Crítica: Histérico, anacrônico e safado, "Chatô" é extremamente brasileiro
"Ih, corre, tá começando. Deixa ele entrar, deixa ele entrar!" Guilherme Fontes nunca tinha me visto, mas queria que eu assistisse a sua tão esperada quanto polêmica estreia como diretor. Aliás, depois de dezesseis anos, ele parece ávido para que todos assistam a seu "Cidadão Kane" tropical, um filme histérico, quase histriônico, algo delirante, que parece querer tomar para si algumas das características mais marcantes de seu protagonista, o magnata da imprensa brasileira Assis Chateaubriand.
A gestação de "Chatô, o Rei do Brasil", versão cinematográfica do livro de Fernando Morais, finalmente chegou ao fim e Fontes parece preparado para a chuva de críticas que são naturais diante da trajetória do longa.
Desde os créditos iniciais, em que imagens documentais entregam a cena para um Chatô vestido e maquiado como índio, falando de suas origens paraibanas e de sua natureza antropofágica, fica muito claro que o projeto é, em todos os sentidos, bastante ambicioso. Esta alegoria de abertura antecipa o tom que Fontes vai utilizar para construir sua personagem e seu projeto.
Seu Chateaubriand quer devorar o mundo e o diretor procura traduzir isso com um humor o mais brasileiro possível. "Chatô", em sua essência, tem uma safadeza inerente. Não uma safadeza ligada a sexo, mas uma picardia malandra, que deixa menores alguns dos problemas do filme, nem sempre claro em relação a suas ideias, como se o diretor usasse um pouco do jeitinho brasileiro para compreender sua personagem.
Para fazer um filme importante, Fontes recorreu a uma série de recursos narrativos que tentam dar imponência à história. Além de uma montagem que embaralha a trajetória do personagem principal, o cineasta intercala momentos de delírio de Chateaubriand, que ganham tom de anedota, mas amarram o devaneio típico de seu homenageado.
Há uma grande preocupação com a direção de arte, com cenários que levam uns aos outros, atravessando a história de Chateaubriand em segundos, costurando um fluxo temporal próprio para o filme, um tanto confuso pela quantidade de informações históricas, mas principalmente ágil em sua arquitetura narrativa, se afastando do esquema tradicional e engessado de nossas cinebiografias.
Para além dos bastidores das denúncias de superfaturamento, o efeito dessa década e meia de hiato entre o início da produção e o lançamento do filme causa um estranhamento interessante, porque muitos dos atores que fazem parte de nosso imaginário coletivo audiovisual parecem congelados no tempo. Mas o casting funcionou muito bem.
Marco Ricca, que parecia uma escolha arriscada para interpretar um paraibano, está excepcional no papel-título, surpreendendo no sotaque nordestino, moderado, distante do que as novelas globais martelaram nos ouvidos do brasileiro por anos. Ele encontra um equilíbrio difícil para recuperar o comportamento explosivo de Chateaubriand, sem que seus trejeitos pareçam apenas uma repetição.
Ricca entendeu exatamente o tom que Fontes imaginou para a produção e construiu uma personagem tal qual o filme, ora grandioso, ora falível. Há uma impressão geral de fragilidade no longa, mas ele nunca sucumbe a essa sugestão, o que, por sinal, dá certa humanidade ao projeto, que é ambicioso, mas nunca parece realmente afetado.
Do elenco de apoio, Andréa Beltrão, como Vivi Sampaio, é a melhor: também incorpora a malandragem visada pelo cineasta. Está excelente no papel e garante muito da amoralidade que o filme retrata. Paulo Betti faz um Getúlio bem mais interessante que o defendido por Tony Ramos recentemente. E Gabriel Braga Nunes, em início de carreira, já se revela um ator de primeira grandeza.
"Chatô" começou a ser filmado em 1999. Ou seja, é de uma época em que o cinema brasileiro ainda ensaiava seus primeiros passos depois de Collor destruir a indústria nacional. Walter Salles já havia assinado "Central do Brasil", mas Fernando Meirelles ainda era o diretor de "Menino Maluquinho 2".
E, hoje, dezesseis anos depois, contando uma história que compreende mais de 60 anos no início do século passado, parece bastante atual, tanto na maneira com que retrata os mecanismos da política e da imprensa quanto no retrato de um homem tão contraditório, do modo bruto à formação ilustrada, da capacidade de criação ao proselitismo fora da lei. É um filme sem data, sem ser datado, o que surpreendentemente parece casar com o anacronismo da narrativa.
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