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"A truculência te coloca em um caminho sem volta", diz Babu Santana

Babu Santana aprendeu a tocar bateria para "Mundo Cão" - Divulgação
Babu Santana aprendeu a tocar bateria para "Mundo Cão" Imagem: Divulgação

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

16/03/2016 06h00

Basta passar o olho pelas redes sociais para Babu Santana se preocupar. “Hoje em dia ninguém se ouve. Esse poder de voz que a internet nos deu faz a gente falar, mas não ouvir. Quando você percebe, está indo pelo mesmo caminho que os outros”, observa.

O desabafo vem sem freios, assim como o suspense incômodo (e um pouco cômico) de “Mundo Cão”, que protagoniza ao lado de Lázaro Ramos e Adriana Esteves, a partir desta quinta-feira (17) nos cinemas.

Dirigido por Marcos Jorge (de “Estômago”), o filme discute o justiçamento no lugar da justiça, fogueira quente e atual, que arde sem limites na internet, principalmente com a atual tensão política. A conversa com o ator aconteceu justamente no dia seguinte à polêmica condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alvo das investigações da Lava Jato.

“O Lula era o herói do Brasil até semana passada, agora ele é o vilão, o bandido. Eu fiquei tanto tempo afastado assim [das redes sociais]?”, questiona. “Eu fui eleitor do Lula, também estava insatisfeito com a situação, mas eu vi os comentários: ‘ladrão, burro’. Fico pensando: Se eu não estou conseguindo acompanhar, como uma pessoa consegue sintetizar tudo em uma palavra?”

Em “Mundo Cão”, Babu vive Santana, funcionário do Centro de Zoonoses e aspirante à baterista. Ele tem a bondade colocada à prova quando um violento ex-policial (Lázaro Ramos) cruza seu caminho em busca do cão de estimação capturado pela carrocinha. A partir daí, os personagens vão ao limite para fazer justiça com as próprias mãos. “Uma tragédia atual”, salientou o diretor Marcos Jorge.

“Hoje em dia, quem ficar em pé, ganha. A truculência, a falta de sapiência e de diálogo, te coloca em um caminho sem volta. Uma hora ia feder”, diz o ator, que defende ações ao invés do apontar de dedos. “Eu sempre aprendi, enquanto pessoa pobre, da favela, de que se ninguém estava me dando, eu tinha que buscar.” E assim foi.

Trailer de "Mundo Cão"

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Representatividade
Com 36 anos, Babu carrega a impressionante marca de 20 filmes no currículo, além de dezenas de especiais, séries e novelas na TV. Um número representativo para um meio em que os negros ainda não são devidamente representados.

Alguns papéis se repetiram desde o primeiro trabalho em 2001, em “Malhação”: assaltante, vendedor de rua, bêbado. “Sempre teve quem criticasse: ‘Vai fazer porque é preto, porque você tem cara de pobre’. Eu respondia: ‘Preciso trabalhar’”.

Embora nunca tenha faltado na entrega de cada um desses personagens, Babu colhe agora uma série de trabalhos instigantes e longe dos clichês. Ele acabou de viver um médico gay em “Café com Canela”, longa-metragem filmado pelos estudantes da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia), e estará no teatro com “Vai Cavalo”, adaptação de uma obra de João Ubaldo Ribeiro. “Vai ser quase um contraponto ao 'Casa dos Budas Ditosos'”, conta.

Após atuar na novela “I Love Paraisópolis” no papel de um contraventor, ele voltará a “Malhação”, desta vez no papel de secretário do lar. “Eu vou questionar alguma coisa? Vai ser uma discussão muito maneira sobre gênero”, acredita.

Cena de "Café com Canela" - Divulgação - Divulgação
Cena de "Café com Canela"
Imagem: Divulgação

Maguila, Black music e pão francês

O jogo virou de vez em 2014 ao alcançar seu primeiro protagonista no filme “Tim Maia”, dirigido por Mauro Lima. Carregou o filme nas costas e ficou com uma marca profunda: a da black music.

Ao experimentar cantar ao invés de dublar, descobriu prazer no microfone. Logo formou uma banda com amigos, “Babu Santana e os Cabeças de Água Viva”. Começou como brincadeira, mas a trupe lança o primeiro EP este ano. “É música de preto, totalmente influenciado pelo Tim”.

É neste ano também que voltará ao posto de protagonista, na pele do lutador Maguila, na cinebiografia programada para estrear em 2017. “Tem quem fale que vai ser fácil por Maguila ser ‘grandão’. Isso é para quem, como eu, tem 36 anos e acompanhou mais o final de carreira. No início, ele foi eleito o melhor físico para se lutar boxe”, explica.

Para chegar a físico semelhante, entrou em um treino pesado de exercícios e uma meta mensal: “Estou com 117 kg, preciso bater 114 kg até o final deste mês. No final de abril, 110. E terminar o primeiro semestre pesando 100 kg”, revela.

“Esse é o desafio que o Maguila se pôs. Um negro nordestino, analfabeto, virar um atleta de ponta do país e despontar no mundo que era dominado pelo norte-americano”.

Tem entrado bem no ritmo, mas lamenta: “Bicho, sou louco por pão francês. Ficar sem está sendo uma tortura”, lamenta. “E dar um tempo na birita
também vai ser bem chato”.