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Trilha sonora da animação "Angry Birds" tem DNA brasileiro; entenda

Edu Graça

Colaboração para o UOL, em Nova York

13/05/2016 07h00

O gaúcho Heitor Teixeira Pereira, o Heitor TP, migrou para Los Angeles há duas décadas depois de uma carreira musical de sucesso incluindo a guitarra principal do Simply Red entre 1988 e 1996. Por indicação de amigos do ramo, notadamente o alemão Hans Zimmer, nove vezes indicado ao Oscar (e vitorioso em 1995 por "O Rei Leão"), que achavam suas composições extremamente cinemáticas, ele começou a participar de trilhas sonoras de produções como “Gladiador”, de Ridley Scott, e a franquia “Missão Impossível”.

James L. Brooks virou fã depois de trabalhar com o brasileiro em "Melhor É Impossível" e ofereceu a ele a primeira assinatura solo de trilha sonora na indústria do entretenimento americana, em 2001, na comédia dramática "Os Garotos de Minha Vida", estrelada por Drew Barrymore. Era o começo de uma aventura que não tem data para terminar.

É de Heitor TP a música de "Angry Birds: o Filme", a versão para o cinema do videogame criado na Finlândia que virou febre mundial, a partir desta quinta-feira (12) nos cinemas brasileiros. Celebrado no mundo da animação pelas trilhas das franquias "Smurfs" e "Meu Malvado Favorito", além da do bilionário "Minions", e vencedor de um Grammy (em 2005, ao lado de Sting e Chris Bttie), o músico conversou com o UOL sobre a vida de "trilheiro", a influência da música brasileira em seu trabalho e as memórias dos anos ao lado de Mick Hucknall e do Simply Red. 

UOL - O fato de "Angry Birds" originalmente, ser um game, foi crucial para você pensar na música do filme?

Heitor TP - Não, eu sempre pensei nele como um longa de animação. Já fiz trilha de videogames e aí é outra coisa. Tem o tamanho da tela e da sala de cinema, a música precisa ser "maior". Tem a profundidade dos personagens. A Matilda (voz de Maya Rudolph na produção original), o Chuck (Josh Gad), o Red (Jason Sudekis), a Mega Águia (Peter Dinklage), o Terence (Sean Penn), todos, enfim, têm uma "voz’ que preciso levar em conta na hora de criar a música do filme. As indicações musicais precisam ajudar o espectador a entender a história, as emoções, de cada um deles, o que não existe no videogame. Os públicos são diferentes, né? Muita gente vai ser apresentada a estes personagens por conta do filme.

O músico brasileiro Heitor Pereira, autor de trilhas sonoras em Hollywood - Divulgação - Divulgação
O músico brasileiro Heitor Pereira, autor de trilhas sonoras em Hollywood
Imagem: Divulgação

Quem é que bate o martelo na hora de se usar na trilha um clássico da disco como "I Will Survive", na versão de Demi Lovato?

Diretores e produtores, com orientação minha. Para "Angry Birds", nas conversas com os diretores Clay Kaytis e Fergall Reily, pensamos em clássicos pop (e vamos de Scorpions a Rick Astley) que pudessem representar os personagens não apenas em uma cena específica. Queria encontrar canções que representassem a personalidade de cada um dos protagonistas, já que se trata de uma apresentação dos "birds" para o grande público. Agora, também há o fator gravadoras, igualzinho a uma novela no Brasil. Neste caso, obviamente, a Sony (estúdio que distribui o filme) prefere utilizar na música artistas contratados de seu braço musical. No caso de "Angry Birds" uma ênfase era em encontrar canções que não ficassem datadas, não queríamos jamais ter um hit pop do momento mas que acabaria dando uma cara meio démodé à animação no futuro. Daí Demi Lovato, mas com "I Will Survive", uma música que já faz parte de nossas vidas e que tem a ver com a narrativa do filme, com a chegada dos porcos à ilha dos pássaros e o risco da destruição.

Peter Dinklage, mais conhecido do público pelo Tyrion Lannister de "Game of Thrones", canta no filme. Ele dá conta do recado?

É sempre um prazer quando um ator também participa da trilha, o que é mais comum quando o elenco conta com gente formada na Costa Leste dos EUA, com toda a tradição da Broadway, do "Saturday Night Live", desse universo. Estas são, em geral, as primeiras canções a serem confirmadas na trilha sonora das animações, porque é preciso sincronizar tudo desde o começo, são as que dão mais trabalho. E o Peter é ótimo, tira de letra, é um cantor natural. O Brasil tem uma tradição de teatro musical também, mas imagina o quão fantástico seria se a gente tivesse mais séries televisivas e novelas cantadas? Olha a ideia...

