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Como China pode desbancar EUA do posto de maior mercado de cinema do mundo

Cerimônia de abertura do International Film Festival & Awards Macao, na China - Divulgação
Cerimônia de abertura do International Film Festival & Awards Macao, na China Imagem: Divulgação

Carlos Helí de Almeida

Colaboração para o UOL, em Macau (China)

18/12/2016 06h00

Ao abrir, na semana passada, a primeira edição do International Film Festival & Awards Macao, o primeiro grande festival internacional de cinema da China, Maria Helena de Senna Fernandes, presidente do comitê de organização do evento, caprichou no discurso: “Macau é um lugar onde as culturas do Oriente e do Ocidente se orquestram em uma bela sinfonia”. Em outras palavras, Maria Helena falava do papel estratégico de Macau, ex-colônia portuguesa devolvida aos chineses em 1999, e de seu festival no bilionário projeto de expansão do parque cinematográfico da China. Hoje, ele é o segundo maior do mundo, só atrás do norte-americano.

Os números alcançados desde que a atividade audiovisual, dentro do setor cultural, se tornou um dos pilares do Plano Qüinqüenal do governo de Pequim, impressionam. Atualmente, o circuito de cinemas chinês conta com 39.197 telas --7.500 delas abertas somente entre janeiro e setembro deste ano. A continuar no ritmo atual, de 27 novas salas por dia, a China em breve superará a rede dos Estados Unidos, hoje composta por 40.475 telas.

Os investimentos chineses no setor são enormes, e vão para além da ampliação do circuito exibidor: o governo tem fomentado a produção ou coprodução de filmes, e a construção de estúdios. Quando esteve no Brasil, no início do ano, o vice-presidente do Comitê Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, Ma Biao, confirmou que a cultura é um dos pontos centrais do 13º Plano Quinquenal, que firmou as metas entre 2016 e 2020.

“O desenvolvimento cultural é um dos principais critérios para medir o grau de desenvolvimento de um país. O reconhecimento de culturas diferentes é um dos alicerces para a paz e o intercâmbio cultural é um dos símbolos do progresso de um povo”, disse Biao que, na época, veio tratar da participação de artistas brasileiros da Bienal Internacional de Arte de Pequim, que ocorrerá entre 24 de setembro e 15 de outubro de 2017.

O  governo comunista de Pequim também tem afrouxado regras da legislação com vistas a apoiar iniciativas privadas na aquisição de bens ou na associação com investidores estrangeiros. Recentemente, o magnata do setor imobiliário Wang Jianlin, dono do conglomerado Dalian Wanda, por exemplo, comprou a cadeia norte-americana de cinemas AMC, por US$ 2.6 bilhões, e o estúdio Legendary Enterteinment, por US$ 3,5 bilhões.

Este último é uma das empresas por de “A Grande Muralha”, a maior coprodução entre Estados Unidos e a China, que estreia nas salas chineses nesta sexta-feira (16). A superprodução de US$ 150 milhões é dirigida por Zhang Yimou (de “O Tigre e o Dragão”) e estrelado por Matt Damon, Willem Dafoe e grande elenco local. No início de novembro, a Jianlin abocanhou a Dick Clark Productions, responsável por eventos como o Globo de Ouro e o American Music Awards.

Maria Helena de Senna Fernandes, presidente do comitê de organização do International Film Festival & Awards Macao - Divulgação/Facebook - Divulgação/Facebook
A presidente do comitê de organização do evento, Maria Helena de Senna Fernandes
Imagem: Divulgação/Facebook

Neste cenário, a pequena Macau, cuja principal fonte de renda é o jogo e o turismo, tem o papel de funcionar como tapete vermelho entre o cinema da China e a comunidade cinematográfica mundial. Além de oferecer uma competição nacional e mostras com títulos da produção asiática, o IFFAM também oferece laboratórios de coprodução, que aproximou produtores de investidores estrangeiros, e ainda premiou quatro projetos.

“Por mais de 400 anos, Macau foi uma plataforma comercial entre a China continental e o resto do mundo. Acho que estamos resgatando a tradição como ligação internacional para intensificar esse intercâmbio cultural, além da darmos visibilidade à produção chinesa e asiática”, explica Maria Helena, que também acumula o cargo de diretora do Escritório de Turismo do Governo de Macau.

Abertura da China

Aos poucos, mas firmemente, a China moderniza sua visão sobre o poder do audiovisual. Entre 1979, após o final da Revolução Cultural, e os primeiros anos da década de 1990, a produção local era composta basicamente por filmes de propaganda, e o mercado fechado ao produto estrangeiro. O resultado foi uma queda de 79% na venda de ingressos no período.

O processo de abertura chinês começou lentamente, a partir de 1994, com a exibição de “O Fugitivo” (1993), de Andrew Davis, com Harrison Ford e Tommy Lee Jones. Hoje, a cota de importação de filmes está estacionada em 34 títulos anuais, e a produção local já chega a 682 títulos (número de 2015), em diversos gêneros. Ano passado, o mercado de filme chinês representou 61,58% do faturamento anual da bilheteria, de um total de US$ 6,8 bilhões. Um crescimento de 49% em relação ao ano anterior.

A mudança de postura do governo de Pequim diante do potencial político e econômico do audiovisual pode levar a China a desbancar os Estados Unidos do posto maior mercado de cinema do mundo: em 2015, os cinemas norte-americanos venderam cerca de US$ 11 bilhões em ingressos, o que representa um crescimento de apenas 7% em relação a 2014.

“Minha geração cresceu observando uma cultura dominante, a americana, ocidental, e agora há uma cultura oriental que está ganhando força. Mais do que isso, ela está mais confiante no seu poder do que há 15 anos”, reflete o cineasta indiano Shekhar Kapur (de “Elizabeth: A Era de Ouro”), que foi presidente do júri do 1º Festival de Macau.

Com mais de 1,3 bilhões habitantes, a China é um imenso mercado a ser explorado --para se ter uma ideia, a aventura de fantasia “Animais Fantásticos e Onde Habitam”, desdobramento da saga do bruxo Harry Potter, já faturou US$ 82 milhões desde a sua estreia nas salas chinesas, dia 25 de novembro.

De olho nesse público, que não para de crescer, os americanos se anteciparam à iniciativa da abertura chinesa com acordos de coprodução e até de cogestão. Em 2012, Jeffrey Katzenberg abriu um escritório da DreamWorks em Shanghai. A animação “Kung Fu Panda 3”, primeiro fruto dessa associação, arrecadou US$ 57 milhões na sua primeira exibição na China, contra US$ 16 milhões nos Estados Unidos.

“Há um grande diálogo entre Hollywood e a China neste momento, em termos de negócio e criativo. É incrivelmente animador que isso esteja acontecendo agora, com promessas de que devem continuar por muito tempo”, analisa o diretor Tom McCarthy, autor de “Spotlight: Segredos Revelados” (2015), vencedor do Oscar de melhor filme deste ano, que esteve em Macau para uma aula magna. “Esse tipo de colaboração, que é histórico, é uma experiência artística animadora”.