cinema "desde que se entende por gente", o início da carreira foi bem longe das telas. Fez faculdade de administração e trabalhou um ano no mercado financeiro. "Não era comum procurar a formação em cinema na minha época. ADM era muito mais viável. Aprendi muitas coisas, como a linguagem dos bancos, mas não dá para dizer que tive uma carreira bem sucedida no mercado financeiro", diz ele, já imaginando um roteiro. "Seria uma história linda, imagine. Saiu sabático do mercado financeiro e abriu uma empresa de entretenimento que funciona".
Apesar de já ter financiado muitos projetos sem ajuda da Ancine, o produtor diz que o fundo setorial é essencial para a indústria. "Impossível um profissional hoje ser contra esse incentivo. A coisa mais importante é a Ancine dialogar com os produtores, distribuidores, exibidores, técnicos para aprimorar os mecanismos que já existem". Ele diz, no entanto, que fica chateado com a falta de investimento no empreendedor brasileiro. "Não estou falando de Ancine, é mais a estrutura de pensamento político e econômico no Brasil, que vê o empreendedorismo como uma coisa de risco. Isso faz com que a gente não arrisque e fique mais no papai e mamãe".
Carreira internacional
De "Cheiro do Ralo" para cá foram outros 20 projetos. O filme "Alemão" (2014), sobre a ocupação policial no morro carioca, foi seu maior sucesso comercial. Com R$ 1,2 milhão captado, o filme levou quase 1 milhão de espectadores ao cinema, com lucro estimado em mais de R$ 15 milhões. Segundo o produtor, o sucesso nem sempre é medido na bilheteria. "Às vezes um filme não te dá lucro financeiro, mas traz um retorno de imagem que vale bem mais. Uma empresa pode chegar até você pela capacidade que tem de criar certo tipo de produto. É a forma de trabalhar que vai valorizar você".
Dessa forma de trabalhar para o apoio de filmes americanos foi um pulo, por dois motivos: gosto pessoal e boa oportunidade de negócio. Sem conhecer outros produtores que já faziam isso, ele meteu as caras. "Sempre quis fazer isso, mas não sabia muito bem como. Não conhecia outros produtores brasileiros querendo trabalhar em produções americanas. Mas não via motivo para não fazer. O dólar na época (2008) era baixo. E gosto muito de filmes americanos. Minha infância toda foi pautada por eles e os filmes que produzo são muito baseados no meu gosto pessoal".
Parceria com Scorsese
Sobre a parceria com o ídolo Scorsese, Teixeira ainda mantém o suspense. "Para não criar uma imagem errada, ainda não trabalhamos com informações abertas. Isso provavelmente vai acontecer no ano que vem". Muitos projetos já estão sendo analisados e Rodrigo já diz que pode errar muito durante o processo. "É um projeto mutante. Também consideramos abrir para diretores mais consagrados, mas, por enquanto, permanecemos com novos talentos".
Para o produtor, será um privilégio para esses jovens ter o filme discutido por um mestre de direção. "Só o fato de ele estar envolvido gera um interesse maior por aquele filme. Fica mais fácil para esse novo diretor surgir no mercado. A ideia é essa. O Scorsese gosta também de se associar ao novo. È um ser humano que pretende ficar perto do que está aparecendo é uma alma muito jovem". Em comunicado oficial, Scorsese diz que se sente energizado ao trabalhar com o brasileiro.
Outras telas
Sua primeira aventura além-fronteira foi o aclamado "Frances Ha", com Greta Gerwig, que não teve grande bilheteria, mas fez sucesso no Netflix. Cinéfilo, Teixeira, com 38 anos, já não assiste somente filmes americanos. "Quando fui ficando mais maduro fui abrindo a cabeça para outras cinematografias, como a da Europa, América Latina". Dos cem filmes que assistiu este ano, pouco mais de 10% foi no cinema, o que faz o produtor acender o radar para novas telas.
"Ainda não é comprovado a vantagem de levar um filme para outras telas. Em relação ao Netfilx, ainda é mais vantajoso para eles, que têm toda a plataforma, do que para o produtor que está cedendo uma obra. Num futuro próximo, acho que lançar em duas telas pode ser uma estratégia vencedora, como aconteceu com 'Beasts of no Nation', que estreou ao mesmo tempo no streaming e nos cinemas".
Mesmo com a carreira se expandindo no exterior, ele continua investindo em filmes brasileiros com empenho. São três projetos nacionais vindo aí, com José Eduardo Belmonte ("Alemão"), Marco Dutra ("Trabalhar Cansa") e Gabriela Amaral de Almeida, que estreia em longa-metragem.
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