Coppola aposta em "cinema ao vivo" como futuro para a sétima arte
À época do lançamento de “Apocalypse Now” (1979), Francis Ford Coppola defendia que o futuro do cinema estava no suporte digital, tecnologia que ampliaria o acesso de realizadores e do público aos filmes.
Quase 35 anos depois, o visionário diretor americano começa a tirar do papel a ideia para uma nova forma de difusão de filmes, chamada por ele de “live cinema” (cinema ao vivo, em tradução livre). Testado em junho passado com estudantes de uma faculdade municipal de Oklahoma, nos Estados Unidos, em resultado acompanhado simultaneamente em sessões fechadas em Paris, Nova York e Los Angeles, o projeto tem como base a saga de uma família ítalo-americana, como a de “O Poderoso Chefão”.
“Os filmes hoje são arquivos digitais, não precisam ser editados, podem ser exibidos de formas diferentes todos os dias, ou mesmo serem transmitidos ao vivo. Mas não é como TV ao vivo, que é limitada por tempo”, explicou Coppola, 76s, durante o 15º Festival de Marrakech (Marrocos), onde serviu como presidente do júri.
“Imagine atores seguindo um story board de um filme da Pixar, por exemplo, e atuando diante da câmera. Foi o que fizemos em Oklahoma. Peguei umas trinta páginas da história que estou desenvolvendo, os alunos e um palco. Aprendi muito nessa experiência com a transmissão ao vivo. Não é teatro, não é cinema, não é TV; é algo diferente”.
Batizado provisoriamente como “Distant Vision”, o novo projeto acompanha três gerações de um clã de imigrantes italianos, contada paralelamente à trajetória da televisão como entretenimento, de seu surgimento à era da difusão via internet. A ação transcorre em diferentes épocas e espaços físicos.
Como dar conta de hercúlea produção ao vivo? Nem Coppola sabe ao certo. “Já fiz muitas coisas sem saber exatamente o que estava fazendo. Lembra dos helicópteros de ‘Apocalypse Now’? O que estava pensando? Não tinha a menor ideia, na época, de como poderia fazê-los destruir um vilarejo cenográfico no meio da floresta. A gente acaba fazendo na prática".
O conceito de um cinema consumido de forma instantânea começou a tomar forma na cabeça de Coppola alguns anos atrás. “Quando ‘Avatar’ estreou, disseram que o 3D era o futuro do cinema”, lembra Coppola, que pagou muito caro, quase com a falência, por apostar no passado em projetos fora dos padrões, como “O Fundo do Coração” (1981).
“Mas, convenhamos, já tivemos 3D muitas décadas atrás, com 'Bwana, O Demônio' (1952) e 'Museu de Cera' (1953). Há coisas muito mais interessantes do que assistir filmes com óculos especiais. Me dei conta, por exemplo, de que o cinema do futuro estava na mudança de algumas áreas, como na escritura, no planejamento do roteiro. O romance literário mudou muito nos últimos 400 anos. O roteiro de filme também”.
Outro fator determinante no surgimento de um novo cinema, segundo Coppola, é a crescente fusão entre documentário e ficção. “Vivemos o fenômeno do documentário, que nunca foi puro, livre de interferências externas ou de um certo grau de encenação. Basta lembrar de ‘Nanook do Norte’, de (Robert) Flaherty, realizado nos anos 1920”, exemplifica o diretor americano.
“Vejo essa reconciliação do documentário tradicional com a ficção clássica como um futuro excitante para o cinema. A televisão ao vivo, hoje em dia, é a cobertura de grandes eventos. Há também os espetáculos de ópera, que hoje são assistidos em diferentes partes do planeta. O horizonte do cinema é muito vasto, há muitas possibilidades. O que prejudica são nossos preconceitos”, diz.
Reféns das bilheterias
Assim como seus últimos trabalhos como diretor, como “Tetro” (2009) e “Twixt” (2011), “ Distant Vision” será produzido de forma independente. “À exceção de alguns poucos, os cineastas não têm controle sobre nada hoje em dia, estão apenas tentando fazer um novo filme. Mesmo alguns desses poucos, como Steven Spielberg, que está no topo do negócio, precisa fazer concessões, cortar orçamentos para fazer seus projetos”, alfineta. “Agora, então, que a grande população chinesa se tornou um mercado potencial, que adora filmes de ação mais do que qualquer cultura no mundo, essa situação só tende a piorar”.
Coppola espera que, como no passado, as perspectivas de quem faz e de quem assiste filmes mude. Foi assim com a superprodução “Apocalypse Now”, considerado um suicídio profissional na época, marcada por diversas baixas na equipe, intempéries climáticas e falta de fundos, mas que acabou virando um clássico.
“Como passei meses filmando nas Filipinas levei meus filhos pequenos, Sofia, Roman e Gian-Carlo (que morreu nos anos 1980). Cheguei a por Sofia numa escola chinesa. Sei que acabei com as habilidades escolares deles, mas aprenderam muitas coisas naqueles lugares exóticos. Éramos como uma família circense e, como tal, as artes circenses são passadas de geração para geração”, ri o cineasta, orgulhoso de ver os filhos na mesma profissão.
O diretor também coleciona pérolas de sua convivência com Marlon Brando, contratado a peso de ouro por três semanas de trabalho. “Acho que feri os sentimentos dele quando reclamei em público de que ele chegou ao set fora do peso. Pessoas gordas se sentem confortáveis com o peso, ele não, e eu tinha um abacaxi prático para resolver. As roupas não cabiam nele”, lembra.
“Mas Brando era um doce de pessoa, um gênio. Ele tinha uma memória terrível, por isso aquele estilo meio murmurante de interpretação. Mas um homem muito afetuoso. Tive que gravar passagens do roteiro, escrito na noite anterior a partir de conversas com ele sobre o sentido da vida, para que ele pudesse repetir no set”.
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