Alemão que viveu 40 anos com índios brasileiros renasce em 1º longa mineiro
Curt Nimuendajú é nome cultuado na antropologia brasileira. O alemão que conviveu mais de 40 anos (1903-1945) circulando entre nossos povos indígenas, porém, é praticamente um desconhecido do grande público.
Este é o cenário que a diretora mineira Tania Anaya pretende mudar com sua animação "Nimuendajú", selecionada e apresentada no festival de Annecy, na França, um dos mais importantes eventos do gênero no mundo - considerado "Cannes" da animação.
O projeto também será o primeiro longa-metragem de animação realizado em Minas Gerais, onde fica a produtora de Tania. A oportunidade surgiu em 2008, quando a diretora levou um prêmio para desenvolver o roteiro pela Filme Minas, um edital local para incentivo do audiovisual.
"Inicialmente pensei em fazer um documentário, mas venho de uma escola de animação. A história envolve uma questão étnica. Se você trabalha com o personagem filmado é uma coisa, se trabalha com o desenho, o signo, existe muito mais liberdade para criar e esbarra menos em conflitos", explica Tania Anaya em entrevista ao UOL por telefone, direto da França.
A diretora já "namorava" seu personagem principal desde 2005, quando filmava outra produção sobre questão indígena e esbarrou com muitas peças e documentos produzidos a partir dos estudos do alemão.
"A produção dele é enorme e está espalhada em vários museus do mundo. É uma figura muito interessante para entrar nessa questão indígena, pois tem o ponto de vista de alguém que transita nos dois mundos", explica.
Não queria uma imagem genérica do índio no filme. Cada povo tem sua característica especial
Tania Anaya, diretora
Curt Unckel chegou ao Brasil em 1903, aos 20 anos, para estudar os índios nativos da América do Sul. Mesmo sem ter estudos universitários, o alemão desbravou diversos povos indígenas até 1945, ano de sua morte.
Em 1921 foi naturalizado brasileiro e adotou oficialmente o sobrenome Nimuendajú, que significa "aquele que constrói sua própria casa", e lhe foi dado em 1906 pelos Guarani-Ñandeva, de São Paulo.
Atores indígenas
Voltado para o público adulto, "Nimuendajú" foge do traço cartunizado imposto por animações mais conhecidas, como as produções da Disney e da Pixar.
"É um filme de época, da metade do século 20. Na animação você pode criar tudo, fazer qualquer viagem. Era a hora de eu poder usar um traço que eu acho mais legal", explica Tania, que se inspirou no trabalho do pintor expressionista austríaco Egon Schiele para desenhar em cima de seus personagens.
O ator alemão Peter Ketnath ("Cinema, Aspirinas e Urubus") foi o nome ideal encontrado para interpretar o etnólogo. Apesar de ser uma animação, "Nimuendajú" foi todo filmado com atores para captação de sons e referências de cenários e imagens.
A equipe toda ficou cerca de um mês imersa nas filmagens que se dividiram entre os índios Apinajés, no Tocantins, e Canela-Ramkokamekrá, no Maranhão. Com o filme 80% pronto, o próximo passo é concluir as filmagens em novembro, quando Peter volta ao Brasil para fazer a parte final com Guaranis do Mato Grosso do Sul.
"O Peter se relacionou com os índios que fizeram os papéis de seus tios, avós e primos. Eles estavam interpretando eles mesmos de certa forma. E eles entraram na brincadeira muito bem. Foi uma opção estética usar essas pessoas. Não queria uma imagem genérica do índio no filme. Cada povo tem sua característica especial e quis muito manter isso", justifica Tania.
Alguns índios mais idosos, inclusive, tinham memórias de Curt Nimuendajú deixando a tribo e também de suas trocas de mulheres. O alemão tinha uma mulher Apinajé, uma mulher Canela e uma esposa oficial, que morava em Belém (PA). Os personagens também contribuíram com suas línguas maternas, apesar de o português ser o idioma principal usado no filme.
Recepção na França
Pioneira em seu Estado, a diretora mineira acredita que a linguagem própria desenvolvida através das técnicas de animação é o grande ganho do filme e o que tem chamado mais atenção para "Nimuendajú".
A trajetória de brasileiros como Alê Abreu, indicado ao Oscar por "O Menino e o Mundo" e Luiz Bolognesi, vencedor de Annecy em 2013 com "Uma História de Amor e Fúria" também abriram portas às produções brasileiras. "Quando um brasileiro tem atenção para um projeto dele, isso favorece todos os demais. A cadeia ganha com isso."
A animação só deve chegar aos cinemas em 2019, mas a estreia em circuito comercial já está garantida no Brasil e na Alemanha, onde o próprio Peter Ketnath fez as negociações. Após a boa recepção no mercado de Annecy, a diretora brasileira também já negocia a distribuição para a TV e parcerias na França e Luxemburgo.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.