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Com elenco surpreendente, "O Quarto de Jack" extrai delicadeza de sequestro

Roberto Sadovski

Colaboração para o UOL, em São Paulo

18/02/2016 11h39

“Quarto” é tudo que Jack, que acabou de completar 5 anos, conhece como seu mundo. As paredes, a cama, cada pedacinho de mobília... É o espaço que ele divide com sua mãe, Joy, é até onde vai seu limite do que é viver, comer, brincar, ser amado no início do filme "O Quarto de Jack", que estreia nesta quinta (18). Existe uma certa doçura em compartilhar essa visão tão particular do mundo com Jack. E, claro, é também algo horrível para sequer contemplar.

Ao encontrar beleza na mais monstruosa das situações, o diretor irlandês Lenny Abrahamson (responsável pelo esquisito e maravilhoso "Frank", com Michael Fassbender) atinge o tom digno para conduzir o roteiro da escritora e dramaturga Emma Donoghue, baseado em seu próprio livro, lançado em 2010.

Joy e Jack são, na verdade, prisioneiros, confinados ao pequeno espaço, uma cabana que tem em sua clarabóia o único vislumbre de um mundo exterior. Mas o menino não tem essa noção. Ele nasceu e cresceu ali, onde sua mãe vive há sete anos o horror de ter sido sequestrada e constantemente violentada por seu captor. E a ilusão de que o quarto e tudo nele são “reais”, enquanto todo o resto só existe na TV, é a solução para manter Jack longe da realidade.

Mas "O Quarto de Jack", que chega à festa do Oscar com quatro indicações ao prêmio --inclusive melhor filme, direção e roteiro--,  não se resume a mãe e filho presos em um cubículo. O texto abrange fuga, reencontros, dor, alívio e duas jornadas bem distintas: a da criança que descobre pela primeira vez o mundo real, e a da mulher que vai da mãe protetora a mulher tomada pela culpa, tentando encontrar seu caminho em algum lugar neste vácuo. É de uma delicadeza impressionante, e Abrahamson consegue fugir do melodrama pesado ao manter a narrativa firme no ponto de vista de Jack.

Essa habilidade em transformar um ponto de partida mergulhado em escuridão em um conto sobre o triunfo, mas que deixa cicatrizes pesadas, eleva "O Quarto de Jack" acima da caricatura que ele evita com destreza. O livro de Emma Donoghue, embora não seja baseado em nenhum acontecimento real, traz ecos de histórias terríveis que vez por outra pipocam no noticiário. São, ao mesmo tempo, relatos que minam nossa fé no ser humano, ao mesmo tempo em que reafirmam nossa quase infinita capacidade de superar o mais absoluto terror.

Os atores

É esse equilíbrio que recai sobre Joy, personagem defendida por Brie Larson com uma gama de emoções tão complexa que é quase vulgar imaginar que ali está uma atriz fazendo seu trabalho, e não um ser humano real trancafiado em uma espécie de reality show perverso. Seu olhar para o pequeno Jack quando ela traça seu plano tão impossível quanto inevitável é o retrato de uma pessoa, ao mesmo tempo, em completo desespero e em total controle.

Depois de construir sua carreira principalmente na TV americana, em especial nas séries "Raising Dad" e "The United States of Tara", a atriz de 26 anos destacou-se em filmes diversos, como "Scott Pilgrim contra o Mundo", "Anjos da Lei" e "O Maravilhoso Agora", carregou o brilhante "Short Term 12" e ganhou status de protagonista no drama "O Apostador", com Mark Wahlberg.

Se Brie Larson é uma revelação (ela está indicada ao Oscar de melhor atriz pelo filme), palavras se tornam pequenas para descrever o que Jacob Tremblay atinge em "O Quarto de Jack". Como o personagem-título, é de arrepiar não só a naturalidade com que o jovem ator interage com Brie, mas também a leveza com que ele aos poucos se desapega do “quarto” e se entrega ao mundo real.

É o tipo de performance, complexa e cheia de nuances, que se espera de um veterano, entregue aparentemente sem esforço por Tremblay. Aos 9 anos, e com "Os Smurfs 2" como único destaque em sua curtíssima filmografia, Jacob traz um nível de confiança e maturidade espantoso. É ao lado de seu Jack que depositamos a esperança, é com ele que caminhamos para fora da escuridão. E é, a seu lado, que O Quarto de Jack torna-se uma experiência tão sufocante e, ao mesmo tempo, tão cheia de vida.