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Análise: Melhor personagem de Carrie Fisher foi ela mesma

Carrie Fisher na premiere de "Star Wars: O Despertar da Força", em 2015 - Mario Anzuoni/Reuters
Carrie Fisher na premiere de "Star Wars: O Despertar da Força", em 2015
Imagem: Mario Anzuoni/Reuters

James Cimino

Colaboração para o UOL, em Los Angeles

27/12/2016 16h08

Pergunte a qualquer fã de "Star Wars" qual foi o maior papel da atriz Carrie Fisher e a resposta será Princesa Leia. Mas, certamente, a melhor personagem que Carrie Fisher já interpretou foi ela mesma.

Após a saga de George Lucas, Fisher nunca conseguiu outro grande papel. Mas Volta e meia ela fazia participações como ela mesma em séries como "Sex and the City" e "Big Bang Theory". Mas a personagem real ganha maiores dimensões no palco, contando os escândalos que marcaram sua vida, com um humor cáustico e nada condescendente.

Nos Estados Unidos, o serviço de streaming da HBO tem em seu catálogo um desses espetáculos. Chamado "Wishful Drinking" (um trocadilho com a expressão "wishful thinking", algo como ilusão ou autoengano), o título faz referência ao vício da atriz em álcool e drogas. O cartaz, inclusive, mostra uma princesa Leia segurando uma taça de martini e vários comprimidos espalhados por uma mesa branca.

No show de 1h15 de duração, Carrie esmiuça detalhes de sua vida pessoal e de todos os que se relacionaram com ela. A começar por seus pais: o cantor Eddie Fisher e a protagonista do musical "Cantando na Chuva", Debbie Reynolds.

Mostra ainda cenas de seu pai e de sua mãe em "Uma Esperança Nasceu em Minha Vida" (1956), numa sequência em que os dois aparecem dançando loucamente enquanto Debbie estava grávida de Carrie. "Explica muita coisa, não?", ela pergunta.

Segundo seu próprio relato, crescer filha de duas das maiores celebridades da época foi de certa forma um trauma que carregou pela vida. Ela diz que, no momento de seu parto, metade da equipe médica estava prestando atenção na beleza de Debbie Reynolds, enquanto a outra metade teve que atender a seu pai, que desmaiou ao ver a placenta. "Cheguei ao mundo totalmente desamparada", diz, em tom irônico.

Em entrevista ao jornal "The New York Times", em 2006, disse que nunca quis ser atriz por conhecer de perto o que fama traz para a vida das pessoas. Referia-se especialmente a sua mãe. "Eu vi o que causou em minha mãe. Tive um ponto de vista muito claro de como aquilo a magoou. Porque, quando eles não querem mais você, não querem mais você."

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Unidos pelo escândalo

Um dos melhores momentos de "Wishful Drinking", que é uma espécie de auto-sátira, é quando ela manda descer um quadro com fotos da família e de algumas celebridades do século passado. Tudo para tentar explicar à sua filha, Billie Lourd, se ela e o namorado, Quinn Tivey, neto de Elizabeth Taylor e Richard Burton, têm alguma relação de parentesco.

A resposta da atriz é mordaz: "Vocês se relacionam através do escândalo". Ela diz isso porque o pai de Carrie Fisher trocou sua mãe por Elizabeth Taylor, quando a estrela de "Cleópatra" ficou viúva de Michael Todd, o produtor e vencedor do Oscar de melhor filme por "Volta ao Mundo em 80 Dias". "Se vocês não têm muita familiaridade com as estrelas dos anos 1950 e 1960, pensem em meu pai como Brad Pitt, minha mãe como Jennifer Anniston e Elizabeth Taylor como Angelina Jolie", ironiza.

Ela conta ainda que, antes disso, os dois casais eram tão amigos que Eddie Fisher e Debbie Reynolds foram padrinho e madrinha de casamento de Michael Todd e Elizabeth Taylor. O irmão de Carrie, Todd Fisher, inclusive recebeu esse nome por causa da amizade entre as famílias. "Mas quando um acidente de avião matou Michael, apenas um ano após o casamento com Liz, meu pai foi correndo consolá-la… com seu pênis", completa a eterna princesa Leia, levando o público às gargalhadas.

Carrie Fisher como Princesa Leia em "Star Wars" - Divulgação - Divulgação
Carrie Fisher como Princesa Leia em "Star Wars"
Imagem: Divulgação

"Star Wars" arruinou minha vida

No espetáculo, Carrie Fisher não poderia deixar de fazer piada sobre o fardo de ser, para sempre, lembrada por um único personagem que, segundo ela mesma sugere, não é grande coisa em termos de atuação. "George Lucas arruinou minha vida. Da melhor maneira possível, é verdade. Quando peguei esse trabalho, me disseram que eu tinha que perder uns 5kg. Acabei ganhando 50kg e eles foram todos parar na minha cara. E aí qual foi a grande ideia que eles tiveram? Me dar um corte de cabelo que me deixaria com a cara mais gorda ainda".

E ela continua: "Mas George Lucas é um visionário. Além de nos dar esses papeis, ele ainda nos deu uma legião de fãs malucos que vão nos entreter até o resto de nossas vidas", diz, aos risos.

E fecha com sua história favorita: "No ano passado eu estava em Santa Fé, fazendo uma apresentação deste show, e fui a uma loja. De repente, um fã me olhou e disse: 'Você não é a…?' 'Sim', disse que era eu. Aí ele me disse que dos 12 aos 22 anos ele pensava em mim todos os dias. Eu disse: 'Todos os dias?'. E ele respondeu: 'Umas quatro vezes por dia. O que eu podia dizer além de 'obrigado'?".

Carrie Fisher também faz piada sobre os diversos produtos licenciados da saga que têm seu rosto. Em particular, um deles, uma bonequinha da princesa que seu primeiro marido, Paul Simon, da dupla Simon e Garfunkel, "espetava com agulhas quando estava com raiva de mim".

Sobre a união com Paul, ela diz que eles se entendiam perfeitamente. Segundo ela, em uma de suas viagens em turnê pela América do Sul, Simon escreveu sua última música dedicada à ela. "Se você tiver a oportunidade de ter Paul Simon escrevendo uma música para você, agarre. Porque ele é tão bom nisso. A letra diz: 'Receio que eu seja levado / Desertado, abandonado / Em seus frios olhos cor de café'. Sim, eu sou uma vaca", ironiza mais uma vez.

Ela teve ainda um segundo marido, o pai de sua filha, Bryan Lourd, que a trocou por um homem. No show, ela diz que ele mais tarde explicou que ela o "transformou em gay" quando retomou seu vício em codeína. De fato, Fisher teve muitos problemas com pílulas ("sou uma grande apreciadora", brinca) e chegou a ser internada algumas vezes para o tratamento de problemas mentais.

Até terapia de choque ela recebeu, outro fato com o qual faz piada. "Olha, dá um branco de uns quatro meses na sua cabeça, mas com o tanto de merda que acontece na minha vida, acho que nem vai fazer falta."

Diagnosticada tardiamente com bipolaridade, ela adquiriu um cão buldogue francês chamado Gary, que a acompanhava para todo lugar. Era ele quem estava com ela quando a atriz sofreu o infarto que a matou nesta terça-feira (27). Gary tem uma conta no Twitter com mais de 11 mil seguidores e, no dia do incidente, tuitou do hospital onde ela estava internada dizendo: "Estarei bem aqui, mamãe".