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Com 47 documentários, projeto resgata heróis olímpicos esquecidos do Brasil

Aída dos Santos, José da Conceição e Luisão, personagens olímpicos do país - Getty Images/Reprodução/Divulgação
Aída dos Santos, José da Conceição e Luisão, personagens olímpicos do país Imagem: Getty Images/Reprodução/Divulgação

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

04/08/2016 06h00

A história da saltadora brasileira que não tinha sapatilha nem técnico, mas que chocou o mundo ao chegar em quarto lugar na Olimpíada de Tóquio. O multiatleta de Olaria que queria ser engenheiro e ganhou a primeira medalha brasileira no atletismo. O oficial do exército que teve a arma roubada e pegou emprestada do adversário a pistola que o levou ao ouro no tiro em 1920.

Tão lendários quanto esquecidos, esses personagens estão reunidos no projeto Memória do Esporte Olímpico Brasileiro, uma série de 47 documentários que resgata atletas e profissionais que ajudaram a construir a história do esporte do país. Os filmes entram em cartaz nesta quinta (4) e ficam até o dia 14 na Cinemateca Brasileira, em São Paulo.

Criado em 2011, a iniciativa é uma parceria do Instituto de Políticas Relacionais com o canal de esportes ESPN Brasil, financiado via Lei Rouanet com patrocínio da Petrobras e da EBrasil Energia (Centrais Elétricas de Pernambuco).

Embora também biografem atletas consagrados como o iatista Torben Grael e o saltador Adhemar Ferreira da Silva, as produções dão destaque especial a figuras menores, igualmente importantes.

Um dos filmes, "Mãos de Urso, com direção de Cao Hamburguer, traz o massagista da delegação brasileira Luisão, que esteve em cinco Jogos e se prepara para a sexta participação.

"Queríamos desenvolver esse acervo inédito abrangendo o máximo de esportes, trazendo também diretores novos e produtoras independentes, com diversos olhares. Demos total liberdade para criações e experimentações de formatos", diz a diretora do projeto Daniela Greeb, que espera manter o projeto com novos editais.

Além de serem exibidos na TV, os filmes estão disponíveis na íntegra na internet. Para disseminar a cultura olímpica desde cedo, eles também estão sendo distribuídos em DVD em bibliotecas públicas. Os filmes também serão projetados em cinemas de várias partes do país.

“Não existe memória esportiva no Brasil porque nunca houve iniciativas como esta. Se fossem feitas há anos, teríamos hoje várias formas de contar histórias”, diz o jornalista José Trajano, que concebeu o projeto.

Veja alguns cinco destaques da mostra escolhidos pelo UOL.

A atleta Aida dos Santos, que competiu nos Jogos Olímpicos de Tóquio em 1964 - Reprodução - Reprodução
A atleta Aida dos Santos, que competiu nos Jogos Olímpicos de Tóquio em 1964
Imagem: Reprodução

"Aída dos Santos - Uma Mulher de Garra" (2012)

Imagine ser a única mulher da delegação brasileira, e, sem treinador nem sapatilhas próprias, com um tornozelo torcido, chegar a um inédito quarto lugar no salto em altura nos Jogos Olímpicos de Tóquio (1964). A façanha é da carioca Aída dos Santos, personagem do documentário dirigido por André Pupo, que se debruçou sobre a vida da ex-atleta, mãe da jogadora de vôlei Valeskinha. “Ela não falava inglês, muito menos japonês. Na hora de chegar no estádio olímpico para retirar o material, que na época era cedido pelo comitê, ela não teve ajuda. No fim, conseguiu uma sapatilha com a ajuda de um cubano, mas mesmo assim sem as travas especiais para o salto”, diz ao UOL Pupo.

