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"Aquarius", idealizado há dois anos, captou no ar processo de impeachment

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

01/09/2016 10h56

No dia em que o país acorda com Michel Temer oficializado como presidente da República, estreia também o filme que atraiu a energia política de todo o processo de destituição de Dilma Rousseff. Depois de passar por festivais internacionais (e ganhar diversos prêmios), "Aquarius" chega nesta quinta-feira (1º) aos cinemas brasileiros e, apesar de passar ao largo do tema, o novo longa de Kleber Mendonça Filho (de "O Som ao Redor") ficou estigmatizado desde que a equipe protestou contra o impeachment no Festival em Cannes, em maio.

E não foi só o elenco de "Aquarius" que sentiu uma conexão com o assunto. Tão logo assistiu ao filme, a imprensa estrangeira fez paralelos entre o destino de Dilma e a saga da protagonista Clara. A personagem vivida por Sônia Braga se recusa a vender o apartamento no prédio que dá nome ao filme, na praia de Boa Viagem, no Recife. Ela resiste --é a única a ocupar o prédio vazio, comprado por uma construtora para dar lugar a um luxuoso condomínio. Em sua crítica, o jornal britânico “The Guardian” sugeriu que a disputa era uma metáfora da atual situação política do Brasil.

Mendonça Filho negou que o roteiro, escrito há dois anos, tivesse alguma inspiração na política brasileira. "Não teria como adivinhar a situação em que o Brasil está imerso hoje", disse, ao UOL, no mesmo dia em que Dilma dava seu depoimento no Senado. "Mas quando você pensa muito sobre o país onde vive, e se aplica a tentar analisar essa sociedade, as relações que existem entre as pessoas e como o mercado força as pessoas, você capta coisas no ar".

Maeve Jinkings, que interpreta Ana Paula, filha de Clara, disse que chorou quando viu o filme antes da primeira exibição em Cannes. "Era o dia de uma grande manifestação no Recife. Fiquei assustada com o grau de mediunidade do roteiro", conta.

Para ela, o vilão Diego (vivido por Humberto Carrão), neto do dono da construtora e responsável pelo projeto do novo Aquarius, é o "símbolo absurdo do poder instituído neste momento". Carrão concorda: "Ele tem uma visão de cidade desagregadora. Parece o Brasil sem o Ministério da Igualdade Racial, sem o Ministério das Mulheres. Fiquei impressionado com o potencial alegórico", observa.

Na apresentação do filme para jornalistas, na última segunda-feira, Sônia Braga fez um paralelo, mesmo sem citar nomes, com a situação que passava a ex-presidente. "Estamos vivendo um momento estranho. A Clara representa essa mulher brigando pelo direito que tem. E tentando provar que tem esse direito e que ela está certa". No fim, pediu: "Vamos às ruas."

Prova dessa coincidência havia acontecido poucas horas antes, quando Dilma usou uma analogia em sua defesa no Senado. A petista se referiu à democracia como sendo uma árvore, e àquele pedido de impeachment, não como uma tentativa de derrubá-la abruptamente, mas de envenená-la --uma imagem que guarda forte relação com o desfecho de "Aquarius".

O celular do diretor apitou na hora: "Você viu o que ela falou?", dizia a mensagem endereçada à ele. Mendonça Filho, no entanto, disse que não mostrou o filme para a ex-presidente. "É impossível ela ter visto ainda. Mas é incrível a coincidência".