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Estamos mais perto do futuro de "A Vigilante do Amanhã" do que você imagina

Do UOL, em São Paulo

03/04/2017 04h00

Em cartaz desde a última quinta (30), a ficção científica “A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell” reacende uma das mais fascinantes e cultuadas tradições do cinema: a das distopias tecnológicas. "Descendente" de “Blade Runner” e “Matrix”, o filme apresenta ao espectador um decadente mundo pós-2029, onde a  tecnologia está em todos os cantos até dentro do ser humano.

A protagonista é Scarlett Johnason, uma jovem militante que vira agente antiterrorista ao ter o cérebro transplantado para um corpo cibernético. Seu lar é uma megalópole cyberpunk de ar asiático, um lugar caótico e visualmente deslumbrante, onde as antigas relações humanas parecem ter sido substituídas por uma nova ética.

Com o planeta girando cada vez mais rápido e tecnologicamente dependente, fica a pergunta: o quão perto estamos da realidade de "A Vigilante do Amanhã", publicada originalmente no mangá de Masamune Shirow? A resposta surpreende. Veja abaixo.

Cyberaperfeiçoamento

Scarlett Johansson em "A Vigilante do Amanhã" - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Em “A Vigilante do Amanhã”, a empresa Hanka Robotics produz o que seria o “humanoide perfeito":cérebro de gente, corpo de robô e rostinho de Scarlett Johansson. Antes disso, o mundo do filme já havia conhecido as maravilhas do "cyberaperfeiçoamento", que consiste em transplantar componentes eletrônicos para dentro do nosso corpo a fim de "evoluir" nossa espécie. Num exemplo mostrado no filme, para evitar a cirrose, um homem resolve retirar o fígado e substituí-lo por um órgão cibernético. Esse mundo de ciborgues ainda está longe da realidade, pelo menos da forma como é retratado na história. O que existe por enquanto é a possibilidade de implantação de microchips eletrônicos em seres humanos. Eles podem suprir, por exemplo, a necessidade de andar com documentos e cartões de banco. A Austrália tem planos de se tornar o primeiro país oferecer esses implantes em larga escala. Do ponto de vista mais "biológico" desse "aprimoramento", hoje existe também a chamada “engenharia de tecidos", com o cultivo de células em laboratório para construção ou restauração de tecidos e órgãos. A técnica pode não ser tão "hi-tech", mas, diferentemente da primeira, não dá a margem para você ser "hackeado", como acontece no filme.

Camuflagem termo-óptica

Cena de "A Vigilante do Amanhã" - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Uma das habilidades mais incríveis da protagonista Major é saber se camuflar no confronto com inimigos. O filme mostra várias vezes a soldada "desaparecendo" de forma "pixelada", em um lindo truque de efeito visual. Isso existe? Sim. E, pasme, a tecnologia já foi usada até na última Guerra do Iraque, embora a camuflagem digital, chamada UCP (sigla para Padrão Universal de Camuflagem em inglês), não tenha funcionado como esperado. Desde então, japoneses e americanos vêm tentando aperfeiçoar a técnica. O “manto da invisibilidade” é um sonho antigo do homem e funciona com a manipulação da luminosidade, mudando a forma como os raios de luz incidem sobre um objeto para que ele não seja detectado pelo olho humano. Isso permitiria, por exemplo, que pilotos enxergassem "por dentro" do nariz do avião, facilitando o pouso. Hoje, no entanto, a tecnologia ainda lida com inúmeras limitações, sendo bastante sensível ao movimento.

Realidade aumentada

Cena do novo "A Vigilante do Amanhã" - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Vários personagens do "A Vigilante" utilizam óculos (ou algo parecido com eles) digitais que fornecem em telas e projeções informações necessárias para realizar atividades. Cientistas obtém dados de pesquisa em tempo real. Pedestres podem ler notícias na rua sem ter de sacar qualquer acessório do bolso. Na realidade do longa, esses dispositivos geralmente são ligados à anatomia do corpo (cyberaperfeiçamento), permitindo até transmitir pensamentos. Em 2017, o mais próximo que temos disso é o Google Glass, par de óculos de realidade aumentada que, fixados em um dos olhos, traz informações em tempo real em uma pequena tela acima do campo de visão. É provável que nunca viraremos ciborgues, mas essa tecnologia, que já migrou para os games e filmes pornográficos, deve avançar muito nos próximos anos.

