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Política vira piada nos cinemas: "Pegava mal falar do Lula", diz diretor

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

29/01/2016 10h48

Nunca antes na história das comédias nacionais, que há anos têm liderado as bilheterias, a política foi motivo para tanto riso. Especialmente neste momento, em que a corrupção é apontada em primeiro lugar como o maior problema do Brasil, segundo dados do Datafolha. Enquanto a sátira política de "Até Que a Sorte Nos Separe 3" segue firme em cartaz nos cinemas brasileiros, outras comédias com o mesmo teor chegarão neste ano às telonas. Conforme os escândalos aumentam, o riso afrouxa?

Diretor de "Até Que a Sorte Nos Separe 3", Roberto Santucci tem uma teoria. "Acho que antes pegava mal falar mal do Lula, né?". No filme dele, o personagem Tino (Leandro Hassum) brinca com uma mandioca na mesa da presidente do Brasil, que fala e se veste como Dilma Rousseff. Em outra cena da ficção, Tino mira um soco na mandatária, mas acerta os olhos de Nestor Cerveró --na vida real, um dos pivôs no escândalo da Petrobrás.

No próximo mês de março será a vez de Dira Paes viver uma senadora novata que se envolve em um esquema de corrupção na comédia "Mulheres no Poder". Já em "Uma Loucura de Mulher", com estreia prevista para julho, a vida íntima de um deputado (Bruno Garcia) e sua mulher (Mariana Ximenes) toma lugar na tela.

Em dezembro passado, duas produções estavam em cartaz com personagens com ligações na política. "Até que a Casa Caia", sobre os dramas familiares de um deputado, interpretado por Marat Descartes, estreou em circuito restrito, mas "Até que a Sorte Nos Separe 3" foi além: com seis semanas em cartaz, ainda está atualmente entre os cinco filmes mais vistos e já soma mais de 3 milhões de espectadores.

Trailer de "Mulheres no Poder"

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Realidade x ficção

Ao lado do roteirista Paulo Cursino, Santucci foi o primeiro cineasta a tentar fazer graça com a política nacional em "O Candidato Honesto". O filme mirou no processo eleitoral e estreou no final de semana do primeiro turno de 2014. Na comédia, Hassum é um candidato à presidência que sofre com uma maldição: ele não consegue mais mentir. A clara referência a escândalos e ao marketing político, dignos de uma grande produção, deu certo. O filme foi um dos mais vistos em 2014, com 2,2 milhões de espectadores. Cursino enxerga o renascimento da sátira política: "Estamos reinaugurando esse humor que havia sido calado". 

Santucci conta que o roteiro de "Até Que a Sorte Nos Separe 3" surgiu em 2014, quando "O Candidato Honesto" ainda era finalizado. Foi, então, que recebeu um toque do parceiro: "Está vindo uma crise aí e eu queria fazer um filme sobre isso". 

Cursino defende que a franquia de "Até Que a Sorte" segue a realidade dos brasileiros. No primeiro filme, o personagem de Hassum era o espelho do brasileiro que queria ascender. Na segunda parte, com gravações em Las Vegas, a trama mirava nos brasileiros que passaram a viajar para o exterior. Para o novo filme, a ideia era apenas exagerar a crise. "Mas a realidade foi mais caótica que a ficção", observa. 

O mesmo aconteceu com o cineasta Gustavo Acioli, que escreveu seu primeiro filme, "Mulheres no Poder", em 2009, com personagens femininos, antes mesmo de Dilma chegar à presidência, em 2010. Na história, a senadora descobre a corrupção sistemática em Brasília. "Ela quer interferir no resultado de uma licitação para favorecer uma empresária amiga dela, que é o caso básico da política", adiantou.

Por trás da trama, havia a inspiração dos programas de humor que o Acioli assistia na época da reabertura política, no início dos anos 1980, como "Viva o Gordo". "É um assunto pouco explorado [no cinema]. Veja como os americanos fazem piada com o presidente e os políticos de lá, é de cair o queixo. Somos muito acovardados diante do poder".

"Um Suburbano Sortudo", filme de Rodrigo Sant'anna, no qual interpreta 5 diferentes personagens de uma mesma família - Pedro Curi/Divulgação - Pedro Curi/Divulgação
Cena de "Um Suburbano Sortudo"
Imagem: Pedro Curi/Divulgação
 “Nas redes sociais todo mundo tem opinião. Você entra no táxi e conversa sobre política. Ou seja, não usar esses temas é besteira. Nós traduzimos o espírito do tempo. O zeitgeist” 

Censura política

Cursino justifica com o jargão "a culpa é do PT" o início tardio da nova onda no cinema, que ainda é marolinha. "Até então havia um cerceamento natural de entidades, do politicamente correto. Tudo que você falava do governo era vetado. Isso foi fatal para a comédia política no Brasil. Você não tem mais o 'Casseta e Planeta' na TV. As emissoras falam: 'Agora não dá para bater no governo, é o governo de um trabalhador'". 

O roteirista relata que alguns investidores se recusaram a apoiar "Até Que a Sorte" por não quererem se vincular ao tema. Ele também aponta dedos para alguns humoristas. "O [ator e humorista] Gregório Duvivier, por exemplo, é pró-Dilma e não vai fazer uma crítica a ela. O Porta do Fundos bate mais em religião do que em política. De certa forma, a política nossa hoje é nosso Estado Islâmico. Se você bate nele, tem uma represália em seguida".

Com ou sem cerceamento, ambos filmes foram autorizados pela Ancine (Agência Nacional do Cinema), órgão do governo, para captar R$ 8 milhões cada um. "Até Que a Sorte 3" ainda ganhou R$ 400 mil do FSA (Fundo Setorial Fundo Setorial do Audiovisual). Tanto o diretor quanto o roteirista diz que o filme "não é de direita, nem de esquerda". 

O próximo longa de Santucci, "O Suburbano Sortudo", que estreia no dia 11 de fevereiro, traz os mesmos personagens suburbanos da zona norte do Rio de Janeiro que o ator Rodrigo Sant'anna já defende na TV e no teatro. Mais uma vez, a aposta é nos comentários sociais. Em uma cena do filme, a matriarca de uma "família esquerda caviar do Leblon" --conforme define Cursino-- diz: "Eu sou a favor de que a classe C suba, desde que suba bem longe daqui".

Considerado um Midas das comédias blockbusters, Santucci promete para os próximos anos um filme "sério" sobre o mensalão. Para Cursino, independente do gênero, o segredo é acompanhar os humores e as preocupações do público. "Nas redes sociais todo mundo tem opinião. Você entra no táxi e conversa sobre política. Ou seja, não usar esses temas é besteira. Nós traduzimos o espírito do tempo. O zeitgeist".