Topo

"Reza a Lenda" acerta na boa intenção, mas leva um zero redondo na execução

Roberto Sadovski

Colaboração para o UOL, em São Paulo

20/01/2016 10h46

O longa "Reza a Lenda", com Cauã Reymond, tenta abrir espaço para um novo cinema de ação nacional. Mas consegue fracassar espetacularmente em todos os aspectos. Em um cenário dominado por comédias candidatas a blockbuster e filmes “autorais” (com milhões de aspas) que, não raro, são vistos por ninguém, a iniciativa de apostar em um gênero que geralmente se dá muito bem nas bilheterias no Brasil é louvável. De boas intenções, porém....

A mecânica de um filme de ação é relativamente simples. Tirando as exceções que endorsam a regra, são premissas simples amarradas por uma execução impecável. E uma execução impecável, claro, custa caro.

Além disso, o artesanato que compõe um filme do gênero é como um balé, uma coreografia precisa que necessita de profissionais calejados no ofício – seja uma perseguição automobilística, uma cena de luta ou simplesmente coisas explodindo para estimular os sentidos e disparar a adrenalina em quem está do lado de cá da tela.

"Reza a Lenda" não tem nada disso. A começar pelo básico: uma premissa fácil de seguir. A história gira em torno de um grupo de cangaceiros modernos que singram pelo sertão do Nordeste fazendo.... nada. Mas eles precisam se apossar da imagem de uma santa que aparentemente trará a chuva, mas está em posse de um fazendeiro malvado porque....bom, vai saber. Ainda existe um grupo de hippies (ao menos eu acho que são hippies) no meio do sertão que aparentemente são sábios, mas também são nada confiáveis porque.... bom, também nunca fica claro.

O filme abre com uma perseguição em uma rodovia vazia – ou quase, já que duas garotas, uma delas prestes a se envolver na trama toda, estão passeando pelo meio do nada. A execução da cena é tão tosca que, de cara, "Reza a Lenda" estilhaça uma regra do cinema de ação: é preciso capturar a atenção da plateia de imediato! Depois somos apresentados ao herói da aventura, Ara (Cauã Reymond), que podia ser um personagem bacana se existisse qualquer preocupação em desenvolvê-lo melhor.

Reymond é esforçado e injeta credibilidade ao sujeito dividido entre religião e violência, mas a ele nunca são dadas as ferramentas para que ele dê personalidade ao motoqueiro do cangaço.

O roteiro, por sinal, é a pedra fundamental de todo filme – inclusive de um filme de ação. Personagens precisam ter arcos bem definidos, mostrar quem são, como mudam e evoluem ao longo da trama. Mas "Reza a Lenda" não se preocupa com estes detalhes. Humberto Martins é um vilão mau porque... bom, porque ele é mau, seu pai era mau e, pelo andar da carruagem, seu filho será igualmente mau. Sophie Charlotte (uma motoqueira do bando de Ara) e Luisa Arraes (a tal mocinha que cai de paraquedas na história) protagonizam um triângulo amoroso canhestra com Reymond, que parece existir por alguém dizer “é bacana a gente ter um triângulo amoroso aí”, mesmo que em nada ajude a narrativa.

“Narrativa” é a palavra-chave. Nos bons filmes de ação, a violência, o sexo, a pirotecnia, as armas, lutas e explosões servem para ajudar a fluidez da história. Por isso que "Duro de Matar", de John McTiernan, funciona como um relógio. Por isso que, mesmo filmes de ação menores, como a série "Busca Implacável", com Liam Neeson, conseguem agilidade, apesar do texto pobre: as peças se encaixam, a coisa termina por fazer sentido. Em "Reza a Lenda", a preocupação em pincelar um ou outro estereótipo dos filmes de ação é mais importante com a história que precisa ser contada.

Dinheiro, claro, é outro fator. Só em 2015, o público foi brindado com filmes de ação do quilate de "Mad Max: Estrada da Fúria" e "Missão Impossível: Nação Secreta". É possível ver que cada centavo do orçamento milionário está em cena. Com valores de produção assim, o nosso cinema, mais mirradinho, precisa ao menos buscar a excelência nos detalhes. "Tropa de Elite" é um drama de ação com guerrilha urbana – e seus realizadores foram atrás de Phil Neilson, que trabalhou em "Falcão Negro em Perigo", de Ridley Scott, para dirigir a segunda unidade e “ensinar” aos profissionais brasileiros como criar uma guerra entre os muros de uma cidade.

Mesmo filmes fora do circuito ianque, como "Operação Invasão", de 2011, rodado por pouco mais de 1 milhão de dólares na Indonésia, parecem custar vinte vezes mais pelo cuidado com a produção. O pulo do gato foi concentrar a narrativa nas habilidades marciais de seu protagonista, um policial infiltrado em um edifício dominado por um chefão das drogas – e onde, aparentemente, todo mundo tem um pouco de Bruce Lee. Recentemente, Keanu Reeves protagonizou "De Volta ao Jogo", um filme de ação irritante em sua simplicidade: ex-assassino volta à profissão que abandonara em uma trama de vingança. Ponto. Os diretores, dois coordenadores de dublês que trabalharam com Reeves em "Matrix", capricham justamente onde eles são mestres, mas sem nunca esquecer que existe um fiapo de narrativa amarrando a coisa toda.

Dinheiro, afinal, é parte do jogo, mas não o culpado pelo resultado pobre de "Reza a Lenda". Na pressa em fazer um filme de ação com elementos brasileiros – um “Mad Max do sertão”, como muita gente se apressou em rotular, errando o alvo por quilômetros –, os realizadores esqueceram que o texto, por mais bobo e simplista, precisa fazer sentido. É trabalhar com o roteiro do começo ao fim, fazendo com que a trama, por mais estapafúrdia, seja um bom pano de fundo para as cenas de ação. Que, no fim das contas, não passam de perfumaria, de uma moldura bacana para abraçar uma história sobre vingança e redenção.

“Tentar” não entra na cartilha do gênero, e sim uma boa administração dos recursos em mãos, um roteiro que tenha poucos e bons personagens e o talento para realizar tudo com o papel de parede que o gênero pede.