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Mostra traz todos os filmes de George Romero: saiba quem é o pai dos zumbis

Guilherme Solari

Colaboração para o UOL

18/05/2016 06h00

Entre na seção geek de qualquer loja e livraria e você será atacado por hordas de zumbis. Eles saem das estantes de filmes, games, quadrinhos, séries, camisetas, canecas, chaveiros, de obras de gêneros que vão da ação, passado pela sátira, animação, horror e indo até a comédia romântica. E um homem foi o "paciente zero" responsável por infectar a cultura pop com a epidemia dos mortos-vivos: George Romero.

A mostra "George A. Romero – A Crônica Social dos Mortos-Vivos", que chega a São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, vai permitir ao público assistir a todos os filmes do pai dos zumbis. "Fizemos questão de trazer a filmografia inteira dele," disse ao UOL o crítico de cinema e jornalista Mario Abbade, curador do evento. "Trouxemos até mesmo o documentário que ele fez sobre o O. J. Simpson nos anos 1970 e os remakes de seus filmes, para o público perceber a diferença entre eles um filme de zumbi original de George Romero."

Os zumbis já cambaleavam pelo imaginário humano antes de George Romero dirigir "A Noite dos Mortos Vivos", são afinal criaturas vindas da tradição do vodu haitiano. Mas foi esse filme de 1968 que sedimentou muito da mitologia moderna dos zumbis: hordas de mortos obcecados em comer a carne dos vivos e que se multiplicam exponencialmente.

A principal diferença entre um filme de zumbis de Romero e os demais, conforme Abbade mencionou, é que, enquanto outros cineastas se centram no drama dos sobreviventes lutando pela vida, nos filmes de Romero os zumbis são os protagonistas. Sempre em um filme de Romero os zumbis representam algo além de meros monstros.

"A Noite dos Mortos Vivos" (1968) retrata a tensão social do final dos anos 1960. "O Despertar dos Mortos" (1978) satiriza o consumismo com sua ambientação em um shopping-center. "O Dia dos Mortos" (1985) mostra a tensão entre cientistas e militares. "Terra dos Mortos" (2005) representa o conflito de classes, com ricaços morando em torres muradas cercadas por hordas de zumbis com ares de trabalhadores braçais (e que para todos os efeitos executam um levante comunista!). "Diário dos Mortos" (2007) é a visão de Romero do gênero "found footage" pré-YouTube, e ainda é surpreendentemente atual no nosso período de câmeras de celular onipresentes. 

"Os filmes do Romero são altamente políticos," diz Abbade. "Romero não gosta de 'The Walking Dead', que lida mais com o drama dos sobreviventes. Ele acha divertido, mas bem diferente do que ele faz. Romero usa o zumbi para fazer uma crítica social, ele é uma metáfora sobre a nossa sociedade."

Consumo de massa (cinzenta)

George Romero sedimentou na cultura pop a figura dos zumbis - AP Photo/Amy Sancetta - AP Photo/Amy Sancetta
George Romero sedimentou na cultura pop a figura dos zumbis
Imagem: AP Photo/Amy Sancetta
Aplicando um pouco de psicanálise de botequim vemos que cada período tem o seu monstro. A época vitoriana, com sua repressão sexual, tinha o vampiro, personificado pela sensualidade de Drácula. Os EUA com a paranoia da caça às bruxas comunista temia a infiltração alienígena. O Japão do pós-guerra teve Godzilla e os Kaijus, as representações do pesadelo nuclear por quem os viveu na carne. E nenhum monstro caracteriza melhor a nossa época que o zumbi, porque ele é o monstro da febre do consumismo. O zumbi morto-vivo consome entranhas e cérebros, e o zumbi vivo-vivo consome todo o resto: carros, action figures, viagens, likes, videogames, roupas, pratos gourmet, televisores widescreen, smartphones. O zumbi consome com uma voracidade igual à do fogo, uma fome que nunca é saciada e que só cresce quanto mais é alimentada. Assim como a de qualquer outro consumidor.

Enquanto diretores como Steven Spielberg, Martin Scorsese, George Lucas e Francis Ford Coppola eram os "outsiders" que formaram o cinema da Nova Hollywood nos anos 1970, cineastas como George Romero, John Carpenter e Wes Craven eram os "outsiders dos outsiders". Diretores de imensa influência no cinema mainstream, mas com uma cinegrafia B.

"Romero nunca quis ser uma figura de Hollywood," conta Abbade. "Ele optou por permanecer em produções que lhe permitissem continuar livremente como um criador, apesar de ser uma referência para diretores que trabalham com orçamentos milionários."

Mesmo com a enorme influência, Romero nunca saiu completamente do status de cult. E o motivo disso, além da vontade de manter a liberdade criativa, também está no próprio terror.

Romero é dono de uma obra que abordou racismo, segregação, desigualdade social, consumismo e questões existenciais de modo original. Só que ele fez isso no gênero do terror, que sofre muito preconceito. O terror mexe com as pessoas, com medos mais sombrios e as crenças da plateia, que precisa confrontar os seus medos. E a plateia muitas vezes não quer enfrentar medos, mas busca entretenimento leve.

De acordo com o crítico, o preconceito se estende até nos editais no Brasil para a criação de mostras. "É inegável a importância de cineastas como Kubric e Fellini, mas eles são saturados de mostras aqui no Brasil. Enquanto nós fãs do horror penamos para criar festivais de cinema fantástico como o de Romero, que são comuns mundo afora."

Vivemos no mundo do conteúdo viral, e poucos vírus se espalharam tanto de história em história, de mente em mente quanto a ideia dos zumbis. A melhor maneira de se entender um vírus é encontrar a variação inicial, e daí a importância de se conhecer a obra original de Romero. Filmes que por debaixo da superfície de mortos-vivos têm também muito a dizer sobre a sociedade dos vivos.

Mostra George A. Romero – A Crônica Social dos Mortos-Vivos
Quando: 18 de maio a 06 de junho (consulte programação completa em www.bb.com.br/cultura)
Quanto: R$ 10,00 e R$ 5,00 (meia entrada)
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil - Rua Álvares Penteado, 112 - Centro (São Paulo) Rua Primeiro de Março, 66 - Centro (Rio de Janeiro)