Kat não queria que HIV fosse segredo, diz família Schurmann
Enquanto "Pequeno Segredo" era filmado em 2015, o casal Schurmann começava sua nova expedição em alto-mar, a bordo de um novo veleiro batizado de Kat. O nome veio da filha adotiva, que morreu precocemente em 2006, aos 13 anos, por complicações do vírus HIV.
A léguas de distância, banhada pelas águas do Atlântico, Kat também renascia em Florianópolis. E, dessa vez, na pele da estreante Mariana Goulart, no set de filmagem comandado pelo filho do meio do casal Schurmann, David. Os pais não palpitaram na escolha dos atores, e só sabiam das notícias da produção quando David mandava fotos por mensagem.
O encontro de Heloisa e Vilfredo com a versão ficcional de Kat nas telas aconteceu há apenas uma semana, quando o casal deixou ancorado o barco na Cidade do Cabo, na África do Sul, e pegou um avião para o Brasil para assistir, pela primeira vez, ao filme, que entrou esta semana em cartaz nos cinemas.
Na tela, em uma sala de cinema só para eles, havia a expectativa de navegar novamente por mares tumultuados, nunca totalmente superados. "Foi muito difícil de administrar", conta a matriarca ao UOL. "Não queria chorar, mas foi impossível. [A história] Toca muito ainda. É uma coisa muito pessoal."
A experiência, no final, foi menos dolorida do que o esperado. "Tem muita lembrança boa. O David teve muita delicadeza", avalia Vilfredo.
O segredo
O segredo que movimenta a trama foi revelado há dez anos. Poucos meses depois da morte de Kat, Heloisa começou a escrever desabafos para efeitos terapêuticos. "Eu sempre escrevi para extravasar minha dor, como uma terapia, quase como uma conversa com ela. David me pediu para ler e disse que tinha que virar livro", lembra. No início, resistiu à ideia. "Eu achava que era uma história íntima, muito nossa, e que nossa história para o público era outra, das aventuras."
Quando o livro "Pequeno Segredo" saiu, em 2013, David já tinha convidado Julia Lemmertz para viver sua mãe no cinema. Com muita liberdade ficcional, o premiado roteirista Marcos Bernstein (de "Central do Brasil") passou dois dias com a família para recriar a história nos detalhes, e da percepção que Kat guardava de sua própria trajetória.
Kat relatava em seu diário sua paixão por Avril Lavigne, a primeira atração por um garoto na escola e suas expedições com os pais adotivos. A descoberta da doença, por conta própria, após investigar os rótulos dos remédios que tomava, não ocupou muitas linhas no caderno. "Eu tenho uma redação que ela escreveu aos 12 anos e dizia: 'Todo mundo pensa que meu maior tesouro é um baú com moeda de ouro. Para mim é assim, mas as moedas são as pessoas que eu amo. Quem eu amo? Eu me amo'. É a primeira pessoa. Ela tinha uma autoestima muito boa", lembra Heloisa.
Encarando o passado
De frente com o próprio passado na tela de cinema, o casal diz que não se arrepende em ter escondido o diagnóstico de Kat. "Eu acho que, por não ter falado, ela viveu intensamente. Ela era a primeira acordar, ia para tudo, era sempre uma aventura. Se a gente tivesse contado antes, ela não teria a felicidade que ela teve conosco", observa Heloisa.
Com o filme em cartaz, a mãe agora sente que cumpriu um desejo da própria Kat. "Ela mesma dizia: 'Quando eu fizer 14 anos, quero contar para todo mundo que eu sou HIV positivo'. Eu dizia: 'Kat, vai ser uma barra'. E ela respondia: 'Barra é o que eu vivo já', que eram os remédios. A gente tinha medo porque a gente sabia que, quando ela revelasse, ia ser mais uma discriminação, mas ela tinha essa vontade".
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