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Emma Watson: Em meio à intolerância atual, Bela tem o superpoder da empatia

Eduardo Graça

Colaboração para o UOL, em Nova York (EUA)

14/03/2017 05h00

"Não há protagonista feminina em desenhos animados como a Bela. Se você pensar bem, ela foi criada especificamente para ser diferente das princesas da Disney. Nunca quis tanto fazer uma história de amor como esta".

A afirmação é de Emma Watson, a protagonista de uma das mais ambiciosas apostas de Hollywood este ano. A atriz de 26 anos, celebrizada como a Hermione da franquia “Harry Potter” é o nome mais estrelado do caro – o orçamento é estimado em US$ 160 milhões – e arriscado movimento da Disney de retornar a uma de suas histórias mais queridas por público e crítica.

Vinte e seis anos depois do sucesso da animação original, “A Bela e a Fera” retorna aos cinemas nesta quinta-feira (16), transmutada de desenho animado para ação com atores de carne e osso. A direção é de Bill Condon, o roteirista de “Chicago” (2002) e fã ardoroso da Broadway. E cabe a Emma a tarefa de encarnar a menina de uma aldeia nos cafundós da França forçada pelas circunstâncias a negociar com um assustador monstro a libertação de seu pai (Kevin Kline).

A Fera agora é vivida por Dan Stevens, o ator britânico conhecido do público pela série televisiva “Downton Abbey”. No processo, como se sabe, Bela acaba descobrindo que as aparências nem sempre revelam toda a verdade sobre seu algoz.

"Há uma analogia clara entre esta história e o que está acontecendo hoje em nosso mundo", diz a atriz britânica, referindo-se ao momento de intolerância pelo qual o mundo passa, com ascensão de políticos com discurso xenófobo, como Donald Trump e os conservadores que apoiaram a saída do Reino Unido da União Europeia. "Bela é uma mulher que consegue encontrar o bem onde a maioria parece incapaz de ver além das aparências. Este é o superpoder dela, ela ousa desafiar a visão da maioria e fazer o que acredita ser o certo", diz.

E prossegue: "Ela segue apostando na sua capacidade de empatia com a Fera, apesar dos avisos, das tentativas de assustá-la de todos os outros habitantes da aldeia. Ela é muito mais curiosa sobre o outro, interessada em aprender com ele, do que guiada pelo medo da maioria. Ela, exatamente como eu na vida real, deseja ir além do superficial, da primeira impressão", completa a atriz.

Paixão pelos livros

Na animação e na refilmagem, o caminho para a improvável parceria entre a Bela e a Fera começa a ser revelado através da enorme biblioteca que une os interesses dos protagonistas. Emma conta que um de seus sonhos seria justamente o de “ter, em casa, uma coleção de publicações tão sensacional quanto a do filme”.

"Eu fecho os olhos, acordada, e vejo alguém me dizendo: Emma, esta biblioteca é sua. As histórias todas são suas, as informações também. A busca pelo conhecimento, me move, cara!", conta.

Dan diz que uma das diferenças conceituais centrais entre a animação e o novo filme é justamente o fato de que a Bela de Emma não ensina a Fera a ler, mas o reapresenta à sua parte mais culta.

"Ele não é analfabeto, mas se distanciou, por vários motivos, do caminho da compreensão, do entendimento. Ele, como Bela, perdeu a mãe, o sofrimento os aproxima, os leva à amizade e ao amor. De que adianta ter uma biblioteca sensacional se você não mergulha naquelas histórias? O mesmo acontece com sua paixão pela música e pela dança, que retorna através da presença, da curiosidade, dos questionamentos da Bela", acredita.

Bela, moderna e da rua

Emma frisa que desde o primeiro contato com Condon –diretor tanto de dois tomos de “A Saga Crepúsculo” quanto da adaptação para o cinema do musical “Dreamgirls - Em Busca de um Sonho”– foi importante deixar claro sua decisão de imprimir em Bela suas percepções da mulher contemporânea.

Se a proposta do diretor era aproximar a trama da realidade de meninas e mulheres dos dias de hoje, ele não poderia ter escolhido protagonista mais interessada no desafio. Sua Bela, por exemplo, não ama apenas a leitura, mas está decidida a ensinar às meninas de seu vilarejo a importância da educação para se crescer na vida:

"Bela vai além neste filme. E foi importante para mim enfatizar elementos que já estavam lá, inclusive nas letras do original, especialmente porque há mais realismo, naturalmente, quando se sai da animação e se mostra o meu rosto, meu corpo, meus pés nas sapatilhas dela. Mas Bela já diz e canta no desenho 'eu quero mais do que é esperado de mim', e isso é feminismo puro", diz Emma.

A modernização da história também chegou aos figurinos, que já eram adorados por fãs e precisaram ser adaptados para a tela sem perder a emoção do original. Emma conta que respirou aliviada ao saber que não precisaria usar espartilhos, já que a personagem “anda a cavalo e corre de um lado para o outro boa parte da história”.

A solução foi o uso de calças folgadas por baixo de saias longas, botas de montaria e a decisão de deixá-la, “de forma feminista também”, com as mãos sempre livres, já que entra suas atividades constantes está a leitura de muitos livros, “pelo menos três ao mesmo tempo”.

Efeitos especiais e cantoria

Além disso, a vila agora conta com animais de verdade - “galinhas, patos, atuando conosco!”- e os efeitos especiais precisaram ser levados em conta. Condon lembra que a tarefa de fazer críveis sensações e emoções humanas em personagens de carne e osso foi um dos maiores desafios da adaptação.

"Precisávamos recriar cenas pensadas para figuras animadas, e não apenas para os protagonistas, mas para Gaston, por exemplo, personagem de Luke Evans, e os objetos que têm vida própria no desenho. E, além disso, tivemos de levar em conta algo muito específico sobre o original na equação: o crítico do New York Times à época disse que havia visto o melhor musical da Broadway daquele ano. E não acho que ele esteja errado", diz o diretor.

Mas isso não foi um problema para Emma, que conta que já sabia de cor todas as músicas do original -- “e, pode me chamar de nerd, falas completas de quase todos os personagens”-- quando do primeiro encontro com os produtores. E, embora seja sua estreia em um musical, apostava que não faria feio nas cenas musicadas de “A Bela e a Fera”.

"Cantar foi muito mais vulnerável do que interpretar as falas de um texto. Quando você canta, pelo menos para mim, não tem como se esconder atrás do personagem", conta Emma. "A Bela, por me fazer cantar, me fez me aproximar de mim mesma, de minha própria voz. Foi uma experiência, de fato, reveladora. A Bela me mudou para sempre".