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Entre o Oscar e a política, Julia Lemmertz fecha os olhos para as fofocas

Julia Lemmertz: "Eu espero que essa crise toda sirva para gente realmente avaliar e parar de achar que os governantes vão resolver as coisas. Acho, sinceramente, que todo mundo tem que se colocar como cidadão. Sozinhos. Se a gente depender com o que tem por aí, a gente está lascado" - Divulgação
Julia Lemmertz: "Eu espero que essa crise toda sirva para gente realmente avaliar e parar de achar que os governantes vão resolver as coisas. Acho, sinceramente, que todo mundo tem que se colocar como cidadão. Sozinhos. Se a gente depender com o que tem por aí, a gente está lascado" Imagem: Divulgação

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

15/11/2016 06h00

No ano em que ficou fora da TV, Julia Lemmertz se aventurou em dois polos bastante distintos. Ela vive a mãe devotada que enfrenta o mundo para proteger a filha adotiva no emotivo “Pequeno Segredo”, de David Schurmann, em cartaz nos cinemas; e se multiplica em personagens sem nomes, em uma costura de textos de autores “malditos” da América Latina, na experimental peça “A Comédia da América Latina”, de Felipe Hirsch, segunda parte da obra "A Tragédia e a Comédia da América Latina".

A diferença salta aos olhos, mas não nos da atriz. Para ela, ambos os trabalhos são “loucos e complementares”. Enquanto no palco do teatro se discute as mudanças políticas no Brasil e no mundo, o filme acabou virando arma na polarização, ao ser escolhido para tentar uma vaga no Oscar, no lugar do favorito “Aquarius”.

Com todos os poros abertos, ela não fecha a questão em nenhum dos casos: “É doloroso, é difícil, batemos a cabeça, mas é uma oportunidade de ouro para exercer a cidadania e pensar. Fico triste disso ter virado um fla-flu”.

Em "Pequeno Segredo", ao lado de Mariana Goulart - Divulgação - Divulgação
Em "Pequeno Segredo", ao lado de Mariana Goulart
Imagem: Divulgação
Após a temporada em São Paulo, a peça com mais de três horas de duração, e com roteiro flutuante, que varia a cada apresentação, será mostrada logo no início do ano que vem na Alemanha e em Portugal. O roteiro de viagem pode se estender até março, com a possibilidade de “Pequeno Segredo” entrar entre os indicados a melhor filme estrangeiro, embora a atriz esnobe da possibilidade neste momento. “Eu fico feliz, lisonjeada, honrada, sei lá, a palavra bacana que você quiser usar, mas o Oscar para mim, sinceramente, não é o mais importante agora”.

A TV fica também para o ano que vem, quando entra no capítulo 40 de “Novo Mundo”, próxima novela de época da TV Globo, prevista para a faixa das 18h. Já das redes sociais, ela quer manter a distância. Recentemente, vídeos íntimos do ex-marido Alexandre Borges caíram na web e uma profusão de críticas e comentários envolvendo sua família fizeram tanto ruído quanto os aplausos.

Com calma e leveza, ela fala a sério sobre como "Pequeno Segredo" e "A Comédia da América Latina" lhe abrem os olhos, mas ri de prazer ao fechá-los quando o assunto são as fofocas: “A ignorância é uma benção”.

UOL - A força de “Pequeno Segredo” está na sua personagem, nessa mãe que resignifica um pouco sua vida com a chegada da filha adotiva. Como foi esse processo?

Julia Lemmertz - O último encontro que tive com a Heloisa [Schurmann] foi pouco antes de eles partirem para essa viagem que estão fazendo agora. Ela estava ansiosa com a viagem, era a primeira vez que ela voltava ao mar com um barco com o nome da Kat. Eu absorvi aquelas informações, aqueles sentimentos. Depois disso, fiquei um tempo em preparação com a Mariana [Goulart]. Quando a gente chegou em Florianópolis, a primeira coisa que fizemos foi entrar no Aysso, que é um barco mítico [da família Schurmann], que praticamente fala com você, que tem ainda as coisinhas da Kat, figurinhas no quarto. Comecei a sentir que seria possível eu viver uma vida ali. Comecei a amar estar ali, levantando vela, aprendendo sobre o vento. Fomos construindo essas relações e fomos vivendo. Fui guardando essa relação com a Heloisa de maneira profunda, de entendimento. É muito difícil se aproximar de uma história real, com gente que está aqui, vivendo. Até pensei em algum momento [imitá-la], ficava observando ela, mas depois eu pensei que o cinema te propicia uma economia, então tentei fazer menos. Resultou em um filme honesto.

É cedo para dizer se “Pequeno Segredo” vai ou não para o Oscar, mas qual seu sentimento em relação a essa possibilidade?

Sou bem budista nesse sentido. Estou vivendo aqui e agora. Se o filme vai para Cannes, vai para o Oscar, que ele vá e seja bem recebido. Procuro não entrar nessa onda. Por toda essa questão política que teve, com esse momento que o país está passando, tudo tomou uma medida maior do que precisava. Eu fico feliz, lisonjeada, honrada, sei lá, a palavra bacana que você quiser usar, mas o Oscar para mim, sinceramente, não é o mais importante nesse momento.

