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Em busca do diálogo na arte, Lázaro Ramos diz que país precisa escutar mais

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

03/12/2015 02h00

Seja na pele do músico milionário Mister Brau ou do ativista Martin Luther King na peça “O Topo da Montanha”, Lázaro Ramos tem buscado o diálogo através do entretenimento. Para ele, o Brasil vive um período em que é preciso escutar mais do que falar.

“O Brasil passa por um momento onde tem muita gente dando opinião sobre tudo, se expressando, mas falta muito uma escuta. O diálogo para enxergar o bem comum, que diz respeito às nossas inquietações atuais”, diz o ator, em entrevista ao UOL.

“Isso está na minha busca, em todos meus trabalhos. Encontrar um lugar de escuta. Quero usar os artifícios de entretenimento que existem para ser escutado.”

O ator volta aos cinemas nesta quinta-feira (3) com um belo exemplo dessa procura. Dirigido por Sérgio Machado, com quem o ator já havia trabalhado em “Cidade Baixa” (2005), “Tudo que Aprendemos Juntos” é inspirado na história real da formação da Orquestra Sinfônica Heliópolis, na periferia de São Paulo, projeto do Instituto Baccarelli.

Lázaro vive Laerte, um músico promissor que sofre uma crise em plena audição para uma vaga na maior orquestra sinfônica da América Latina, a Osesp. Frustrado, ele passa a dar aulas de música clássica na comunidade.

Seu personagem chega indiferente a um ambiente de pobreza e violência, sem encarar aqueles jovens. “Nas primeiras cenas, eu não olho no olho de ninguém. Essa é a mensagem do filme. A partir do momento em que o personagem olha de verdade, e se relaciona, aí sim ele começa a ver o outro e a se transformar”, observa.

Assim como seu personagem, o próprio ator abriu bem os ouvidos –e os olhos– com o convívio com os atores, muitos deles moradores da comunidade. “Só seria possível fazer esse filme se eu olhasse de verdade para eles e se eles me vissem como eu sou de verdade, e aí sim a gente se relacionasse”.

Deu certo. O elenco se entregou durante dois meses com a preparadora de elenco Fátima Toledo e, já nas filmagens, a um verdadeiro jogo de improviso. Em muitos momentos, o drama real se misturara ao da ficção.

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Assim foi com a jovem Girleide. Em uma longa cena de discussão na sala, sobre a necessidade de se ter aula aos sábados, ela explode: “Todo mundo tem problema, meu. Eu vou vir no sábado, sabe por quê? Porque eu já passei por muita coisa na minha vida, fui jogada fora, minha mãe não sabe quantos irmãos eu tenho”.

As filmagens foram interrompidas devido a emoção no set. “O filme foi o tempo todo assim, intenso. Das cenas mais delicadas e afetuosas até às cenas de conflito. Não teve um dia que eu não voltava para a casa cansado. O dia era exaustivo emocionalmente e não só nas cenas de conflito”, conta Lázaro.

E houve conflito. Na cena da manifestação dos moradores contra a polícia, os ânimos dos atores e figurantes se acirraram para além da encenação. Era como se os policiais fossem de verdade, e a morte pela qual eles protestavam fosse real – e quantas vezes não são?

“Sérgio [Machado] canalizou isso, com um jeito bem delicado que ele tem, para transformar em cena. Se ele não tivesse tido essa habilidade, teria acontecido uma coisa mais pesada. Alguém teria apanhado de verdade, teria tomado uma pedrada na cabeça”, relembra o ator.

Mestre e aprendiz
Lázaro foi o último a entrar no elenco do filme. Inicialmente para viver o melhor amigo do protagonista. “Quando li o roteiro, eu entendia tanto aquelas situações, e o que o Laerte falava, que eu não li até o final e disse: ‘Sérgio, para mim é impossível fazer esse filme, vou fazer um personagem querendo o outro, é melhor não fazer’”, conta. O diretor acatou.

A relação entre mestre e aprendiz, que Laerte desenvolve com Samuel (Kaique Jesus), um talento a ser descoberto em Heliópolis, é familiar para Lázaro e remonta ao tempo em que ele se encontrou no Bando de Teatro Olodum, em Salvador, aos 15 anos.

“O teatro teve esse peso para mim, encontrei parceiros que tinham a mesma experiência de vida. Éramos estimulados o tempo todo a pensar na nossa realidade. Não é à toa que a Orquestra de Heliópolis tem essa projeção internacional que tem hoje”, observa.

“Quando você olha para o outro com o olhar de confiança, de estímulo, não algo a ser rejeitado, isso faz toda diferença. Isso me emociona.”