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"As Sufragistas": Elas não tinham hashtags, mas fizeram muito barulho

Natalia Engler

Do UOL, em São Paulo

23/12/2015 07h00

Depois de meses em que a luta pelos direitos das mulheres esteve na boca do povo --do Enem às hashtags #meuprimeiroassedio e #meuamigosecreto, passando pelos protestos contra os projetos de lei do deputado Eduardo Cunha-- é bastante oportuno que 2015 termine com a estreia de “As Sufragistas”, filme que resgata uma das primeiras vezes em que as mulheres se organizaram como movimento social para reivindicar seus direitos.

Os direitos, no caso, eram coisas tão básicas quanto o voto, a participação na vida política, a guarda dos filhos e a possibilidade de ter propriedades em seus nomes, coisas que ainda eram negadas às mulheres na Inglaterra do início do século 20, onde o filme se passa, e também no resto do mundo.

Apesar de o movimento ter ficado mais conhecido pela reivindicação do direito ao voto, na verdade as sufragistas lutavam pela igualdade em todos os terrenos, inspiradas pelos mesmos ideais iluministas e humanistas que levaram à Revolução Francesa e formaram a base da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, mas que ainda excluíam as mulheres da vida pública.

Nessa luta, as sufragistas acabaram deixando duas contribuições que vão muito além do feminismo: a ideia de solidariedade (em substituição a fraternidade, que significa apenas irmão homem), e novos métodos de protesto e luta cívica --como grandes manifestações, greve de fome, interrupção sistemática de oradores com perguntas etc.

“As Sufragistas” mostra todos esses aspectos do movimento através da história da fictícia Maud Watts (Carey Mulligan), uma jovem operária que ficou órfã cedo e leva uma vida dura ao lado do marido e do filho pequeno. Ao conhecer uma colega de trabalho que participa do movimento sufragista, ela vai aos poucos se dando conta das injustiças que sofre diariamente, como o abuso do patrão, o salário mais baixo do que o dos homens (apesar de trabalhar mais horas) e a falta de controle sobre a própria vida, já que cabem ao marido as decisões financeiras e sobre o filho.

Sem se tornar panfletário, e focando mais no drama de Maud do que nos grandes acontecimentos, o filme dirigido por Sarah Gavron consegue traçar com sutileza paralelos entre ontem e hoje, mostrando que não avançamos tanto quanto algumas pessoas pensam --podemos votar, sim, mas ainda são muito poucas as representantes das mulheres na política; o julgamento moral daquelas que escolhem se dedicar a uma causa em detrimento da família também é forte; os salários ainda são menores e os abusos, frequentes.

Mesmo o direito ao voto não é algo conquistado há tanto tempo. Na Inglaterra retratada no filme, ele foi obtido em 1928; no Brasil, em 1932; enquanto em países do Oriente Médio a conquista é ainda mais recente, com a Arábia Saudita permitindo apenas este ano que as mulheres votassem e se candidatassem a cargos políticos.

Maud é uma personagem fictícia, mas foi baseada em mulheres bem reais, algumas delas retratadas diretamente no filme. Conheça as personagens reais que inspiraram “As Sufragistas”.

AVISO DE SPOILERS: SE VOCÊ NÃO QUER SABER DETALHES DA TRAMA DO FILME, NÃO CONTINUE LENDO

Maud Watts

O movimento sufragista era liderado principalmente por mulheres burguesas, mas muitas operárias também se juntaram a suas companheiras mais afortunadas na luta pelo voto e por mais direitos, como acontece com a fictícia Maud. Uma das mulheres reais que inspiraram a personagem foi Hannah Webster Mitchell. Nascida em uma família pobre em 1872, ela cresceu sem se conformar com a diferença de tratamento entre ela e seus irmãos. Inicialmente, considerou o sufragismo uma questão de classe média, porque havia uma exigência de propriedade, e se envolveu com o movimento socialista, mas acabou se juntando à União Social e Política das Mulheres (WSPU, na sigla em inglês), organização retratada no filme, e chegou a ser presa após interromper uma reunião política.

Emmeline Pankhurst

Meryl Streep faz uma participação especial como a líder da WSPU Emmeline Pankhurst, que inspira as personagens do filme assim como inspirou de verdade muitas sufragistas inglesas. Ela fundo a WSPU em 1903, aos 43 anos, quando já era viúva, com o lema "ações, não palavras". Entre 1908 e 1914, Pankhurst foi presa 13 vezes e entrou em greve de fome em diversas ocasiões. Uma das prisões foi por ter assumido a autoria do atendado contra a casa de verão do chanceler do tesouro David Lloyd George, que aparece no filme. Suas ações só foram suspensas para apoiar os esforços da Primeira Guerra Mundial. Com o fim do conflito, em 1918, parte das mulheres inglesas receberam o direito ao voto, que foi estendido a todas as mulheres em 1928.

Edith Ellyn

A farmacêutica interpretada por Helena Bohan-Carter, que tem o apoio do marido na luta pelos direitos das mulheres, nunca existiu, mas foi inspirada em duas mulheres reais. A primeira foi Barbara Gould, química e psicóloga que fez parte da WSPU e foi apoiada por seu marido, Gerald, participando ativamente de atos como quebrar vitrines com pedras. Ela deixou a WSPU por divergências e fundou outra organização em 1914, a Sufragistas Unidos, da qual participavam tanto homens quanto mulheres. A segunda inspiração, citada por Bohan-Carter, foi Edith Garrud (foto), que dava aulas de artes marciais e defesa pessoal para as sufragistas se protegerem da polícia e do público que as hostilizava.

Emily Wilding Davison

Assim como Pankhurst, Emily Wilding Davison, interpretada por Natalie Press, é uma personagem real, que teve um papel trágico mas fundamental na luta das sufragistas. Nascida em 1872, ela se junto à WSPU em 1906 e se tornou uma das militantes mais ativas da organização. Ela foi presa nove vezes e seu último ato de militância ocorreu no Epsom Derby, em junho de 1913, quando ela invadiu a pista de corrida e se jogou na frente do cavalo do rei George 5º, sendo atropelada por ele. Sua morte atraiu a atenção da imprensa para o movimento sufragista e mais de 6.000 mulheres participaram de seu funeral.