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Opinião: Filme indicado pelo Brasil ao Oscar ainda é mistério para público

"De Longe te Observo" - Reprodução - Reprodução
Pôster do filme venezuelano "De Longe te Observo"
Imagem: Reprodução

Chico Fireman

Colaboração para o UOL

12/09/2016 14h54

"Pequeno Segredo", de David Schurmann, é o candidato oficial do Brasil para uma vaga entre os indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro. A palavra "oficial" nunca fez tanto sentido como neste ano. Depois de um tiroteio de acusações e desistências, o tumultuado processo de seleção do longa-metragem que vai representar o país chegou ao fim, preterindo aquele que muitos consideravam mais habilitado para a disputa: "Aquarius", de Kleber Mendonça Filho. Seria mesmo esquisito que um filme que se posiciona tão frontalmente contra o atual governo brasileiro conquistasse a missão "oficial" de ser representante do país na decisão de uma comissão montada por este mesmo governo.

O filme pernambucano tem dividido as opiniões desde sua passagem pelo Festival de Cannes, quando sua equipe fez um protesto contra o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, gerando manifestações contrárias inclusive dentro do governo. O próprio ministro da Cultura, Marcelo Calero, chegou a condenar o ato para depois elogiar o filme quando o assistiu no Festival de Gramado. Resta saber se o filme que bateu "Aquarius" é tão bom assim, ao ponto de ser escolhido diante de um longa premiado e estrelado pela atriz brasileira mais conhecida fora do país. E resta saber porque "Pequeno Segredo" ainda permanece um "grande mistério" para a população.

Mistério e campanha

O filme que vai representar o Brasil no Oscar ainda não estreou em circuito. Isso só vai acontecer em novembro, mas não impediu que seus produtores realizassem uma agressiva campanha de marketing na página do longa no Facebook. Vendido como "um filme com cara de Oscar", o segundo trabalho para cinema de Schurmann parece mesmo ter sido feito para agradar a Academia. Todas as últimas postagens na rede social são no sentido de provar esta teoria, muitas explicando porque o filme é um candidato natural ao Oscar. A hashtag #oscar aparece em alguns posts e a página pede para que o internauta vote no filme em enquetes que perguntavam que filme deveria representar o Brasil. Só que ninguém havia visto o filme ainda.

Outras postagens citam o apoio de vencedores do Oscar a uma possível candidatura do longa, um clássico caso de colocar o carro antes dos bois ou o bonecão dourado antes do filme. Em um dos posts, aparece uma citação da diretora de arte oscarizada Brigitte Broch, que fala das qualidades do longa e das chances do filme ganhar um prêmio da Academia. Detalhe: Broch é diretora de arte de "Pequeno Segredo". A página não esconde a informação, o que é até nobre, mas parece meio complicado citar o depoimento de uma pessoa que participou da equipe do filme como se fosse o de uma especialista no assunto.

No trailer, tanto Broch quanto outros integrantes da equipe que ganharam premiações internacionais, como o músico Antonio Pinto, têm seus currículos destacados, prática incomum que se explica pelo fato do filme não ter ainda um currículo propriamente seu a apresentar, ao contrário de "Aquarius", certamente o longa brasileiro com maior visibilidade do ano (inclusive por causa de sua postura de confrontamento, que gerou muita mídia internacionalmente). Além de participar de Cannes, o filme de Kleber Mendonça ganhou prêmios nos festivais de Sydney e Amsterdã; tem média 85 (numa escala de 0 a 100) no site Metacritic, que agrega críticas de vários veículos importantes; e aparecia em muitas listas de apostas para o Oscar.

Mas o maior cabo eleitoral do filme, caso ele tivesse sido indicado, seria sua protagonista. Sonia Braga é a atriz brasileira mais reconhecida nos EUA. Já concorreu ao Globo de Ouro, trabalhou com Clint Eastwood e Robert Redford, e vai entrar no Universo Marvel com a estreia da primeira temporada da série "Luke Cage", da Netflix. Numa época em que a Academia clama por mais espaço para minorias, dar mais atenção para um filme protagonizado por uma mulher poderia ser um movimento natural. Tanto que, ainda que discretamente, seu nome começa a aparecer nas bolsas de apostas para categoria de melhor atriz. Um caminho longo, mas não impossível.

A publicidade de "Aquarius", ao contrário de "Pequeno Segredo", nunca mirou no Oscar, embora Kleber Mendonça Filho tenha decidido se manifestar publicamente contra a inclusão de um crítico, Marcos Petruccelli, conhecido por criticá-lo também publicamente na comissão que selecionaria o representante brasileiro. "O Som ao Redor", longa anterior do diretor, foi o candidato do Brasil há três anos, mas, apesar dos prêmios e elogios da crítica, não ficou entre os cinco finalistas. Da mesma maneira, a escolha de "Aquarius" não garantiria muita coisa, apenas que o Brasil teria eleito o filme mais comentado neste ano. A eleição dos indicados nesta categoria é bem complicada.

Trailer de "Aquarius"

Cenapop

Oscar, burocracia e política

O processo de escolha do Oscar de melhor filme estrangeiro é o mais cruel, injusto e desigual entre todas as categorias do prêmio mais importante do cinema americano. Diferentemente de todos os outros quesitos, a lista de cinco finalistas da categoria é definida a partir de uma seleção, onde os governos de todos os países que decidirem participar da disputa indicam oficialmente que filme deve representar o país no pleito. Na prática, além de escolher o melhor filme ou o filme que supostamente teria mais chances, seria necessário haver uma certa harmonia entre o longa, a equipe que o realizou e quem manda em sua nação de origem.