Hologramas em toda parte

Os hologramas da cidade de "Vigilante do Amanhã" - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Sem nome nem país, a cidade de “A Vigilante do Amanhã” é tomada por publicidade. E esses anúncios vão além dos tradicionais neons e das telas em alta definição. As imagens praticamente "pulam" na cara dos habitantes. São hologramas, a maioria divulgando marcas esportivas. Criar projeções 3D multicoloridas é uma obsessão do cinema desde os anos 1970 lembra da princesa Leia em "Star Wars" e do tubarão de “De Volta para o Futuro 2”?—, mas a tecnologia nunca se desenvolveu a ponto de entrar no cotidiano das metrópoles. Ao menos por enquanto. Várias experiências já têm sido feitas com sucesso por empresas e agências de publicidade nos últimos anos, como a Nike. Metrôs e aeroportos brasileiros inclusive já receberam campanhas criadas a partir de holagramas. Tudo parece questão de tempo.

Megalópole multicultural

Scarlett Johansson em "A Vigilante do Amanhã" - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

O crescimento vertiginoso das cidades americanas na primeira metade do século 20 e o das asiáticas na segunda criaram a ideia de que, no futuro, todas as grandes aglomerações urbanas um dia se uniriam e formariam a chamada megalópole. No imaginário, ela seria multicultural, caótica e muitas vezes “sem lei”. Os habitantes teriam diversas origens e falariam inúmeros idiomas simultaneamente. Uma verdadeira torre de Babel sobre a Terra que é materializada em “A Vigilante do Amanhã". Já conhecemos bem esse mundo. Basta lembrar que, em apenas três décadas, o número de centros urbanos com mais de 10 milhões de habitantes saltou de três para 27. Hoje, as megalópoles se concentram principalmente na Ásia. Para citar apenas cinco: Tóquio (Japão), Cantão e Xangai (China), Seul (Coreia do Sul) e Nova Delhi (Índia).

Híbrido de avião e helicóptero

Quem viu “A Vigilante do Amanhã” certamente reparou no poderoso "tanque-aranha" do filme, mas talvez tenha deixado escapar outro espetacular veículo do Exército: um híbrido de avião e helicóptero que faz as rondas na cidade. Como é mostrado poucas vezes, não fica claro como se dá o funcionamento das duas mecânicas na aeronave. Mas saiba que já temos nosso “avicóptero”. Em 2015, a Nasa concluiu com sucesso os primeiros testes de um drone capaz de alterar seu modo de voo no ar, com as características de helicóptero e avião. Também vem sendo testado desde 2012 o gigante britânico Airlander 10, maior aeronave do planeta, que une as funções de dirigível, helicóptero e avião. Há ainda outros projetos semelhantes no mundo, como o Skycruiser, que também se metamorfoseia em carro.

Desigualdade social

Cena de "A Vigilante do Amanhã", de Rupert Sanders - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Há "duas cidades" dentro da malha urbana do longa do direitor Rupert Sanders. Uma é rica, reluzente e desenvolvida, com sedes de empresas e edifícios luxosos. A outra é pobre, suja e apinhada de condomínios colossais, parecidos com os da favela vertical de Kowloon, em Hong Kong, considerada a maior do mundo. Uma sociedade cada vez mais dividida entre ricos e pobres é o que nos espera? Economistas e sociólogos divergem. Mas é provável que, mesmo com crescimento econômico, veremos a disparidade de renda crescer nas próximas gerações. Segundo estudo recente de uma ONG britânica Oxfam, baseado em dados do banco Credit Suisse, a riqueza acumulada pelo 1% mais abastado da população mundial hoje equivale, pela primeira vez, à riqueza dos 99% restantes. Temos muitos desafios pela frente.

Cigarro em ambiente fechado

Este não é exatamente um avanço tecnológico. Imagine a cena: uma das cientistas “aperfeiçoadas” de “A Vigilante do Amanhã”, a doutora Dahlin, surge tranquila pitando calmamente um cigarro comum em seu laboratório. Ninguém ao redor parece se importar. Ou seja, no pós-2029 do filme, provavelmente será permitido soltar fumaça pela boca em ambientes fechados. No mundo real, o hábito de fumar vem sendo coibido duramente em diversos países. No Brasil, a lei entrou em vigor em 2009 e ganhou abrangência nacional em 2014, sendo bem aceita pela população, assim como em grande parte do mundo. Com uma humanidade cada vez mais atenta à saúde e a questões do envelhecimento, parece inviável que voltemos a ser permissivos em relação ao cigarro.