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Boom de latinos em séries: Atores comemoram mais papeis, mas com cautela

Dascha Polanco, Paz Vega, Alfonso Herrera, Justina Machado e Rita Moreno: latinos estão ganhando espaço na TV - Divulgação/Montagem UOL
Dascha Polanco, Paz Vega, Alfonso Herrera, Justina Machado e Rita Moreno: latinos estão ganhando espaço na TV
Imagem: Divulgação/Montagem UOL

Beatriz Amendola

Do UOL, em Miami*

07/04/2017 04h00

Uma mãe veterana de guerra, um padre, uma cantora, uma adolescente que acaba presa. O elo em comum entre eles? São todos personagens interpretados por atores de origem latina. E é graças ao sucesso de séries como "Jane the Virgin" e "Orange Is the New Black" (ou "OITNB") que a oportunidade para os latinos tem crescido na TV norte-americana. E os atores são unânimes em afirmar que houve mudança positiva no mercado, ainda que não saibam ao certo o motivo.

Justina Machado, que estrelou a série "A Sete Palmos", da HBO, e voltou às telas neste ano com "One Day at a Time", sitcom centrada em uma família de origem cubana que vive em Los Angeles, reconhece ter mais oportunidades atualmente. "Às vezes, em Hollywood, [a mudança] tem a ver com o que é popular agora. Definitivamente, há mais papéis", avalia ela, que cita a boa recepção de "Jane" e "Orange" como um possível motivador para novas produções.

Colegas como a espanhola Paz Vega, de "The OA", apostam na força do mercado: há mais de 55 milhões de latinos nos Estados Unidos, que equivalem a 17,3% da população do país, de acordo com dados de 2016 do Pew Research Center. "Creio que Hollywood e todas as outras plataformas viram que o mercado latino é grande, é poderoso, está presente, e isso tem que ser refletido nas histórias que contam", afirma Paz. O cenário de hoje, para ela, é bem diferente daquele com o qual se deparou ao fazer seu primeiro filme americano, "Espanglês", em 2004: "Havia poucos atores latinos, e quase todos eram estereotipados".

Jackie Cruz, a Flaca de "OITNB", acredita que tanto a boa repercussão da série, prestes a estrear sua quinta temporada, quanto o fato de uma das emissoras mais vistas do país ser a Univisión, com programação totalmente em espanhol, mostram que os latinos querem ser representados. "Isso devia ensinar o quanto nós queremos nos ver na TV. A realidade é que também somos poderosas. Há pessoas que não são, mas é bom ensinar ao mundo que há vários tipos de latinas e que também podemos ser protagonistas".

Representatividade

Apesar de serem uma fatia importante da população nos Estados Unidos, os latinos ainda são alvos de preconceito --o que só se agrava com a retórica do presidente norte-americano Donald Trump, que pretende construir um muro na fronteira com o México. E as séries, acreditam os atores, têm cumprido seu papel em mostrá-los de outras maneiras.

"Somos seres humanos e essas são histórias universais", diz Justina. "E nós estamos cansadas dos rótulos: ‘Essa é a latina sexy, a latina sem sexualidade, a mãe sofredora, a policial durona’. É lindo que as pessoas estejam se vendo representadas”.

Isabella Gomez e Justina Machado em "One Day at a Time" - Michael Yarish/Netflix/Divulgação - Michael Yarish/Netflix/Divulgação
Isabella Gomez e Justina Machado em "One Day at a Time"
Imagem: Michael Yarish/Netflix/Divulgação

A jovem colombiana Isabella Gómez, que interpreta a filha de Justina em “One Day at a Time”, acredita que as séries podem abrir os olhos mesmo de espectadores que estão fisicamente distantes da América Latina. “Pessoas do Japão, da China e da Rússia entraram em contato comigo falando que se identificavam muito. Acho que isso abre os olhos deles: ‘Ah, latinos não ficam só cantando e se drogando o dia todo’. Eles são humanos, com vidas reais e problemas reais, como todo mundo. Acho que é importante para as pessoas verem isso”.

O mexicano Alfonso Herrera, que no Brasil se tornou famoso por atuar na novela “Rebelde”, vê o atual momento político como uma oportunidade para os atores hispânicos: “Acho que agora é um momento muito interessante, porque muitos olhos estão voltados para o México. Essa oportunidade é interessante pelas possibilidades de como vamos reagir, como vamos nos posicionar.”

E o reconhecimento vindo das premiações também tem sua importância. "Orange Is the New Black", por exemplo, já acumulou três prêmios SAG na categoria de melhor elenco em série de comédia, o que é positivo para a dominicana Dascha Polanco, a Daya da produção. “O reconhecimento para nós é muito importante, porque o latino ainda que se vê retratado de uma forma negativa na mídia, mas somos parte do DNA dos Estados Unidos. E hoje digo orgulhosamente: sou latina, sou imigrante, tenho meus documentos e sou parte de um fenômeno”.

Desafios

Apesar dos avanços, ainda há um longo caminho a ser percorrido --que passa por mais séries sendo produzidas com latinos. “As emissoras produzem os pilotos, mas não necessariamente vão escolhê-los [para virar uma série]. O negócio agora é escolher essas séries e dar uma chance para elas, para ver o que acontece. Acho que está mudando, mas não acho que mudou o suficiente”, diz Justina Machado.

Isabella, por outro lado, se preocupa que o boom dos latinos na série seja apenas temporário, pelo fato de a diversidade ter virado “moda” em Hollywood. “Por um tempo, várias audições tinham cara de ‘precisamos de um personagem culturalmente diverso. Então, se você tem qualquer cor, venha’. Às vezes, sinto que o pensamento é muito mais que os hispânicos estão na moda, então eles colocam hispânicos para levantar a audiência. Não tem muito a ver com contar as nossas histórias”, reflete a atriz, que, por outro lado, vê uma maior abertura para roteiristas, produtores e cineastas latinos.

Alfonso Herrera chegou a enfrentar divergências no set da série “O Exorcista”, na qual interpreta um padre mexicano. A emissora pediu que ele atenuasse seu sotaque – mas o final foi feliz. “Disse ‘por que eu devo soar mais americano se eu sou mexicano? Se você quer fazer algo real, por favor, eu adoraria que você aceitasse o meu sotaque da forma como ele é’. E eles aceitaram, e eu fiquei muito feliz que eles estavam abertos a essa possibilidade”. 

*A jornalista viajou a convite da Netflix