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Investimento público impulsiona presença brasileira no Festival de Berlim

"Joaquim", de Marcelo Gomes, foi selecionado para a competição oficial do Festival de Berlim - Divulgação
"Joaquim", de Marcelo Gomes, foi selecionado para a competição oficial do Festival de Berlim
Imagem: Divulgação

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL

07/02/2017 04h00

Se 2017 começou ainda sob o peso da crise política e econômica no país, ao menos o cinema nacional traz boas notícias: o Festival de Berlim, um dos três mais importantes do mundo (ao lado dos de Cannes e Veneza), terá 12 filmes brasileiros na programação, sendo um deles na disputa pelo Urso de Ouro. Será a primeira vez em três anos que uma produção nacional concorrerá ao prêmio máximo da Berlinale, que vai de quinta-feira (9) a 19 de fevereiro.

Berlim já é tradicionalmente o mais receptivo à produção brasileira entre os grandes eventos de cinema --o que se deve, em parte, à afinidade pessoal de seu curador e presidente, Dieter Kosslick, com os filmes feitos aqui. Mas creditar o êxito nacional no festival somente a isso é ver só parte da história. "Acredito que [a forte presença do Brasil] tenha muito a ver com o processo de maturação do sistema corrente de apoio público às filmagens no Brasil, o que vem sendo fomentado e ajustado nos últimos anos", diz Kosslick.

Os cineastas com obras presentes na Berlinale são quase unânimes em concordar com a tese do diretor da mostra. "Primeiro temos a Ancine [Agência Nacional do Cinema] desenvolvendo uma política pública exemplar na indústria do audiovisual, com seus mecanismos de fomento que auxiliam as produções em todos seus estágios", diz Marcelo Gomes, diretor de "Joaquim", que está na competição oficial.

De fato, dos 12 filmes brasileiros na Berlinale, 11 tiveram ajuda da agência, por meio do Programa de Apoio à Participação Brasileira em Festivais, Laboratórios e Workshops Internacionais, que auxilia em níveis diversos a ida de um filme a um grande evento, fornecendo desde auxílio financeiro a confecção de cópias legendadas que serão exibidas por lá.

Iniciativas como o Fundo Setorial do Audiovisual (que se vale de contribuições vindas do próprio setor) e políticas regionais também ajudaram a catapultar a seleção nacional. "Foram necessários oito anos de trabalho para dar vida ao filme", explica Fábio Meira, sobre seu "As Duas Irenes", escolhido para a mostra Geração, em parte financiado pelo Fundo de Arte e Cultura de Goiás. “Sem políticas públicas, ele não existiria e não estaria projetando o Estado de Goiás internacionalmente".

"O que estamos vendo hoje é resultado de um trabalho de cinco, seis anos desses programas", completa Davi Pretto, diretor de "Rifle", selecionado no programa Forum. "Se queremos ver o cinema brasileiro seguir este caminho, precisamos trabalhar para defender e manter essas políticas. Do contrário, retrocederemos ao início dos anos 1990."

Cena do filme "As Duas Irenes", de Fábio Meira - Divulgação - Divulgação
"As Duas Irenes", de Fábio Meira, está na mostra Geração
Imagem: Divulgação

Esperança de prêmios

No quesito prêmios, a esperança verde-amarela de triunfo atende pelo nome de "Joaquim", longa do pernambucano Marcelo Gomes (de "Cinema, Aspirinas e Urubus"). O filme, que retoma a vida do mártir Tiradentes, tenta igualar o feito que o Brasil conseguiu apenas duas vezes, com os Ursos de Ouro conquistados em 1998, por "Central do Brasil" (de Walter Salles), e 2008, por "Tropa de Elite" (de José Padilha).

"O convite para qualquer festival internacional é sempre uma surpresa", diz Gomes. "Nosso 'Joaquim' reflete sobre a colonização do Brasil, que foi cruel e oportunista, provocando extermínios de populações nativas e explorando a mão de obra escrava africana. Isto deixou como herança fraturas sociais ainda visíveis. Acho que, no momento atual, existe um interesse tanto na Europa quanto na América Latina em olhar para as bases de nossas estruturas sociais", teoriza o diretor.

A segunda mostra mais importante, a Panorama, tem cinco produções nacionais --três dirigidas por cariocas. Uma delas é "No Intenso Agora", primeiro filme do documentarista João Moreira Salles (de "Santiago") em dez anos. Os outros dois são "Pendular", de Júlia Murat (de "Histórias que Só Existem Quando Lembradas"), e "Vazante", estreia solo de Daniela Thomas (codiretora de "Central do Brasil"). A paulista Laís Bodanzky ("Bicho de Sete Cabeças") apresenta o drama "Como Nossos Pais", e o mineiro Sávio Leite mostra o curta de animação "Vênus - Filó, a Fadinha Lésbica".

A mostra Geração, dedicada a filmes sobre jovens, traz dois estreantes: a gaúcha Cristiane Oliveira, diretora de "Mulher do Pai", e o goiano Fabio Meira, que lança "As Duas Irenes". A mostra traz ainda o longa "Não Devore Meu Coração", do carioca Felipe Bragança, e o curta "Em Busca da Terra sem Males", da também carioca Anna Azevedo.

A brasiliense Bárbara Wagner e o alemão Benjamin de Burca assinam o curta "Estás Vendo Coisas", na luta pelo Urso de Ouro na categoria curta-metragem. E completa a farta seleção nacional o longa "Rifle", do gaúcho Davi Pretto, na mostra Forum, dedicada ao cinema mais experimental.

Cena do filme "Pendular", de Júlia Murat - Divulgação - Divulgação
"Pendular", de Júlia Murat, será exibido na mostra Panorama
Imagem: Divulgação

Vários "Brasis"

Os estilos e temas dos filmes que serão exibidos na Berlinale são tão variados quanto se pode imaginar. Em comum, talvez apenas o fato de reforçarem a noção de pluralidade do país. "É também interessante perceber que os filmes têm procedência de diversas partes do Brasil. Isso é muito importante, porque significa que diversos 'Brasis diferentes' serão exibidos", ressalta o curador Dieter Kosslick.

Alguns jurados e cinéfilos que frequentam a Berlinale gostam de ver marcas sociais e geográficas brasileiras na tela. Mas quem desse grupo for assistir a, por exemplo, "Pendular", de Júlia Murat, talvez se decepcione. "Se o público busca brasilidade ou algo exótico, não encontrará. Mas essa talvez seja a grande força do filme: ele é universal. Fala de uma relação amorosa entre duas pessoas. Apenas, ou tudo, isso. Espero que o filme emocione quem o veja", diz a cineasta.

Nosso candidato ao Urso de Ouro, Marcelo Gomes acha que o espectador internacional está ansioso para ver como o brasileiro tem retratado na tela sua conturbada realidade recente. "O cinema brasileiro desperta uma curiosidade natural já desde os anos 1960, com o Cinema Novo. Mas é inegável reconhecer o destaque que o país teve nos principais noticiários do mundo nos últimos três anos, o que só aumenta a curiosidade pela nossa produção cultural", diz.

"Além disso, atende a um público cinéfilo e curioso por entender o mundo através da cinematografia de outros países", completa Gomes, sem se arriscar a palpitar sobre como seu filme será visto pelos jurados. "Quanto ao júri, posso dizer que é algo completamente imprevisível. Espero que eles recebam nosso trabalho com carinho".