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Guilherme Fontes: "Tenho escrúpulos, não sou como Chatô"

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

17/11/2015 12h51

O ator e diretor Guilherme Fontes era um jovem de 28 anos, rico e famoso quando decidiu levar às telas a vida do magnata das comunicações, Assis Chateaubriand, um "Cidadão Kane brasileiro". Ambicioso como seu personagem, Fontes acumulou dívidas astronômicas por não conseguir dar cabo ao projeto, que, 20 anos, algumas dívidas e muitas brigas na Justiça depois, chega enfim às salas de cinema nesta quinta-feira (19).

"Eu tenho escrúpulos, não sou como o personagem. Chatô tinha bem menos", disse ele, em entrevista ao UOL. As redes Itaú e Grupo Estação confirmaram à reportagem a estreia do filme em três salas cada. Nas redes Cinesystem e Kinoplex, ambas no Rio, o filme estreia apenas em uma sala. Na rede Cinemark, o filme estreia em duas salas no Rio, em três em São Paulo e em uma em Campinas. 

"Chatô" custou mais de R$ 8 milhões, valor bem acima das grandes produções da época --"O Auto da Compadecida" (2000), por exemplo, não passou de R$ 3,5 milhões. No entanto, Fontes garante que o valor do trabalho ficou abaixo do que qualquer outro do mercado, já que, além do filme, o projeto compreende também uma minissérie e um documentário, que ele pretende lançar em breve. 

Segundo Fontes, o direito à captação de mais verba lhe foi negado porque "o sistema, a Ancine (Agência Nacional do Cinema) e o MinC (Ministério da Cultura) precisavam de um bode expiatório para criar regras e leis". "Eles me usaram, e era fácil me usar porque sou um ator conhecido".

Fontes diz que o projeto não foi maior do que podia abraçar. "Eu cheguei aos 28 anos com dez anos de sucesso ininterrupto. Ora bolas, aonde você vai depois de uma coisa como essa? Ou você se recolhe, vai para casa ou você faz um projeto, um plano de vida". 

UOL - O que impediu o filme "Chatô" de ir para frente?

Guilherme Fontes - Nem foi a Ancine nem o sistema. Nada do que eles fizeram contra mim impediu o filme. O impeditivo sempre foi o dinheiro. Quem tem dinheiro não precisa da Ancine. A Ancine atrapalha a vida de muita gente.

Atrapalhou mesmo? Você recebeu autorização para captar muito dinheiro.

A Ancine me atrapalhou desde que nasceu, e nasceu depois do filme. Ela abraçou o ódio ao filme. Foi intolerante, nunca me recebeu. Teve uma postura muito "aos amigos tudo; aos inimigos, a lei". Eles me prejudicaram demais e atrasaram meu filme em mais de dez anos.

Isso tudo por conta dos pedidos de prestação de contas?

Sim, o que foi uma grande mentira, uma grande balela, que todo mundo caiu como pato. Desde o primeiro momento eu apresentei o filme, as notas correspondentes ao valor tomado. Apresentei comprovantes até maiores do que eu era obrigado a apresentar. Foi uma balela. Enganaram todo mundo.

Você foi queimado pela classe artística ou por parte dela?

Veja bem, eu tive muito carinho, muito apoio e muito respeito de muita gente. Aquela gente que ficou falando de mim por trás, sinceramente, me parece mais um grito de desvalidos. É um ranço em relação às dificuldades que o cinema propõe para todo mundo. É muito fácil achar um culpado para os seus problemas. O sistema, a Ancine, o MinC precisavam de um bode expiatório para criar regras e leis num mercado muito prostituído. Eles me usaram, e era fácil me usar porque sou um ator conhecido.

Você disse há pouco que eu captei bastante dinheiro, e isso não é verdade. O filme ficou parado porque eu não captei o recurso programado, planejado. Não tem essa de muito dinheiro. A questão é que eles me caçaram e eu fui impedido de concluir o meu projeto, por ciúme, por inveja, por intriga, por oportunismo, por tudo isso. Eu comecei muito cedo. Conheço as dificuldades do negócio. Agora é vida que segue. Não estou preocupado com o que pensaram de mim, mas sim de que não deixem de pensar ou falar sobre o filme.

"Fui impedido de concluir o meu projeto, por ciúme, por inveja, por intriga, por oportunismo" - Guilherme Fontes

Como começou esse ódio ao filme que você diz?

Não houve ódio ao filme, o que houve foi uma intriga de um ser humano, um funcionário público, político. Ele resolveu mostrar ao mercado que ele era durão. Como quem diz: "Andem direito porque pode acontecer com você o que aconteceu com ele". Agora ele fica aí na televisão falando de corrupção. É uma piada.

De quem você está falando?

Do secretário do Audiovisual da época. [Ao UOL, o cientista político José Álvaro Moises, secretário do Audiovisual em 1999 e 2002, afirmou que não conhecia Fontes pessoalmente e que o diretor recebeu o mesmo tratamento dado a outros produtores culturais que chegaram ao MinC. "Todos os procedimentos adotados estão registrados no Ministério da Cultura e seguem a lei. Ao usar recursos públicos há uma série de procedimentos que devem ser cumpridos de acordo com a lei. As contas apresentadas por Guilherme estavam irregulares e ele foi orientado a corrigi-las, o que não foi feito. Após isso, adotamos o procedimento padrão, que é realizar a tomada de contas e direcionar o caso ao Tribunal de Contas"].

Veja o trailer do filme

TV Folha

E qual foi a participação do cineasta Luiz Carlos Barreto nessa história?

Ele pressionou esse ser humano aí, chantageou. Sei lá o que ele fez com o cara. Eu sei que ele gastou muito tempo fazendo isso, tentando me tirar do negócio. [O UOL entrou em contato com o produtor, mas não obteve retorno].