"Aquarius" - Reprodução - Reprodução
Equipe do filme "Aquarius" protesta em Cannes contra impeachment no Brasil
Imagem: Reprodução

Um pouco da história: Maio de 2016. Cannes, França. Antes da sessão de gala de "Aquarius", primeiro filme brasileiro a participar em oito anos da seleção principal do mais tradicional festival de cinema do mundo, a equipe do longa posa para fotos erguendo cartazes que denunciam um golpe de estado no Brasil. A presidenta Dilma Rousseff acabara de ser afastada do cargo, sob a acusação de crime de responsabilidade em manobras fiscais. O protesto chama atenção do mundo e divide o Brasil. Enquanto muitos apoiam a iniciativa, outros tantos enxergam na manifestação um ato vexatório contra o país. O então recém-empossado ministro da Cultura critica publicamente a ação.

"Aquarius" ganhou muitos admiradores e detratores antes mesmo de ser visto pela maioria deles. No IMDB, site em que os usuários podem dar notas aos filmes, o longa de Kleber Mendonça Filho, que hoje tem 7,8 como média, chegou a ter 3,5, isso numa escalada de zero a dez (curiosamente, a estreia do diretor de "Pequeno Segredo" em longas de ficção, "Desaparecidos", tem uma média menor no mesmo site: 2,3; sem qualquer campanha contra ele). A situação ficou mais acirrada quando a "Folha de S.Paulo" publicou uma reportagem revelando que um dos membros da comissão que selecionaria o representante brasileiro ao Oscar era o tal crítico que já havia se manifestado publicamente contra as manifestações da equipe de "Aquarius", fato que gerou reações negativas, inclusive do diretor do filme.

A polêmica cresceu quando três cineastas, que haviam registrado seus filmes para disputar a vaga (Anna Muylaert, Gabriel Mascaro e Aly Muritiba), retiraram os longas da disputa, em apoio à indicação de "Aquarius" e contra o que chamaram de parcialidade na composição da comissão, que perdeu dois membros depois que a confusão se instalou. Dos 20 filmes inscritos, restaram 16 na disputa, que terminou com a escolha de "Pequeno Segredo". 

No processo de seleção, o filme de Schürmann bateu, além de "Aquarius", concorrentes nobres como o belo "Campo Grande", de Sandra Kogut; controversos, como "Chatô - O Rei do Brasil", de Guilherme Fontes; corretos, como o tradicional "Nise - O Coração da Loucura", de Roberto Berliner; e alguns mais frágeis, como "Mais Forte que o Mundo - A História de José Aldo", tentativa de emular o cinema americano no Brasil.

Perfil de Oscar?

Quando um país seleciona um filme para disputar uma das cinco vagas na categoria de filme estrangeiro do Oscar, o que deve ser levado em questão? Como determinar que longa tem mais chances de emplacar uma indicação? Pela lógica, os filmes que chamaram atenção em festivais levam vantagem, que seria o caso de "Aquarius", que saiu elogiado, mas sem prêmios de Cannes e teria Sonia Braga como vitrine. Mas há uma forte corrente que aposta no formato do filme como elemento para definir quem tem mais chances e "Pequeno Segredo" atenderia melhor a estas obrigações de criar elos sentimentais com o espectador.

Na prática, deve-se indicar o melhor filme ou o que se acha que tem mais chances de vencer? Nos últimos cinco anos, os longas que chegaram à festa do Oscar como favoritos terminaram levando o prêmio: "A Separação" (Irã), "Amor" (Áustria), "A Grande Beleza" (Itália), "Ida" (Polônia) e "O Filho de Saul" (Hungria). Mas eles eram favoritos por seu perfil ou por seu reconhecimento? Destes cinco filmes, três vieram de Cannes, como "Aquarius"; sendo que dois deles saíram premiados. Já "Ida" foi o melhor filme segundo a crítica no Festival de Toronto. O filme iraniano ganhou quatro prêmios no Festival de Berlim, incluindo o Urso de Ouro. "Pequeno Segredo" ainda não tem uma história para contar.

O indicado do Brasil ao Oscar já tem adversários fortes na disputa por uma vaga na categoria. Um dos mais importantes é "Toni Edermann", de Maren Ade, representante da Alemanha. O filme estreou em Cannes e era o franco favorito para a Palma de Ouro. Não ganhou, mas ficou com o prestigiado prêmio da crítica. Embora não tenha recebido tantos elogios quanto outros trabalhos do diretor, "Julieta", de Pedro Almodóvar, aposta da Espanha, é um título a se considerar. O cineasta já ganhou um prêmio na categoria e chegou a ser indicado nos quesitos de direção e roteiro. O venezuelano "De Longe te Observo", que ganhou Veneza em 2015, pode ser uma ameaça, ainda mais se a Academia decidir escolher apenas um latino na disputa.

Vamos aguardar as primeiras reações a "Pequeno Segredo", o candidato oficial do Brasil, num ano em que ser oficial faz toda a diferença por aqui. Lá fora, a história é outra.