Netflix mistura feminismo e anos 20 em sua primeira série espanhola
“A vida não era fácil para ninguém, muito menos para as mulheres. Não éramos livres, mas sonhávamos em ser”. A frase está na abertura de “Las Chicas del Cable”, a primeira série espanhola da Netflix, que estreia nesta sexta-feira (28), e faz uma introdução precisa à trama, que gira em torno de quatro jovens telefonistas que sonham com uma vida de mais liberdade na Madri de 1928.
Empregadas da companhia telefônica espanhola, Lidia (Blanca Suárez), Carlota (Ana Fernández), Ángeles (Maggie Civantos) e Marga (Nadia de Santiago) buscam no trabalho independência e uma vida melhor, mas enfrentam uma série de percalços: um marido que quer impedir a mulher de continuar trabalhando, um pai que não aceita o desejo da filha de ter uma profissão e as dificuldades de ser mulher em uma grande metrópole.
Com caracterização e figurinos de época caprichados, a série remete a “Mad Men”, encerrada em 2015. E, assim como a produção americana, pode não ter personagens históricos, mas estabelece conexões com a vida real. “Mulheres como essas que interpretamos e que retratamos na série, muitas delas foram pioneiras, e graças a elas estamos aqui, trabalhando. Tudo por causa dessa luta que elas tiveram, cada um em seu país, com sua profissão e sua personalidade”, diz a atriz Ana Fernández, que vive uma jovem que contesta a criação tradicional dos pais.
“Las Chicas del Cable” não terá pudores ao falar da vida dessas mulheres: aborto, homossexualidade e a luta pelo voto feminino – que na Espanha só foi liberado nos anos 1930 – serão temas presentes, mesmo entre personagens secundárias. É o caso de Sara, a chefe das telefonistas, interpretada por Ana Polvorosa. Dura no começo da série – “ela está em um mundo de homens, ou mostra trabalho, ou vão devorá-la”, afirma a artista –, ela mostrará um lado mais humano ao longo da temporada: “Ela vai se envolver em luta a favor dos diretos das mulheres, é sufragista, feminista, é muito corajosa e muito segura de si, mas também tem momentos que mostram suas fraquezas, suas inseguranças e seus medos”.
A dualidade, segundo as atrizes, será uma constante entre as personagens. “As produções geralmente só mostram ou a princesa ou a malvada, mas não aqui: vamos mostrar o meio-termo, o cinza”, conta Fernández. Mesmo nessa área cinza, porém, não haverá espaço para o conceito démodé da rivalidade feminina. Em sintonia com produções recentes como “Big Little Lies”, da HBO, a amizade entre as quatro protagonistas estará na base da história. “Elas não são princesas que esperam que um príncipe as salve. Vamos nos ajudar, individualmente ou em grupo. Todas damos as mãos e temos um objetivo comum, que é ir adiante com o que temos. E só temos umas às outras”.
Fernández e Polvorosa elogiam a decisão da série de tratar de temas que, infelizmente, permanecem atuais. “Os maus tratos contra as mulheres por parte dos maridos ainda persiste. É indigno e asqueroso, para mim, que isso continue ocorrendo. Por isso é necessário que isso seja retratado”, afirma a intérprete de Carlota, que ainda lamentou a falta de personagens diversos para mulheres na indústria cinematográfica espanhola, mais conhecida dos brasileiros pelos filmes do cineasta Pedro Almodóvar. “A maioria dos protagonistas no cinema e na televisão são personagens masculinos. Poucas vezes há a oportunidade de retratar personagens femininos que tenham histórias sólidas, importantes, interessantes e que façam jus à realidade das mulheres”.
Retrato de época
Na Madri recriada para a série, os figurinos usados pelas atrizes roubam a cena – e alguns vestidos, inclusive, são originais da época. “Alguns vieram de museus, principalmente os de festa. Tinha que tomar cuidado para não estragar”, conta Ana Polvorosa. “Em me sentia nua quando tínhamos de colocar os vestidos de trabalho depois desses de festa, que são de seda, pérola e te fazem sentir como se fosse uma condessa”, completa Fernández, brincando.
E, mais do que adereços para encher os olhos, as roupas também dá aquele empurrãozinho para mostrar as personalidades das protagonistas. “Cada personagem tem uma gama de cor e isso é super marcado e definido. Logo nos três primeiros episódios isso fica bem nítido”, diz Polvorosa, que se inspirou na elegância de outra mulher forte da Netflix para montar sua personagem: a Claire de “House of Cards”, interpretada por Robin Wright.
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