Foram R$ 8 milhões para um filme para o cinema da Retomada, captados por um diretor estreante. Era de fato muita coisa, não?

Preste atenção. Aí é que está o engano que vocês foram levados a acreditar. O projeto "Chatô" não é um produto só. O longa-metragem não é o projeto total. O projeto Chatô custou muito menos do que qualquer outro projeto do mercado, mas muito menos. O filme propriamente dito. Você tem R$ 8,6 milhões, que duraram três anos e que dão uma média de R$ 2 milhões ou R$ 3 milhões por ano, o que é nada. A Globo gasta isso em três episódios de televisão. Isso aí é uma balela. Foi um engano que esse senhor fez e que deu esse prejuízo aos cofres públicos. Ao contrário do que parece, o grande responsável por esse prejuízo é esse senhor.

Qual era o projeto "Chatô"?

Eram 12 capítulos de documentários sobre os personagens do livro, além do longa. Personagens que estavam me inspirando a fazer o filme. Como eu tinha pegado todos os personagens que iam me inspirar para um filme e transformasse esses personagens em documentário, esses documentários iam ajudar a não só a divulgar como levantar recursos para o filme. [pausa] Deixa eu te perguntar uma coisa, você está gravando ou anotando?

As entrevistas são sempre gravadas.

Ah, que bom. Melhor. Porque fica mais fácil. Quando você escreve e a pessoa fala muito rápido, você não consegue pegar. Já sofri muito com isso. Há uma cena no filme em que Chatô encontra Getúlio [Vargas]. Getúlio recebe Chatô e pergunta: "Posso começar a ditar?". Aí o Chatô diz: "Você faz a revolução, e eu faço o meu jornal". Hoje em dia, então, é muito sério isso.

Voltando à conversa, eram muitos projetos envolvendo Chatô. Não foi demais para um jovem de 28 anos?

Preste bem atenção no que vou dizer. Eu cheguei aos 28 anos com dez anos de sucesso ininterrupto. Ora bolas, aonde você vai depois de uma coisa como essa? Ou você se recolhe, vai para casa, ou você faz um projeto, um plano de vida. Ou seja, eu peguei o livro para estabelecer os planos principais da minha empresa. Eu tinha um plano e esse plano tinha um preço. Existe uma lei de incentivo e eu a li de ponto a ponto. Aprovei o projeto dentro da legalidade. Aí depois, se o mercado se prostituiu, eu te garanto, não era eu. Tanto é que o tempo se confirmou.

Então você estava muito seguro do que você estava fazendo?

Sim, 100%. Eu fiz uma holding [empresa com participação acionária majoritária em outras empresas] que ia atuar em vários negócios. Eu não queria mais ser um simples funcionário na prateleira da TV Globo. Acho que os atores emburrecem. Eu mesmo tinha muito medo de me emburrecer como ator. Então, eu fui para outras paragens, nada demais.

Você estava encarando o processo como um crescimento?

Então, uma pessoa de 20 anos não pode querer crescer? Tem que esperar fazer 50? Piada. Palhaçada. Estou escrevendo um espetáculo agora que se chama "Esse Otário Sou Eu - Palhaçada Não Tem Hora".

É serio isso?

Seríssimo. Será sobre isso tudo o que eu vivi.

É sobre o caso Chatô?

Não. O Chatô é só um motivo para isso. Somos todos otários no Brasil. A gente coloca os cara lá, eles fazem normas e só nos prejudicam. É muito ridículo ter sucesso no Brasil.

Como isso te afetou psicologicamente por esses anos todos?

Muito.

Você precisou procurar ajuda?

Eu tenho uma família muito legal, muito alegre, muito grande, muito educada, que não tem problemas com essa história de sucesso, nada disso. Eu também não tenho. Eu entendo que a vida é feita de sucessos e insucessos. Isso aí acabou sendo só uma passagem.

Hoje você encara como uma passagem?

É. Nada mais. Não tenho o que falar sobre isso, entende? Eu estou aqui firme, feliz, em pé, esse tipo de gente passa. Não há mal que perdure tanto. Está tudo bem agora. O filme é lindo. Estou superfeliz, as pessoas vão achar superlegal. Tenho impressão de que vai ser um bom impacto.

E esses outros projetos do Chatô, você vai continuar tocando?

Sim. Vou organizar os meus negócios e vou continuar pesquisando. Quero transformar pesquisa em documentário, peça de venda de um projeto de ficção. Quero fazer coisas que deixem claramente a impressão de que foi bem cuidado. Nesse negócio você não pode medir esforços para fazer o melhor. Você não pode entrar em um negócio e fazer de qualquer jeito. Isso não existe. Isso é sério. Isso não é brincadeira. É brincadeira para quem assiste, mas para quem faz é serio.

Por isso que você relutou para lançar "Chatô" com o que você tinha?

Não é que eu relutei. Você não usou a palavra certa. Eu impedi esses anos todos que o filme fosse lançado. Eu prometi uma coisa e tinha que cumprir. Cumpri. Demorou. Eu levei três anos para fazer 80% do meu plano. Depois, por causa de um sujeitinho qualquer, que não vai com a sua cara e que pode ter graves ou más intenções por trás, vou ser alijado do sistema.

Você alguma vez já relacionou sua vida com a do próprio Chatô? Ele também era um cara de muitos projetos e muitas dívidas.

Aí não. Eu tenho escrúpulos, não sou como o personagem. Ele tinha menos escrúpulos, bem menos. Eu tenho escrúpulos, muitos. Eu só queria que as pessoas fossem ver o meu filme. Só isso que eu desejo agora.