Neste momento, você está em dois polos bastante distintos: de um lado, com um filme emotivo e popular, e do outro, com uma peça “A Tragédia e a Comédia da América Latina”, com muitos textos de autores da América Latina, bastante política e áspera...

Essa peça está em movimento, é um organismo vivo. Agora ela está com 3 horas, entrou uma cena espetacular que se chama ‘Amor e Anarquia’, que é um texto de um argentino Martín Caparrós. Ele dialoga tanto com o momento político, que a plateia fica... você sente um silêncio muito profundo. Tem muito a ver com que a gente passa, não só no Brasil, mas no mundo. É muito interessante você olhar sobre esse aspecto. O espetáculo tomou um cunho político que a gente não ansiava por isso. A gente abre com uma música sobre “Neoliberalismo”, que já é uma loucura. Eu fico feliz de estar com duas coisas tão loucas e tão complementares. O filme é muito amoroso, particular, intimista, família, e essa peça louca falando da nossa realidade, falando da América Latina, falando de poesia e política. É muito estimulante.

Julia Lemmertz em "A Comédia Latino-Americana": necessidade de se trabalhar em grupo - Patrícia Cividanes/Divulgação - Patrícia Cividanes/Divulgação
Julia Lemmertz em "A Comédia Latino-Americana": necessidade de se trabalhar em grupo
Imagem: Patrícia Cividanes/Divulgação
Não teria momento melhor (ou pior) para se ver essa peça. Como você tem enxergado nossa situação política atual?

Eu vejo toda crise com uma possibilidade de crescimento. É um momento bom para reavaliar e realmente pensar: o que nos interessa, o que nós queremos para o país? Eu vejo meu filho com 16 anos votando pela primeira vez, e falando de política diariamente, acho lindo. É doloroso, é difícil, batemos a cabeça, mas é uma oportunidade de ouro para exercer a cidadania e pensar. Fico triste de ter virado um fla-flu...

Que aconteceu com “Aquarius” e “Pequeno segredo”...

Exatamente. O filme não foi feito para isso, e nem se colocou nessa polêmica porque quis. Foi o acaso. Ele virar símbolo de uma questão política é injusto. E talvez, se isso não existe, o filme seria recebido de forma mais carinhosa. Mas também, pouco importa, o filme vai ter a força que ele tiver, as coisas vão se ajeitando. Mas eu espero que essa crise toda sirva para gente realmente avaliar e parar de achar que os governantes vão resolver as coisas. Acho, sinceramente, que todo mundo tem que se colocar como cidadão. Sozinhos. Se a gente depender com o que tem por aí, a gente está lascado.

 

Na peça você também interpreta um personagem masculino, sem nome, que busca um sentido político e afetivo neste mundo, no texto do argentino Pablo Katchadjian. Me parece muito libertador esse tipo de interpretação, em relação a uma novela, por exemplo.

O teatro que eu faço tem um pé em algum lugar não muito convencional. Eu era louca em trabalhar com o Felipe [Hirsch] porque eu queria estar em grupo. Interessava fazer uma coisa em grupo, e não ser o ator principal. Queria fazer parte de uma companhia, que faz tudo. Isso me interessa como linguagem, e intelectualmente também. Somos autores do que estamos fazendo. Isso da peça estar em aberto é um desapego. O ator quer sempre ter controle da coisa e estar seguro em cena, acho que essa é a questão da coisa, a insegurança dentro de um lugar meio campo minado.

A vitrine na TV ainda é a mais poderosa. Para o bem e para o mal. Recentemente, vimos essa polêmica de vídeos e fotos vazados, como se fosse uma obrigação vasculhar e escancarar qualquer aspecto pessoal e desconhecido de um famoso. Como você lida com isso?

Eu não lido com isso.

Você simplesmente não lida...

Tenho WhatsApp para falar com amigos e família, tenho Instagram que boto minhas fotos e eventualmente coisas que eu gosto. Ali, eu abri para todo mundo, entra boi, entra boiada. Se eu for ler e realmente me inteirar com o que está rolando, isso é muito ruim. Assim como tem gente que te elogia, tem gente que te coloca para baixo. Prefiro realmente me fazer de morta nesse sentido.

E te faz bem assim?

Faz bem. Acho que a ignorância é uma benção (risos). Por outro sentido, eu não me inibo, eu não me autocensuro. Se eu dou importância para isso e vejo o que falam, vão tolher minha espontaneidade. Eu não falo mais [sobre a vida pessoal]. O que elas querem saber, elas já sabem. Não tenho nada de interessante a falar sobre mim. Falem o que quiserem. Óbvio que tem muita coisa que é sacanagem, que é mentira, mas imagina se eu vou responder essas coisas? O tempo está passando, vou ser avó, tenho mais o que fazer.