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Filme dos Rolling Stones é mix de amor à América Latina e diário de viagem

Cena de "The Rolling Stones Olé Olé Olé!: A Trip Across Latin America" - Reprodução - Reprodução
Para Keith Richards, ouvir rock'n'roll em 1968 já era sinônimo de oposição à ditadura dos governos da América Latina
Imagem: Reprodução

Eduardo Graça

Colaboração para o UOL, de Toronto

10/09/2016 17h56

Com estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Toronto na próxima sexta-feira (16), o documentário “The Rolling Stones Olé Olé Olé!: A Trip Across Latin America”, uma das atrações do próximo Festival do Rio, em outubro, é um filme para fãs. Mix de carta de amor à América Latina, diário de viagem e coleção de memórias de Mick Jagger e Keith Richards, desde a primeira viagem dos dois ao continente, de barco, de Lisboa para o Rio de Janeiro em 1968, as quase duas horas de imagens da turnê da banda ao sul do Equador no início deste ano são pontuadas pela contagem regressiva para o inédito espetáculo em Havana.

Até a chegada a Cuba, Jagger, Richards, Charlie Watts e Ronnie Wood passeiam por Santiago, Buenos Aires (sede da cultura dos Rolingas, de culto à banda), Montevideo, São Paulo, Lima, Bogotá e Cidade do México falando da amizade que os une e da relação singular dos latino-americanos com o rock’n’roll. O diretor inglês Paul Dugdale (íntimo dos vovôs do rock desde “The Rolling Stones: Sweet Summer Sun - Hyde Park Live”, de 2013) faz um musicdoc clássico, pontilhado pelos hits previsíveis, de “Start me Up” a “(I Can’t Get No) Satisfaction”, unidos por uma ideia central: a de que a música dos Rolling Stones segue tão grande na região por ela representar a liberdade de expressão e a rebeldia dos mais jovens.

"Quando viemos aqui pela primeira vez, eu e Mick, a maioria dos países vivia sob a repressão das ditaduras militares e em alguns lugares ouvir rock já era sinônimo de oposição a estes regimes. Só conseguimos fazer nossa primeira turnê nos anos 90, e eu jamais vou esquecer daqueles dias", diz Richards, o mais falante dos Stones.

O filme começa com uma imagem de um casal na favela de Paraisópolis, em São Paulo, prestes a ouvir um vinil, claro, dos Rolling Stones. O Brasil volta a aparecer com destaque quando Mick e Keith se lembram da viagem de 1968 e de quando, em um sítio no interior de São Paulo, em meio a uma série de noites regadas a discos de country americano, especialmente Hank Williams, criaram um de seus clássicos, “Honky Tonk Woman”.

Há também o elogio da arte de rua de São Paulo (“que me inspira muito”, diz Ronnie) e o registro do encontro de Ronnie com um dos pioneiros da arte performática no planeta, o artista plástico Ivan Granato, que morreu em julho. Wood vai ao atelier do “meu amigo querido” para pintar por uma tarde chuvosa em São Paulo. A chuva, aliás, marca o show do Morumbi, com belas imagens dos Stones e das táticas - “no entanto, como podemos ver, falíveis” - de Richards de parar o aguaceiro com uma simpatia muito singular.

O filme segue rumo a Cuba e termina com um “Satisfaction” entoado em coro após uma declaração doída de um cinquentão local: “Este governo roubou minha juventude”. A frase sintetiza, sem um mergulho mais profundo (e seguida, quiçá não por acaso, de  “It’s Only Rock’n Roll But I Like It”) a explicação de Dugdale para o tamanho da paixão dos latino-americanos pela banda: eles seriam, ainda hoje, 54 anos depois de sua primeira formação, o antídoto mais rebolante para a repressão política e social, patrocinada por governos totalitários à direita ou a esquerda em quase todos os países da região.