Cena do documentário "Ouro, Prata, Bronze e... Chumbo!", de José Roberto Torero Jr. - Reprodução - Reprodução
Cena do documentário "Ouro, Prata, Bronze e... Chumbo!", de José Roberto Torero Jr.
Imagem: Reprodução

"Ouro, Prata, Bronze e... Chumbo!" (2011)

O documentário de José Roberto Torero Jr. relembra a primeira empreitada vitoriosa do Brasil no Jogos. Na Antuérpia em 1920, o país ganhou no tiro medalhas de bronze, prata e ouro, esta conquistada pelo oficial do Exército Guilherme Paraense. Na falta de imagens de arquivo, o diretor reconstituiu cenas com atores. “Fiz um falso documentário, como se um dos integrantes da equipe tivesse uma câmera gravando tudo. Desde a apresentação, as viagens de navio, trem e as disputas, com depoimentos. Houve um gasto maior, mas também uma liberdade e uma pesquisa. Por exemplo, descobrimos que houve um baile de Carnaval no navio durante a viagem e que eles achavam que não iam conseguir chegar a tempo na Europa”, conta Torero Jr.

José Telles da Conceição (esq.) em imagem de "De Olaria a Helsinque - A História de um Salto" - Reprodução - Reprodução
José Telles (esq.) em imagem de "De Olaria a Helsinque - A História de um Salto"
Imagem: Reprodução

"De Olaria a Helsinque - A História de um Salto" (2011)

Na mesma Olimpíada que Adhemar Ferreira da Silva despontou para o mundo no salto triplo, outro brasileiro fez história: o jovem José Telles da Conceição. Vindo de uma família humilde do bairro carioca de Olaria, ele sonhava em ser engenheiro, mas acabou virando um demolidor de recordes no salto em altura. Ganhou a primeira medalha do Brasil no atletismo, um bronze em Helsinki (1952). A difícil vida do atleta, que morreu assassinado em 1974, é radiografada por meio de entrevistas com familiares e ex-colegas, além de cenas de arquivo. “Telles é um vencedor mas também um vencido. Dias depois de ter ganhado o bronze, ele foi ofuscado pela conquista do ouro no salto triplo por Adhemar Ferreira da Silva. Desembarcou no Rio com a medalha, mas não com o reconhecimento que merecia”, afirma o cineasta André Klotzel.

Imagem de divulgação do documentário "O Nadador - A História de Tetsuo Okamoto" - Reprodução - Reprodução
Imagem de divulgação do documentário "O Nadador - A História de Tetsuo Okamoto"
Imagem: Reprodução

"O Nadador - A História de Tetsuo Okamoto" (2014)

Quem acompanha hoje a natação pode nunca ter ouvido falar em Tetsuo Okamoto, mas ele é o primeiro brasileiro a conquistar uma medalha no esporte em uma Olimpíada. O bronze histórico nos 1.500 m livres em Helsinki valeu ouro. O filme é recheado de entrevistas e traz imagens raras da prova, em que o atleta chegou apenas 2 décimos de segundo à frente do quarto colocado. Nascido em Marília (SP), o descendente nipônico que sofria de asma é conhecido por mudar paradigmas de treinamentos no Brasil. Inspirado por uma equipe japonesa, passou a percorrer 10 mil metros em treinos diários. Três anos antes da Olimpíada de 1952, já havia vencido os 400 m livres no Pan-Americano de Buenos Aires, tornando-se o primeiro brasileiro campeão nos Jogos.

Luiz Carlos Sousa, o Luisão, personagem do documentário ?Mãos de Urso? - Divulgação - Divulgação
Luiz Carlos Sousa, o Luisão, personagem do documentário "Mãos de Urso"
Imagem: Divulgação

"Mãos de Urso" (2016)

O personagem de “Mãos de Urso”, o massagista Luiz Carlos Souza, que há mais de 20 anos acompanha as delegações brasileiras, foi escolhido pelo cineasta Eduardo Coutinho, convidado para o projeto. Com a morte do documentarista em 2014, o filme acabou caindo nas mãos de Cao Hamburguer, que chamou o filho Tom para a coodirigi-lo. “Achei legal contar a história do ponto de vista do backstage, de quem não está ali na linha de frente. Pesquisando a vida dele, vi que era um personagem que valeria a pena contar. Ele tem uma ambiguidade muito interessante. De trabalhar com o esporte, muito bem sucedido, e ao mesmo tempo não cuidar bem da saúde”, afirma Cao Hamburguer.