Diretor de filme sobre Lava-Jato diz que história real é "mais entediante"
A cena é de perseguição: uma operação de emergência da Polícia Federal para prender o doleiro Alberto Youssef, localizado em São Luís, no Maranhão. À frente da ação está o delegado Vinícius, que corre pelos corredores do hotel atrás do alvo. Qualquer semelhança com a realidade, nesse caso, não é mera coincidência: baseado na Operação Lava-Jato, o filme "Polícia Federal - A Lei é Para Todos" vai levar para a ficção o período entre o início das investigações, em 2013, e o primeiro trimestre de 2016.
A ideia é que o projeto, que tem previsão de estreia para julho, dê origem a uma trilogia no cinema, além de livros e uma série de TV, ainda em negociação. A depender dos acontecimentos que inspiram a produção, assunto não vai faltar, mas o primeiro filme tem seu desfecho logo após a condução coercitiva do ex-presidente Lula (Ary Fontoura). Sequências de ação, no entanto, serão exceções, explica o diretor Marcelo Antunez.
"A Lava-Jato é uma operação de escritório, muito burocrática. Essas cenas de ação a gente conseguiu retratar no início. Nessa fase, ainda tinha doleiros envolvidos, traficantes de drogas que lavavam dinheiro. Depois, os riscos deixam de ser de integridade física e passam para o lado político, de anular a operação", afirma o cineasta, no intervalo de filmagens, no hotel Slaviero Lifestyle, no Rio --o local serve de "dublê" para o hotel Luzeiros, na capital maranhense, onde aconteceu a prisão.
Assunto espinhoso
Tanto o diretor quanto o produtor Tomislav Blazic afirmam que a intenção é fazer um filme de entretenimento e passar ao largo de qualquer vinculação partidária. Mas todos sabem que se trata de um assunto espinhoso. Por conta disso, alguns diálogos foram revistos e algumas cenas até cortadas, para não gerar uma interpretação equivocada.
"Eu acho uma pena que esse seja assunto polêmico. Só mostra como a gente ainda está engatinhando na democracia. Concordando ou não com o viés político, essa operação mexeu com o Brasil, é um fato que marcou a história do país. Poder falar sobre isso não devia ser nada polêmico. O filme, infelizmente, acaba tendo essa contaminação. Estamos lidando com o máximo de responsabilidade possível. A gente tenta se isentar de opinião e tenta mostrar a investigação em si, a que conclusão esses personagens chegaram", afirma Antunez.
Acordo com a PF
O processo de pesquisa durou cerca de um ano e meio e incluiu pelo menos 40 entrevistas e consulta a vídeos, denúncias e todos os documentos de acesso público da operação, graças a um acordo da produção com a Polícia Federal.
“Eles entenderam que a gente queria buscar fatos”, argumenta Blazic. “Não estamos nos desviando de nenhum caminho por uma questão política. Uma coisa eu sei: esse filme é um blockbuster, a ser lançado em mais de mil salas pelas duas maiores distribuidoras do país. Vai ter um impacto muito forte. Estamos trabalhando para retratar o máximo dessa realidade”, afirma.
Se a realidade é a base do trabalho, a ficção vem preencher algumas lacunas para transformar a tal “operação de escritório” em dramaturgia. Ao buscar esse equilíbrio, o combinado com os roteiristas Thomas Stavros e Gustavo Lipsztein era não mexer uma vírgula em relação aos investigados. O texto da delação do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, por exemplo, foi extraído da transcrição do documento, palavra por palavra.
“Do ponto de vista dramático, seria maravilhoso que os policiais tivessem sido ameaçados ou que o [juiz Sergio] Moro pudesse ser mais protagonista. Mas a gente se deparou com um lado mais entediante (risos), não tem essas coisas. Então, onde entra a ficção? A gente junta personagens, essa interação entre eles [os delegados], os diálogos são ficcionais. A gente foi lá tentar descobrir que conflitos existiam e, quando se prestavam à dramaturgia, a gente usava. Quando não, era criado”, explicou.
Por trás das câmeras
Nenhuma figura real vai ser nominalmente citada na produção --o juiz, inspirado em Sergio Moro e interpretado por Marcello Serrado, por exemplo, será designado apenas pelo cargo. Os delegados vividos por Antonio Calloni, Flávia Alessandra, Bruce Gomlevsky e João Baldasserini são inspirados respectivamente em Igor de Paula, Erika Marena/Renata Rodrigues, Márcio Anselmo e Maurício Moscardi.
Segundo Antunez, as referências são de personalidade, mas o filme toma algumas liberdades em relação aos acontecimentos. A prisão de Youssef, por exemplo, foi feita por outro delegado, mas na ficção, quem corre atrás do ator Roberto Birindelli, que dá vida ao doleiro, é Baldasserini.
Corre muito, aliás. Na noite da última sexta-feira (3), quando o UOL acompanhou parte das filmagens, a cena, capturada de vários ângulos precisou ser refeita mais de uma dezena de vezes. “É uma delícia de fazer, mas tem que ter condicionamento físico. Suei muito a camisa”, brincou o ator, durante um breve intervalo, por volta das 23h.
A gravação noturna, que mobilizou cerca de 190 pessoas nesse dia, começou às 18h e seguiria até as 6h da manhã. Para não incomodar os hóspedes, o sexto andar do hotel ficou reservado apenas para a equipe, identificada por coletes. Na rua, três carros da Polícia Federal, à espera das cenas externas, dividiam o (pouco) espaço com dois enormes caminhões com os equipamentos do longa.
Para viver o delegado, Baldasserini fez aula de tiro, conversou com os delegados em Curitiba, onde foram filmadas algumas sequências do filme, e estudou o material fornecido pela PF. Mas também fez um “laboratório” mais informal. “O Moscardi é o mais jovem da galera, a gente foi até a um show do Guns N' Roses. É muito legal ver uma pessoa que tem uma função como esta é um cara comum”, afirma o ator.
Na ficção, Vinícius é um profissional determinado, que é casado e tem duas filhas. Em uma cena, a esposa demonstra preocupação com a segurança do marido.
“Os delegados não comentaram sobre isso, mas acredito que eles tenham essa preocupação. Eu vejo que eles estão indo até onde podem. Não os vejo se colocando de maneira heroica, mas investigando um caso, que não é comum. Não vi egos inflados. Mas imagino que deve ser difícil”, opina Baldasserini, que passou a acompanhar mais o noticiário político depois de se envolver no filme.
"É uma contradição que a gente vive: estou feliz de estar trabalhando, talvez não tanto de estar contando essa história do meu país. Mas estamos aqui para fazer entretenimento, gerar reflexão. Essa é a função da arte”, afirma o ator.
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