Já que você falou do Brasil, você só foi se descobrir trilheiro musical em Hollywood. Quando é que você descobriu este seu lado Morricone?

(Risos) Quando comecei a mostrar minhas composições para amigos daqui de Los Angeles. O Hans (Zimmer) dizia "cara, sua música tem características que se encaixam perfeitamente no mundo do cinema". Eu não levava aquilo muito a sério, para dizer a verdade. Devo muito ao Hans, que insistiu pacas comigo. E também ao fato de eu ser um músico sempre interessado também no som desorganizado, ou seja, não apenas na música, mas também na sinfonia sonora do dia a dia, dos pássaros ao ritmo de um carro andando, do remo na Lagoa, do movimento sonoro. Aí descobri que ao escrever música para cinema você pode transformar o som ao seu bel-prazer. Dependendo do contexto, qualquer coisa pode virar um riquíssimo instrumento musical na tela. Aí eu pirei e não quis parar mais. Uma linguagem completamente diferente do que eu fazia anteriormente, dentro do universo pop, tocando com o Simply Red, o Sting, o Elton John ou o Willie Nelson.

E, há, claro, o fato de você, poder controlar toda uma orquestra quando no comando de um trilha sonora...

Sim, e isso é uma maravilha. É o que mais me fascina. Sempre fui um músico interessado em melodias, em contrapontos, em criações que te fazem chorar ou sorrir. E quando você tem à sua disposição uma orquestra completa e um coral de 60 pessoas cantando, escrever música assim é sensacional. Escrevo para filmes quase como se eu estivesse lá dentro, escondido atrás de uma poltrona, tocando aquela música ao vivo, na hora em que o público vê a cena na tela (risos).

Você acha que a sua assinatura musical traz algo de Brasil a títulos que contam a história de Hollywood no momento, como "Meu Malvado Favorito" e "Minions"?

Sim, definitivamente. Cresci no Rio Grande do Sul e desde criança vi meus tios tocando Lupicínio Rodrigues, Elis Regina e Grupo Farroupilha, com aquelas vozes fantásticas. Só mais tarde fui ter acesso à musica clásica. Minha formação adulta como criador musical passa necessariamente por Villa-Lobos, Guerra-Peixe, Francisco Mignone e as composições do Radamés Gnatalli. Também devo muito aos arranjos mais sofisticados do pessoal dos anos 30, formado nos cassinos, o pessoal do samba-canção, pré-Bossa Nova, com grandes orquestras, que fizeram a minha cabeça. É uma geração de arranjadores que ainda não recebeu o reconhecimento devido. Misture isso tudo com Beatles, Gershwin, Ravel e Bach e você tem as minhas influências centrais.

Este caldeirão musical é menos visível em uma animação como "Angry Birds" do que em um filme adulto como "Simplesmente Complicado"?

Não mesmo. Não tenho preconceito com a música dos cartoons clássicos. Tento, sempre que posso, fazer uma referência e eles. Por outro lado, a animação contemporânea aposta numa "humanização" dos personagens que, no fim, você escreve músicas para eles quase como se eles fossem de carne e osso. Quase. Vai ser assim de novo em meu próximo trabalho em longa-metragem, o terceiro "Meu Malvado Favorito".

Você sente alguma saudade da época de turnês e de fazer parte de uma banda de sucesso mundial como o Simply Red?

Ah, a melhor imagem é a gente tocando na Praça da Apoteose, no Rio, no Brasil. Sinto saudade do Mick, do pessoal todo, claro, dos muitos shows especialíssimos dos quais fiz parte, mas o que sinto mais falta é da massa. No fim, é a comunicação com as pessoas, você estar de fato justificando ter feito elas saírem de casa e terem pago para te ver, escutar aquela música, te dá um prazer único. A diferença maior, para mim, do show ao vivo para o cinema, é a possibilidade de ver estampado no rosto do público e ouvir na hora a satisfação das pessoas. Nos filmes, uma coisa que faço é ir ao cinema ver a reação das pessoas para aprender o que funciona mais e em que momento do filme. Aprendo pacas sobre o impacto emocional do que escrevo vendo o público, em suas poltronas, reagir às cenas. Acabo vendo mais o público do que os filmes (risos).