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Diretor de "Instinto Selvagem" tem filme sobre estupro aplaudido em Cannes

Cena do filme "Elle", de Paul Verhoeven - Reprodução
Cena do filme "Elle", de Paul Verhoeven Imagem: Reprodução

Thiago Stivaletti

Colaboração para o UOL, de Cannes

21/05/2016 08h18

O holandês Paul Verhoeven voltou para causar polêmica. O diretor de “Robocop” e “Instinto Selvagem” dirigiu o último filme da competição de Cannes, “Elle”, que bem podia se chamar “Instinto Selvagem 2”. Não foi à toa que Cannes deixou “Elle” para o último dia, quando metade da imprensa já foi embora do festival. Num momento em que as mulheres discutem a visão machista do cinema sobre elas, Verhoeven volta com um filme em que Michelle, sua protagonista, é estuprada e agredida três vezes, não dá parte na polícia e parece sentir uma estranha atração pelo estuprador.

Michelle é vivida pela francesa Isabelle Huppert, que já mostrou não ter medo de nada no radical “A Professora de Piano”. O filme já abre com ela sendo atacada dentro de casa por um misterioso homem todo vestido com uma roupa preta de esqui, escondendo o rosto. O gato da casa assiste a tudo, impassível. Ela conta o caso aos amigos e ao ex-marido, que parecem bem mais assustados do que ela. Aos poucos, descobre-se que Michelle, poderosa executiva de uma produtora de videogames, é filha de um homem que está preso por um grande crime que cometeu no passado, e que a loucura pode estar no sangue da família. Um filme bem ao estilo de Verhoeven, um mestre em alternar cenas de tensão com um humor negro e perverso que provocou risadas na sessão.

Huppert poderia ser uma forte concorrente de Sonia Braga à Palma de melhor atriz, mas dois fatores pesam contra ela: já ganhou o prêmio duas vezes, uma delas por “A Professora de Piano”, e vive uma personagem que pode desagradar as feministas, com toda essa fascinação por um homem que a ataca. A estrela diz que não liga para as possíveis reações. “Esta não é uma história realista. É um conto, uma fantasia. Michelle abre uma porta para algo que gostaria que acontecesse, mas não pode confessar”, explicou. “Não quer dizer que acontece com todas as mulheres do mundo, só com essa em particular. Não é uma declaração geral sobre a situação das mulheres.”

Verhoeven, que começou a carreira na Holanda e fez alguns dos filmes mais emblemáticos dos anos 80 e 90 em Hollywood, voltou à Europa em seus últimos dois filmes. Ele não filmava um longa há dez anos – o último foi “A Espiã” (2006), rodado na Holanda. “Elle” foi rodado em Paris. “Se houver um bom roteiro, posso até voltar para Hollywood. Mas não tenho visto muitos bons roteiros nos EUA”, declarou.

Em “Elle”, ele diz que tentou fugir do tradicional roteiro americano em que a personagem evolui e melhora ao longo da história – mais uma vez, são os instintos básicos que falam mais alto. “Não acredito nessa ideia americana de evolução. Todo mundo continua o mesmo durante a vida toda. Há apenas os dias que passam”, explicou. “Tentamos tirar toda explicação freudiana da história. Mais do que qualquer outro filme meu, este deixa as coisas abertas para o público preencher”.

“Elle” ainda não tem previsão de estreia no Brasil.