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Willem Dafoe: "Não quero que as pessoas saibam o que eu penso"

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

03/03/2016 10h21

Willem Dafoe é um daqueles atores difíceis de colocar em uma categoria, porque ele não se encaixa apenas em uma. O mesmo artista que dublou a animação infantil "Procurando Nemo" (2003) também trabalhou no blockbuster "Homem-Aranha" (de 2002 a 2007) e no controverso terror "Anticristo" (2009). Agora, ele vive Diego, em "Meu Amigo Hindu", o alter ego do diretor Hector Babenco, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (3).

Tentar entender essa personalidade de muitos formatos não é uma tarefa fácil. Muito menos a relação dele com o Brasil --onde se apresentou, em 2014, com a peça de teatro "A Velha", ao lado do bailarino Mikhail Baryshnikov-- ou os seus desejos para o futuro. "Eu não quero que as pessoas saibam o que eu penso", disse ele ao UOL, durante sua passagem por São Paulo para promover o filme.

Mesmo sem querer se abrir, a conversa com Willem foi reveladora. Ser reservado, disse ele, permite que esteja sempre aberto a novas possibilidades. Mesmo Babenco, que trabalhou ao lado do artista norte-americano nos últimos meses, já não se surpreende: "Ele é um ator, não uma estrela".

UOL - Você tem feito muitas parcerias com atores e diretores brasileiros. Como tem sido sua relação com o país?

Willem Dafoe - Olha, eu sou um ator e, quando eu digo coisas publicamente, tenho que fazer isso através do meu trabalho, porque eu não quero que as pessoas saibam o que eu penso.

Por quê?

Se eu assisto a um filme e eu sei que Bruce Willis é político, isso influencia como eu vejo a atuação dele. Se eu sei que alguém gosta de Donald Trump [pré-candidato republicano à presidência dos Estados Unidos], por exemplo, será difícil fazer com que eu entre na história, sabe? Isso pode prejudicar o ator. É uma coisa pessoal. O que eu penso sobre o Brasil é moldado pelas experiências que eu tive. Em geral, posso dizer que cresci como americano, sabendo que havia um mundo grande lá fora. Primeiro foi Nova York, depois Europa, Ásia, América Latina e, mais especificamente, o Brasil. Eu vim a São Paulo pela primeira vez há 30, 20 anos, mas nos últimos três anos, vim umas quatro vezes. O que eu posso dizer é que tenho vindo mais ao Brasil. Isso te diz alguma coisa, certo? Eu tenho amigos aqui. Minha mulher [a atriz e diretora italiana Giada Colagrande] gosta muito de música brasileira. Sempre me sinto por aqui com as músicas que tocam na minha casa.

Você acha que as impressões que as pessoas projetam nos atores os prejudicam?

Eu gosto de flexibilidade. As pessoas vão projetar coisas em você e vão atribuir a você certas coisas, e você não pode controlar isso, mas você pode controlar as informações que elas têm, em algum nível. Eu não estou interessado em criar uma persona de ator. Tenho interesse em atuar com flexibilidade.

É uma questão de não ficar conhecido como: "Olha, lá vai o cara que não gosta de sorvete".

Exatamente. E acho que isso é um problema até na vida, porque você faz sua identidade com suas aversões e desejos, certo? Acho que estou perigosamente perto do pensamento budista, mas vamos lá. Se você só seguir as próprias preferências, você começa a limitar experiências. Claro, preferências te guiam e são importantes para certas coisas. Por exemplo, você vai preferir não beber oito uísques à noite, porque vai acordar mal no dia seguinte. Existe uma razão para isso. Você tem preferências, mas não vive atrás delas e não cria sua identidade através delas. A identidade pela qual estou interessado vai além das preferências por si só.

Você está falando de empatia?

Sim. Você pode flertar em ser outra pessoa e ter a oportunidade de ver como você é diferente dos outros. Existe uma constelação de pessoas, mas se você começa a dizer "eu não faço isso" ou "eu não gosto disso", a constelação começa a ficar cada vez menor. Logo, logo você vai começar a andar com pessoas iguais a você e todos vão se odiar, porque você está em negação e não está lidando com nada fora daquilo que você gosta. Esse é um dos problemas do fortalecimento da internet. As pessoas vão aonde querem ir. É normal, é da natureza humana. Mas como você vai perceber que há algo mais que está te desafiando se você só se aproxima do que tem a ver com você?

Esse pensamento sempre te guiou em seus trabalhos?

Não sempre, mas uma coisa sobre atuar, que é sempre verdade, é que você está sempre buscando se livrar de você mesmo, desconstruir sua personalidade. Quando você faz isso, está mais livre para se colocar em um cenário, em uma ação ou condição sem prejulgar isso. E é o que você quer ser como ator se você pretende viver a experiência do outro.

Isso é difícil de aplicar na vida, não? Como é se colocar no lugar do outro que você odeia, por exemplo?

Sim, mas empatia é reconhecer que estamos todos juntos, até as pessoas que você odeia. Aí estão seus parentes, seu tio Bernie, sua tia Helen. Quando você chega nesse lugar [da empatia], o medo começa a ir embora e você fica mais corajoso e mais forte. Com isso, você pode contar histórias e intrigar pessoas, e fazer com que elas pensem: "Hmm, nunca tinha pensado dessa maneira". As coisas estão sempre mudando, certo?

Eu tinha aqui algumas perguntas sobre suas preferências, mas acho isso tudo foi bem mais revelador.

(Risos) Bem, você pode prosseguir com suas perguntas.

Como era sua relação com Hector Babenco antes do filme?

Eu o conheci no Festival de Cinema de Veneza [em 1988, quando Dafoe promovia o filme "A Última Tentação de Cristo", de Martin Scorsese] e gostei da companhia dele. Eu já conhecia alguns filmes dele nessa época, mas não tão bem. Aí eu fui conhecer melhor e gostei de muitos. Sempre achei que Babenco tinha algo de aventureiro. Eu tinha perdido o contato com ele e retomei quando vim ao Brasil fazer uma peça ["A Velha"]. Foi quando ele me mostrou o roteiro de "Meu Amigo Hindu", eu gostei e, então, fizemos o filme. Essa é basicamente a história toda.